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Primeiro grupo espírita da internet

As utopias não morrem

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Embora o capitalismo, como doutrina socioeconômica, seja algo, relativamente recente, sua lógica filosófica acompanha o homem desde os tempos das cavernas ou, quem sabe, muito antes disso. Trata-se de uma programação pré-natal inerente ao espírito humano. Algo já pré-definido pelo criador ou pela mãe natureza, como preferir.

A prova maior de sua eficácia é o fato de que saímos das cavernas, transformamos o mundo e chegamos até aqui. Mais ainda, mesmo com os problemas atuais e futuros nossa jornada seguirá em frente. É inexorável. A questão toda se resume no preço a pagar.

Não chegamos até aqui gratuitamente. Embora não seja óbvio, pagamos elevados tributos para evoluir, seja individualmente, seja coletivamente. O interessante é que o preço não é prefixado nem controlado por nenhum oligopólio divino. O preço é autorregulado pelo mercado das commodities morais e materiais da própria sociedade humana. Isso pode parecer herético. Os mais radicais poderão ver nessa comparação uma blasfêmia ou total subversão de valores. Com todo o respeito pelas diferentes visões de mundo, não se trata de nenhuma comparação, mas sim da mais pura nua e crua realidade humana.

Os gigantescos problemas e aberrações que vemos no atual cenário mundial, apenas refletem a lógica desse mercado, muito humano, é bom que se diga. É o preço a pagar pela falta de consciência da realidade maior e mais abrangente da estratégia evolutiva da natureza.

Pode não parecer, mas o mundo de hoje está melhor que o mundo de ontem, assim como o mundo de amanhã estará melhor que o de hoje. Por mais que as catástrofes e o pessimismo capturem e prendam nossa atenção, não podemos deter a marcha do tempo e da evolução. Não há dúvida que ainda haverá muitas catástrofes e mazelas, reflexo puro e simples de nossas atitudes individuais e coletivas dentro desse mercado, muito humano, vale repetir. Mas nada que impeça ou mude as leis da natureza.

Não importa o que aconteça, não importa quantas guerras ocorram ou quantas vidas se “percam”, sempre restarão indivíduos melhores para continuar a construção do futuro.

- Como? - Por decreto divino? - Por puro ato de fé?

Bom, é aqui que entra a beleza, a sutileza e o dinamismo da estratégia evolutiva da natureza, um processo inexoravelmente imutável e, ao mesmo tempo, sob permanente renovação e adaptação. É claro que a fé faz parte desse processo, pois é inerente ao ser humano. E note-se que aqui tanto faz a fé como a ausência de fé, caímos sempre no mesmo ponto. A fé faz parte do mesmo programa capitalista pré-natal da mente humana. Até mesmo os que se dizem ateus têm a sua fé. A própria ciência tem suas crenças. Mas isso tudo não importa, o que conta não são os elementos ou aspectos isolados e sim o conjunto das coisas.

A lógica capitalista do livre mercado nos induz a buscar nada mais nada menos que o poder e a felicidade. Esse é o ponto que precisa ser compreendido. Todos nós, crentes ou descrentes, cultos ou ignorantes, ricos ou pobres, jovens ou velhos, homens ou mulheres, queremos sempre o poder e a felicidade. Não importa a cor, a crença, o sexo ou a cultura. Esse objetivo é único e universal. Por si só, isso já é algo para se começar a refletir a respeito.

É esse anseio latente, universal, supostamente bem compreendido por nossa inteligência, ainda primitiva, que nos faz únicos nos reinos da natureza. Não foi apenas o instinto de sobrevivência e a inteligência que nos tiraram das cavernas e nos trouxeram até aqui. Existe uma pulsão sutil associada aos instintos e ao intelecto.

O objetivo comum e os diferentes caminhos que cada um escolhe para tentar atingi-lo mostra quão iguais e diferentes somos ao mesmo tempo. Jogo de palavras? Pode ser! Afinal de contas, a própria existência não aparenta ser uma espécie de jogo? Ou será apenas nossa pobre compreensão da realidade que nos leva a pensar que estamos dentro de um jogo? Um jogo cujas regras pouco conhecemos! Mas isso não importa! Estamos sempre pagando o preço de nossas apostas individuais e coletivas. Essa é a regra imutável do mercado. Estamos sempre atrás de poder e felicidade. Não poderia ser diferente. Não existe outra escolha.

O problema é que nos envolvemos de tal forma com os meios que perdemos a noção e a real dimensão dos fins. Enquanto os conceitos de poder e felicidade não forem colocados sob sua correta perspectiva temporal e sob sua correta dimensão de valor, vamos pagar caro com as oscilações e incertezas do mercado.

Todos os sistemas socioeconômicos já experimentados pelo homem, desde as primitivas organizações tribais até os dias de hoje, passando pelo socialismo, pelo comunismo até o atual capitalismo de livre mercado, sempre tiveram como fim o poder e a felicidade. O socialismo e o comunismo, em sua essência filosófica, foram tentativas de transformar esses objetivos individuais em bens coletivos. Não funcionou, é claro. Não é o caminho natural das coisas. O anseio latente por poder e felicidade é muito forte no indivíduo. O egoísmo é a resposta primitiva natural do homem primitivo a essa pulsão sutil.

Somente a evolução natural poderá nos mostrar que essa estratégia primitiva é limitada e, cedo ou tarde, acabará por nos colocar sob uma relação custo-benefício totalmente insustentável. 

Hoje, a bagagem humana acumulada ao longo dos milhares de anos evoluindo em busca de poder e felicidade, já nos permite uma reavaliação. Já temos instrumentos para isso. Essa revisão já está em curso. As mudanças são lentas, os resultados ainda pífios. O primitivismo ainda impera e o mercado ainda comanda o jogo, mas já se percebe aqui e acolá coisas acontecendo.

O homem já começa a perceber que o poder de explorar a natureza será maior e melhor se aliado ao poder de também preservá-la. Gradualmente, vamos notando que o poder de possuir será maior, melhor, e mais seguro se aliado ao poder repartir. O poder primitivo, individualista e mesquinho, não é poder, mas sim fraqueza. Foi apenas um recurso natural necessário à nossa fase animal. O homem só alcançará sua plenitude se se libertar dessa caraterística primitiva.

Lentamente, vamos notando que o sabor da vitória e do sucesso são muito melhores e mais duradouros à medida que estendemos a mão amiga aos fracos e vencidos em lugar de abandoná-los à própria sorte. Aos poucos se percebe que a eficiência não está em ser o melhor e chegar primeiro, mas sim em chegar junto com o próximo.

A duras penas vamos percebendo que a "Utopia Solidária" e o "Quixotismo Social", não são meras fantasias ou sonhos de idealistas românticos. Ao contrário, é cada vez maior a consciência de que são as únicas alternativas inteligentes e eficientes para enfrentarmos os problemas do planeta e adentrarmos o futuro.

Esse será o seguinte grande salto da humanidade em sua jornada evolutiva. Aos poucos se percebe que a felicidade é uma experiência coletiva e pouco ou nada significa no âmbito, puramente, individual. Aos poucos vamos percebendo que o conforto e a segurança não estão no saldo bancário nem no poder dos exércitos nem no ter mais, mas sim na solidariedade, na fraternidade e no amor ao próximo.

A igualdade plena e total entre os homens será sempre uma impossibilidade, pois as diferenças são inerentes ao livre arbítrio dos indivíduos. Trata-se de uma estratégia sutil e poderosa da natureza para nos impulsionar para frente. Contudo, a profunda e cruel desigualdade atual é, absolutamente, vergonhosa e contrária à verdadeira felicidade individual e coletiva. Contrária ao progresso e contrária ao equilíbrio natural do planeta.

Parece estranho e até paradoxal, mas é o nosso próprio egoísmo atávico, herança de nossa origem animal, que nos obrigará e nos forçará, sob duríssimas penas e elevados custos, a uma nova atitude frente à natureza e frente ao próximo, pois só temos duas escolhas: evoluir por bem e inteligentemente ou evoluir por mal e com muito sofrimento. Por isso, apesar de inexorável, a evolução não nos condena à resignação burra e cega. O preço será sempre ditado pelo mercado, mas é você quem escolhe em qual ação apostar.

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Cesar Boschetti

Graduado em Física pela Universidade de São Paulo (1978), com mestrado e doutorado na área de tecnologia de materiais semicondutores. Atuou como pesquisador, tecnologista e coordenador de setor de P&D englobando materiais especiais, física de plasmas, computação aplicada e combustão do INPE - Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais de 1979 a 2019 quando se aposentou. É escritor espírita e atualmente Editor-Consulente do GeaE.