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Ciência Espírita

Aula 10. Física e Espiritismo V: Deus, Espírito e Função de Onda

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FÍSICA E ESPIRITISMO V:DEUS, ESPÍRITO E FUNÇÃO DE ONDA

Nas duas últimas aulas, analisamos os fenômenos mediúnicos, concluindo que eles não são fenômenos quânticos, isto é, suas propriedades não são as mesmas dos sistemas materiais quânticos. Hoje, analisaremos se Deus ou o Espírito podem ser caracterizados por aquilo que a teoria quântica chama de função de onda. Para isso, precisamos entender o que significa uma função de onda de acordo com a Mecânica Quântica.

Uma propriedade física de um determinado objeto é representada por aquilo que chamamos de grandeza física, que nada mais é do que uma característica que pode ser medida ou calculada. As dimensões de um objeto, a sua posição no espaço, a temperatura, carga elétrica, etc. são exemplos de grandezas físicas. Para que se possa atribuir um valor numérico a cada uma delas, define-se variáveis matemáticas como, por exemplo, x e v, que representam, então, quantitativamente o valor das propriedades posição e velocidade, repectivamente, do objeto em um determinado instante de tempo. A largura e o comprimento de um livro, por exemplo, são grandezas físicas que representam as dimensões lineares laterais do mesmo. Se multiplicarmos a largura pelo comprimento, teremos o valor da grandeza área do livro.

No caso da teoria quântica, toda a informação disponível sobre as propriedades físicas de um sistema está contida em uma função matemática batizada de função de onda. Este nome advém do fato desta função ter que satisfazer a chamada equação de onda de Schröedinger que, por sua vez, representa a dinâmica de qualquer sistema quântico de acordo com um postulado básico da Mecânica Quântica.

Em 1927, Niels Bohr propôs o que hoje conhecemos como a interpretação de Copenhague para a Mecânica Quântica, que diz que a função de onda fornece probabilidades de obtermos determinados valores numéricos para as grandezas físicas associadas ao sistema. Por exemplo, imagine que o sistema físico seja um átomo de Hidrogênio. Suponha que desejamos medir a posição de um elétron em torno do núcleo. A função de onda do elétron, de acordo com a teoria quântica, prevê que para cada ponto do espaço existe uma probabilidade diferente de encontrar o elétron através de uma medida. Se num determinado instante medirmos a posição do elétron, em instantes seguintes uma outra medida poderá resultar em uma posição muito distante da primeira, de tal forma que não podemos inferir nenhuma correlação entre as duas posições medidas como, por exemplo, imaginar que o elétron se deslocou da primeira posição à outra. Isso é verificado através da realização de múltiplas experiências com sistemas idênticos em que medidas da posição do elétron, em dois instantes diferentes para cada sistema, fornecem valores muito diferentes entre si.

Um outro aspecto que gera muita confusão é que segundo a interpretação de Copenhague, antes de realizarmos uma medida, o sistema quântico não está definido com relação às suas propriedades físicas. Por exemplo, antes de tentar medir a posição de um elétron, a teoria quântica não diz que ele está em algum lugar em torno do núcleo em um determinado instante. A teoria diz, apenas, que, em um determinado instante, existem probabilidades do elétron estar presente em algum lugar em torno do núcleo. De modo a entendermos esse comportamento da Mecânica Quântica, considere o problema de procurarmos uma pessoa dentro de um quarto escuro. Do ponto de vista da teoria clássica, que explica os fenômenos macroscópicos, a pessoa estará ocupando uma determinada região dentro do quarto, mesmo que não a estejamos vendo. Mas, ao imaginar uma partícula microscópica dentro de uma caixa, antes de medirmos sua posição dentro dela, a teoria quântica diz que não podemos dizer que ela está ocupando uma determinada região da caixa em um determinado instante. Existem, apenas, probabilidades. Às vezes, confunde-se esse conceito com a ideia da partícula estar em todos os lugares da caixa ao mesmo tempo, mas mesmo isso é apenas uma interpretação que, na prática, não ajuda muito já que no momento da medida, apenas uma posição será revelada. É isso que confunde até mesmo os cientistas mais experientes, e faz com que a teoria quântica não seja uma teoria completamente acabada.

Ao realizarmos uma medida física de uma dada grandeza sobre um sistema quântico, um dos possíveis valores para essa grandeza será obtido e sua função de onda se transformará instantaneamente em outra função que representará, após a experiência, o sistema no estado relacionado com a medida feita. A teoria quântica não explica esse “fenômeno” conhecido como o colapso da função de onda, mas os experimentos demonstram que isso ocorre.

Mesmo não compreendendo os “porquês” desse tipo de comportamento decorrente de leis probabilísticas, os físicos têm uma enorme confiança na teoria quântica pois todos os experimentos realizados até hoje confirmam as previsões feitas para o comportamento das partículas microscópicas de matéria. Na minissérie “O Auto da Compadecida”, criado pela Rede Globo de televisão, o personagem interpretado pelo ator Selton Melo, ao ser perguntado sobre o porquê de determinada coisa, comumente respondia “Sei não! Só sei que é assim!”. Digamos que os físicos respondam a mesma coisa quando perguntados sobre “por que” o comportamento das partículas subatômicas é probabilístico.

A ideia de que alguns fenômenos naturais são regidos por leis probabilísticas não agrada muito nosso intelecto ávido pela busca do conhecimento das causas de cada tipo de fenômeno conhecido. Isso aconteceu com Einstein que exprimiu seu desconforto com a teoria quântica através de uma de suas mais conhecidas frases: “Deus não joga dados com o mundo”. Para mostrar que havia uma inconsistência teórica da Mecânica Quântica, ele e outros dois cientistas propuseram um experimento conhecido pela sigla EPR (iniciais de Einstein, Podolsky e Rosen). Segundo Einstein, deveriam existir variáveis ocultas não acessíveis ao experimentador que fariam o papel de “conectar” as partes de um sistema quântico dito emaranhado, (ou entrelaçado) onde o fenômeno da não-localidade ocorre (característica C3 definida na aula 8, Boletim 490). Porém, John Bell, a 40 anos atrás, demonstrou um teorema matemático que diz que não é possível construir uma teoria local para a Mecânica Quântica com variáveis ocultas. Em outras palavras, se a teoria quântica estiver certa, ela não é uma teria local. Em 1982, um artigo científico divulgou a realização de um experimento de EPR confirmando o fenômeno da não-localidade [1]. Muitos outros trabalhos científicos foram realizados com diversos tipos de sistemas quânticos, demonstrando o fenômeno não-local. Alguns cientistas estão trabalhando em utilizar o fenômeno EPR para produzir sistemas idênticos em locais distantes, simulando aquilo que os filmes de ficção científica chamam de teletransporte. Em aula futura, discutiremos, com um pouco mais de detalhes, o que os cientistas chamam de teletransporte e se isso tem algo a ver com o fenômeno espírita de transporte.

O Capítulo II de A Gênese [2] trata da existência de Deus e de seus atributos. Segundo Kardec (item 18, Cap. II), “Deus não pode ser Deus, senão sob a condição de que nenhum outro o ultrapasse (...) Para que tal não se dê, indispensável se torna que ele seja infinito em tudo.” Se Deus fosse uma função de onda ou tivesse propriedades quânticas, seus atributos não estariam definidos a menos que um ente externo realize uma medida sobre Deus para ver qual seria o “valor” de cada um de seus atributos. Percebe-se daí que a hipótese de Deus ser uma função de onda é um absurdo. Um outro argumento pode ser dado com base no ítem 12 do cap. II de A Gênese [2]. Segundo Kardec, “Deus é imaterial, isto é, a sua natureza difere de tudo o que chamamos matéria. De outro modo, não seria imutável, pois estaria sujeito às transformações da matéria.”. Como a teoria quântica descreve o comportamento da matéria, ela não pode ser usada para descrever a natureza do Criador pois isso equivaleria a dizer que Deus possui propriedades semelhantes às da matéria em escala microscópica, o que está em franco desacordo com a Doutrina Espírita.

Seria o Espírito, então, regido por uma função de onda? Ou, melhor perguntando, seria o Espírito um sistema quântico que poderia ser descrito por uma função de onda?

Na questão 23 de O Livro dos Espíritos [3], os espíritos dizem que o Espírito é o princípio inteligente do Universo. Nas questões seguintes, Kardec pergunta sobre a natureza íntima do Espírito e as respostas levam Kardec a concluir que existem dois elementos ou princípios gerais no Universo: o elemento material e o elemento espiritual. Mais adiante, no Cap. I da segunda parte de O Livro dos Espíritos, Kardec retoma as perguntas sobre os Espíritos, desejando, agora, estudar as individualidades dos seres extracorpóreos (ver nota após questão 76). Na questão 82, Kardec pergunta se os espíritos são imateriais. Os espíritos respondem que “(...) Imaterial não é bem o termo; incorpóreo seria mais exato, pois deves compreender que, sendo uma criação, o Espírito há de ser alguma coisa. É a matéria quintessenciada, mas sem analogia para vós outros, e tão etérea que escapa inteiramente ao alcance dos vossos sentidos.”(grifos em negrito, nossos). É interessante notar que os espíritos superiores não disseram que a essência dos Espíritos é imaterial, assim como Deus é imaterial. Notamos também que seja lá o que for a essência do Espírito, é algo “sem analogia para nós”. Por causa disso, Kardec optou por considerar o Espírito como sendo algo imaterial no sentido de não ser igual àquilo que chamamos de matéria. Em suas palavras, (logo em seguida à resposta da questão 82) “Dizemos que os Espíritos são imateriais, porque, pela sua essência, diferem de tudo o que conhecemos sob o nome de matéria. Um povo de cegos careceria de termos para exprimir a luz e seus efeitos. O cego de nascença se julga capaz de todas as percepções pelo ouvido, pelo olfato, pelo paladar e pelo tato. Não compreende as ideias que só lhe poderiam ser dadas pelo sentido que lhe falta. Nós outros somos verdadeiros cegos com relação à essência dos seres sobre-humanos. Não os podemos definir senão por meio de comparações sempre imperfeitas, ou por um esforço da imaginação.

Reformulamos a questão: será que a “matéria quintessenciada”, como disseram os espíritos, que constitui a essência do Espírito possui as mesmas propriedades físicas da matéria em escala microscópica? Seria possível atribuir a essa matéria quintessenciada uma função de onda? Para responder a essa questão, vamos analisar a característica probabilística associada aos sistemas quânticos e o problema do colapso da função de onda.

Quais seriam as propriedades mais importantes do Espírito? Na questão 24, os espíritos superiores disseram que a inteligência é um dos atributos do Espírito. Além disso, os Espíritos possuem vontade (ver por exemplo, o 4º parágrafo do ítem VII da Introdução do Livro dos Espíritos [3]). Nem a inteligência, nem a vontade podem ser características que dependem de leis probabilísticas pois isso significaria que ambas não decorrem do esforço próprio de cada criatura. Por exemplo, uma pessoa poderia manifestar a inteligência de um gênio, em um instante, e depois manifestar a inteligência de uma criança em outro instante, dependendo de leis probabilísticas. Além disso, se nossos atos fossem regidos por leis probabilísticas, não haveria razão para sermos responsabilizados por erros cometidos, nem méritos teríamos pelo bem realizado. Tudo não teria passado de probabilidades de ocorrência.

Segundo a teoria quântica, antes de um sistema manifestar algum valor para suas propriedades físicas, é necessário que um observador externo faça uma medida. No caso da inteligência e da vontade, quem ou o quê fará a medida que determinará um pensamento ou uma decisão de uma pessoa? Como se vê, a proposta de que o Espírito é regido por uma função de onda também é um equívoco de consequências contrárias aos ensinamentos do Espiritismo.

Concluímos, portanto, que nem Deus nem o Espírito podem ser regidos por algo similar à função de onda de sistemas quânticos. Simplesmente, a inteligência e a vontade, atributos do Espírito, não podem ser regidos por leis probabilísticas e, portanto, não podem ser representados por uma função de onda.

Isso é bem diferente da tentativa de diversos cientistas de estudarem como a mente humana emerge a partir do cérebro. O cérebro sendo, em última instância, formado por partículas atômicas que compõem as moléculas que, por sua vez, compõem as células, é um sistema macroscópico que possui propriedades quânticas. Como essas propriedades se manifestam macroscopicamente, é algo que está sendo objeto de estudos e pesquisas. Uma pergunta interessante é como o sistema formado pelo cérebro colapsa a função de onda dele mesmo. Isso pode vir a ser uma porta para insights interessantes na relação espírito-matéria.

Na próxima aula, falaremos sobre a controvérsia entre a ideia de ‘comprovação científica’ e a ideia de ‘disciplina científica’. Na aula 12, comentaremos sobre dois equívocos em interpretações espíritas decorrentes das experiências de teletransporte, e a ideia de universos paralelos.

Referências

[1] A. Aspect, J. Dalibard e G. Roger, Experimental test of Bell inequalities using time-varying analysers (1982), Physical Review Letters 49, p. 1804.

[2] A. Kardec, A Gênese, Editora FEB, 36ª Edição (1995).

[3] A. Kardec, O Livro dos Espíritos, Editora FEB, 76a Edição (1995).


 

Fonte: Boletim GEAE 13(492), 03/05/2005

 

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