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Primeiro grupo espírita da internet

Um conto Espírita (Partes I, II e III)

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O Incidente

A comunidade estava transtornada, pequeno bairro rural, formado em sua maioria por casas e chácaras de famílias antigas na região, jamais havia visto caso igual. Nas ruas e comércio só se falava na tragédia, o pavor insuflado pelas notícias de eventos semelhantes em grandes centros urbanos.

Pedro, um garoto na casa dos seus 10 anos, havia desaparecido há dois dias, sem vestígio. A polícia acionada, desdobrava-se em buscas de pistas que levassem à criança. Aos poucos, iniciando-se em conversa de bares, aumentavam os rancores contra pobre desequilibrado mental que vagava rotineiramente pelas redondezas.

O delegado, evitando o pior e por suspeitas fundadas de pequenos delitos cometidos pelo indivíduo em questão, o deteve para averiguações. Porém as perspectivas tornavam-se cada vez mais sombrias para o suspeito. A imaginação popular já desenhava quadros terríveis e os associava a cada comportamento estranho do pobre desequilibrado.

Totó em Ação

Estava neste pé a situação, podendo a qualquer momento piorar em vista dos animos exaltados, quando João, outro garoto do bairro, brincando com seu cachorro Totó, jogou um graveto para dentro de um dos muitos terrenos baldios da região, o cachorro entrou, mas, não retornou.

Preocupado, João entrou também no terreno e encontrou Totó agitado em torno de algumas tábuas velhas. João viu que as tábuas estavam rompidas e, abaixo delas, se ocultava um poço pouco profundo.

As pessoas já em estado de grande tensão, quase tiveram um ataque, quando João correu pela rua principal aos gritos de socorro! Totó havia encontrado Pedro desacordado ao fundo de um poço.

Milagrosamente Pedro foi salvo sem um arranhão sequer, apenas muito fraco. O desequilibrado, cuja família foi encontrada pela polícia, foi conduzido à tratamento e Totó virou o herói do bairro, passando até a dar nome à rua onde o terreno em questão se encontrava. O poço anteriormente desconhecido, aparentemente o último resto de uma antiga e esquecida casa de fazenda, foi devidamente cercado e sinalizado.

A Narrativa de Pedro

Poucos porém prestaram atenção na estranha narração de Pedro. Dizia ele que brincava no terreno, quando sentiu afundar o solo onde pisava e, a partir daí, viu-se no meio de prolongada alucinação.

Enxergava-se na condição de adulto, parente distante e único de Nhô Bento, rico proprietário de terras. Já avançado na idade, Nhó Bento tocava sozinho seus negócios, mas sem a mesma perspicácia de antes. Pedro viu-se em intricadas e escusas negociações com o advogado de seu abastado parente, negociações que colocaram a fortuna sobre sua tutela.

Pedro sentia-se ganancioso, não bastava a tutela, queria a posse. Assim, em uma noite mais escura, induziu Nhó Bento afastar-se do recinto doméstico e soltou feroz mastim que treinará para matar qualquer invasor da propriedade. A morte de Nhô Bento foi tomada a conta de acidente, o cão malvado sacrificado e a passagem da fortuna feita.

Viu-se Pedro vivendo longos anos mais, nos quais, teve a oportunidade de arrepender-se, sofrer muito com a consciência pesada. Viu-se tornar-se filantropo, buscando alívio através do bem ao próximo.

A alucinação começou a desvanecer ao surgir um cachorro e uma criança a beira do buraco onde agora se reconhecia. Era o mastim que treinará para matar, que agora se transfigurava em Totó e conduzindo-o estava Nhó Bento, agora transformado em João. Pedro, ainda como que incorporado na sua situação de adulto comprometido com a lei divina, sentiu-se perdoado pelos dois.

Causa e Efeito

O estranho estado de alucinação só passou efetivamente, devolvendo-lhe a sua situação normal de raciocínio infantil, quando, saindo do hospital onde fora internado após o salvamento, viu o desequilibrado mental do bairro, que saia da delegacia ao lado e entrava na viatura que o conduziria, sob tutela  de seus parentes, ao tratamento.  Apesar de sua fisionomia diferente e aparência bastante estropiada, sem saber como isso era possível, reconheceu o advogado com o qual se viu em sombrias tratativas e que recebeu régia remuneração para distorcer os fatos e conseguir que Nhô Bento fosse declarado incapaz.

Apenas um senhor que morava no bairro, e que conhecia algo do Espiritismo,  ouvindo repetir a estranha história que o garoto contou,  percebeu do que se tratava. Era a lei de causa e efeito agindo através das circunstâncias e colocando novamente próximos os atores de um drama passado. Culpa, resgate e perdão entrelaçados no destino das criaturas, devido aos seus próprios atos.

Um Conto Espírita (II)

Totó Entre Vidas

O valente mastim encontra-se amedrontado e perdido, embora muito inteligente, suas limitações naturais de alma ainda jovem nas trilhas da evolução, não lhe possibilitavam compreender toda a extensão do que ocorrera. Não percebia que não estava mais ligado a um corpo físico e continuava buscando refúgio em seu antigo canil, ao lado da casa de fazenda, que seu dono o treinará para guardar com toda a ferocidade possível.

Sentia dor profunda, não pelos ferimentos que pareciam ter sumido, mas pela sua incapacidade de compreender porque seu dono, a quem devotava extrema afeição e fidelidade, o tinha impiedosamente tratado e apontado para ele sua arma de caça. Não atinava, em sua inocência canina, que a rudeza de seu dono fora cobertura para nefasto crime no qual ele, seu fiel mastim, fora usado como disfarce.

A percepção do tempo lhe escapava, assim, não conseguia se orientar, se tudo ocorrera naquele momento ou muito atrás.

Estava encolhido em seu canto, quando vê se aproximar um homem de intensa luminosidade. O mastim empertigou-se, amedrontado, se defenderia contra novos maus tratos, mas tocado pela luminosidade, se sentiu alvo de imensa ternura. Não havia hostilidade no homem e acanhadamente o mastim deixou-se ser conduzido por ele.

Nova vida se abriu para o nobre animal, tornou-se parte de uma matilha que seguia aqueles seres luminosos por vales sombrios e os ajudava a resgatar homens e mulheres em condições de extrema penúria espiritual. A matilha ia com a benemérita caravana em suas excursões socorristas e lhe dava escolta contra os perigos das regiões mais sombrias do plano espiritual.

Não poucas vezes o valente mastim afastou seres de aparência horrorosa que tentavam impedir que algum pobre espírito fosse recolhido. Não atacava ninguém, pois compreendia que outra era sua missão, apenas usava sua imponente presença para estabelecer a ordem.

Sua valentia, sua natural predisposição para servir e a inteligência que se lhe desenvolvia cada vez mais, granjearam-lhe o respeito de socorristas e socorridos. Muitos que passaram pela experiência de serem salvos com sua ajuda, o visitavam com frequência e traziam-lhe mimos de afeto que lhe refrescavam as dores profundas que insistiam em atormentar seu coração.

Nos momentos de descanso, em que se recolhia no canil, junto a instituição espiritual a que pertencia sua matilha, sonhava com seu antigo dono, revia o momento derradeiro em que se encontraram, ele com a arma que lhe apontava ameaçadoramente. Não era raiva que sentia nestes sonhos, muito menos ódio, era um sentimento profundo de dor, de incompreensão, de saudade do afeto do dono, a quem ainda se ligava por profunda devoção.

Seguia assim o curso de sua existência espiritual, espírito animal no intervalo entre existências, quando seu novo dono, o espírito que o resgatara no canil da fazenda, vem busca-lo.

É conduzido a um recinto onde se encontram vários outros espíritos em solene reunião, conhece a quase todos, menos a um menino que se aproxima dele. Fato que o assusta muito, a medida que o menino se aproxima, modifica-se e toma a forma do ancião que havia atacado ao toma-lo por invasor da fazenda de seu antigo dono.

São as palavras que o ancião pronuncia que o acalmam, não atina com o significado, mas o afeto com que são ditas o conquista. O ancião lhe diz:

“Não tema meu amigo, sei que não tivestes culpa no incidente que nos tirou a vida de ambos. Eu e teu antigo dono tínhamos compromissos mútuos muito antigos. Eu lhe devia orientação para sanar a ganância extrema que lhe incuti em outras existências. Ele devia me amparar na velhice e aproveitar de minha experiência para reajustar seus rumos. Mas, ele deixou-se iludir novamente pela sede de bens terrestres e trilhou o caminho mais difícil.

Sabe agora que errou e esforça-se para melhorar, mas em condições muito mais dolorosas do que seriam necessárias sem o erro cometido.

Ele precisa de nós para finalmente sair do poço de culpa em que se lançou e te venho buscar para me ajudar na tarefa. Vamos libertá-lo e ele nos libertará por sua vez, para que possamos os três seguir adiante.

Você me guiará no novo encontro com ele e nós seremos todos grandes amigos pelo futuro afora.”

O bem estar imenso que se apoderou do mastim, a suavidade com que estas palavras, que não compreendia, penetravam em seu coração, o colocaram em sono profundo, do qual só veio a despertar em novas roupagens terrenas.

Renovado e cheio de energia, o antigo mastim, agora Totó, um adorável filhote, brincava alegremente com seus irmãos de ninhada, quando correndo para pegar uma bolinha, encontrou-se de frente com João, que estava escolhendo o cachorrinho que seus pais lhe prometeram.

Foi uma ligação à primeira vista, João não largou mais o cãozinho e o cãozinho não o largou mais. O pais e os donos da ninhada, comentavam sempre que se encontravam, que aquilo era um caso extraordinário, parecia destino.

Um Conto Espírita (III)

De volta ao mundo espiritual

Pedro se apressa, está preocupado com o seu cunhado João. Grandes amigos desde que se conheceram em um incidente de sua infância, os laços se fortaleceram mais ainda quando ele e sua irmã se apaixonaram e casaram.

O motivo da preocupação é o desespero de João com o estado de seu cão de estimação, Totó.  Eles são muitos apegados, Totó o acompanha para todos os lados há muitos anos. Até mesmo ao Centro Espírita eles vão juntos, Totó fica esperando na porta até que a sessão acabe.

O Centro Espírita do bairro foi fundado por Pedro. Após o incidente mencionado, em que teve sua vida salva por João e Totó, ele começou a manifestar mediunidade. Teria sido internado em um hospício, não fosse a intervenção de um vizinho, que conhecia o Espiritismo.

Pedro estudou o Espiritismo, se tornou médium, se dedicou aos idosos necessitados. As notícias sobre suas atividades mediúnicas e assistenciais alcançaram outras cidades. Vinha gente de longe assistir às reuniões mediúnicas.

Totó passou de muito da idade a que costumeiramente chega a sua raça e, nos últimos dias, encontra-se em estado de fraqueza acentuado. Mal come e bebe. O Veterinário já sinalizou que a partida é iminente.

João questionou Pedro insistentemente sobre o que ocorreria com Totó após a morte. Pedro lhe explicou que é consenso entre os espíritas que os animais tem alma e que ela sobrevive à morte do corpo, mas, ainda não há uma conclusão definitiva sobre a sua situação na vida espiritual.

– “Alguns dizem que os animais ficam em estado de sono até serem conduzidos naturalmente para novas reencarnações, outros citam passagens mediúnicas que trazem evidências da participação dos animais em eventos no plano espiritual”.

– “Outra questão aberta é o seu grau de desenvolvimento espiritual. Alguns defendem que eles já tem um livre arbítrio relativo e, portanto, já estão sujeitos,  como nós,  à lei de causa e efeito. Outros pensam que isso só ocorre quando eles atingem o ponto de sua evolução espiritual em que deixam de ser animais e passam para o estágio humano. Há, inclusive, os que defendem que a palavra Espírito só deveria ser aplicada a partir desse momento”.

O que Pedro sabia dizer é que não foram poucas as vezes em que, ao sair do Centro após as sessões, vira um Espírito luminoso entretendo-se com Totó.  Era um dos guias espirituais do Centro e membro de uma instituição do plano espiritual dedicada ao socorro de espíritos sofredores.

Totó alegrava-se muito nestas ocasiões e os frequentadores do Centro, que não podiam perceber o que se passava do lado espiritual, atribuíam a alegria à expectativa da saída do dono.

A passagem de Totó para o plano espiritual foi tranquila, parecia que esperava apenas que Pedro também estivesse lá para a despedida final. Foi com um último olhar de carinho e agradecimento que se despediu de seus grandes amigos.

Tivesse Pedro se concentrado naquele momento, teria visto algo inusitado, ampla caravana espiritual se achava estacionada ao lado da casa. Uma grande matilha de cães adestrados para a ajuda ao próximo, brincava nas redondezas, invisíveis aos olhos dos encarnados.

Um Espírito de muita luminosidade adentrou o lar de João. Cortou os últimos laços que prendiam  Totó aos seus despojos carnais e o recolheu.

Parte então a caravana,  acompanhada pela matilha, rumo ao seu lar espiritual.

Muita Paz,

Carlos A. I. Bernardo


 Fonte: Um Conto Espírita – L´Avenir (educacao.ws)Totó Entre Vidas – L´Avenir (educacao.ws)De volta ao mundo espiritual – L´Avenir (educacao.ws)

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Carlos Alberto Iglesia Bernardo

Natural da cidade de São Paulo. Formou-se engenheiro elétrico sendo empresário na área de segurança da informação. Escritor espírita atuou como editor principal do GEAE do final dos anos 90 até 2012. Mantém o Blog espírita L'Avenir: http://lavenir.educacao.ws/