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Primeiro grupo espírita da internet

A espécie humana bem triste coisa é

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Por que tanta maldade, tantas paixões grosseiras, tantas misérias e enfermidades de toda natureza grassam por todo este planeta azul?

Terá Deus esquecido deste insignificante grão de poeira cósmica pertencente a um sistema estelar de quinta categoria perdido na periferia de uma galáxia igualmente pouco relevante em meio aos bilhões e trilhões de galáxias maiores e mais luminosas espalhadas pelo Universo?

Haverá de fato um Deus criador? Ou tudo não passa de mera fantasia para nos enganarmos e tornar suportável nossa deplorável estupidez? Mas se Deus não existe a quem culparmos por essa Criação imperfeita, cheia de defeitos e aberrações? Podemos nos culpar por sermos estúpidos? Podemos nos culpar por sermos injustos e maus? Não somos frutos do acaso? Matéria bruta desprovida de finalidade? Coisas pseudo racionais? Não é um absurdo, talvez apenas outra face da nossa estupidez, estarmos aqui levantando estas questões?

Por que pensamos? Por que fazemos escolhas? Será que, de fato, fazemos escolhas? Por que ora nos alegramos e ora nos entristecemos?  Por que sofremos? O que é sofrer? Será o sofrer apenas um incômodo ilusório a nos provocar o desejo pela justiça de um Deus injusto? E, em meio à essa loteria cósmica estúpida e sem nexo o que significa alegria, tristeza, sofrimento e pensamento? Serão apenas estúpidas sensações de um ser estúpido? Ou meras mutações genéticas aleatórias responsáveis por um processo de seleção numa natureza sem nexo e de uma diversidade sem propósitos?

Não! Não é por este caminho que encontraremos respostas. Inclusive, se Deus não existe, por que deveria haver respostas? Mas pensar significa fazer perguntas e buscar respostas. E nós, apesar de sermos ainda estúpidos, fazemos perguntas e buscamos respostas. Nossa ciência, por enquanto, não está instrumentada para nos fornecer respostas fora de um contexto restrito, convencionado para atender nossas necessidades materiais mais imediatas. O chamado método científico impõe limites às perguntas e respostas pertinentes à ciência. Trata-se de um paradigma, em certa medida, necessário, que não cabe aqui aprofundarmos. A seleção natural de Charles Darwin, apoiada em mutações genéticas, por hipótese, espontâneas, explica muito bem a diversidade e evolução biológica das espécies, mas tem seus limites. Nada nos diz sobre a origem e o porquê da vida. Deus, o bem e o mal, são questões fora dos limites da ciência atual. Nada nesse sentido pode ser afirmado ou contestado. Resta-nos a filosofia como recurso para a busca de respostas. E, neste sentido, a filosofia espírita nos brinda com excelente base racional para investigação. É pena que apenas alguns poucos se atenham ao estudo metódico e mais aprofundado desta filosofia. A maioria se contenta com o consolo emocional de caráter religioso, relegando a segundo plano ou até mesmo desprezando completamente, a compreensão intelectual e filosófica de um universo em permanente mutação e permanente evolução.

O título e primeiro parágrafo deste artigo são recortes do capítulo III do evangelho segundo o espiritismo (ESE) – Há muitas moradas na casa de meu pai. Seria pura estupidez e perda de tempo nos ocuparmos desta questão sem a premissa filosófica da existência de Deus. Dostoiévski trabalhou muito bem o pensamento de seu personagem Ivan Karamazov que, com sua visão cética sobre a moralidade, argumentava sobre o fundamento para o bem e o mau sem a existência de um Deus – “Se Deus não existe, tudo é permitido” – afirmava Ivan. Foi o marco inicial do existencialismo que enfatiza a liberdade, a responsabilidade e a angústia do ser humano diante de um mundo sem sentido. E como estamos no campo da filosofia espírita, onde perguntar, duvidar e buscar respostas não é vergonha nem pecado, mas sim uma obrigação moral e intelectual, vale lembrarmos também do pensamento de Paulo de Tarso em Coríntios 6:12 – “Todas as coisas me são lícitas, mas nem todas convêm. Todas as coisas me são lícitas, mas eu não me deixarei dominar por nenhuma delas”. 

Não vejo contradição entre Dostoiévski e Paulo de Tarso. Vejo muito mais um complemento. Para  Dostoiévski, a existência de Deus dava um sentido à existência humana. Paulo de Tarso amplia a perspectiva filosófica dessa premissa, permitindo-nos questionar nosso entendimento do bem, do mal e da justiça Divina.

Além da premissa Deus, princípio causal de tudo que existiu, existe e existirá, um segundo princípio deve ser considerado dentro da filosofia espírita, o da existência de uma dimensão espiritual e sua relação com o mundo material convencional. E aqui cabe salientarmos que não se trata de mera premissa filosófica oriunda da necessidade intelecto emocional de um ponto de partida para construção de uma teoria que nos permita tentar compreender nossa existência. A existência do espírito está apoiada em fatos observáveis. Apesar de ainda carecer de ampla aceitação da ciência convencional, as manifestações mediúnicas existem desde tempos remotos em todos os povos e culturas. Mais recentemente, o crescente volume de relatos de experiências de quase morte, comprovados por médicos e enfermeiros em hospitais, vem robustecer ainda mais a realidade do espírito. Todos esses fatos não deixam dúvidas de que há no ser humano, algo mais além de carne e ossos. É claro que a máquina material humana e todas as outras coisas que fazem parte da natureza material são maravilhas dignas da mais profunda admiração. Entretanto, como disse Hamlet a Horácio na magistral peça de Shakespeare - “Há mais coisas entre o céu e a terra do que pode imaginar sua vã filosofia”. Mas são os dois princípios, Deus e espírito, que nos permitem tentar compreender o que há além da máquina. Somos espíritos caminhantes em busca de sentido e conhecimento. Nada garante que a compreensão que temos hoje acerca das coisas do Mundo será a mesma amanhã. Mas isso é secundário. O que importa e continuarmos perseguindo a orientação na entrada do templo de Apolo em Delfos, na antiga Grécia - “Conhece-te a ti mesmo”. Foi exatamente assim que o espírito de Santo Agostinho respondeu a Kardec na pergunta 919 do Livro dos Espíritos sobre os meios que o homem tem para se melhorar e resistir às más tendências.

Mas voltemos ao ESE. Quando olhamos para o mundo a nossa volta ou nos olhamos no espelho, tudo que vemos é um retrato, um instantâneo efêmero de um longo filme cujo começo se perde na origem dos tempos. Pretender compreender o que somos pelo exame de um fragmento de tempo tão efêmero não passa de ingênua e estúpida arrogância.

Além do mais, se o espírito humano não se encontra somente entre os habitantes do planeta Terra, mas encontra-se espalhado por todo o Universo como nos ensinou Jesus e nos informaram os espíritos superiores, como podemos julgar a espécie humana baseados em uma amostra tão minúscula e irrelevante? Ainda no cap. III do ESE, Santo Agostinho nos faz a seguinte consideração: “… Quão grandiosa é essa ideia e digna da majestade do Criador! Quanto, ao contrário, é mesquinha e indigna do seu poder a que concentra a sua solicitude e a sua providência no imperceptível grão de areia, que é a Terra, e restringe a Humanidade aos poucos homens que a habitam!”

Essas considerações já bastam para dar asas às nossas reflexões. Nosso horizonte de possibilidades se abre às mais variadas perspectivas de futuro e podemos ir longe, mas um aspecto em particular merece maior atenção e cuidado no momento. Certamente existem planetas mais adiantados, planetas similares e planetas mais atrasados que nossa a Terra, tanto do ponto de vista tecnológico ou intelectual, quanto do ponto de vista moral. Trata-se de uma diversidade universal natural. Do mesmo modo que já estamos tomando consciência da importância do respeito à diversidade entre nós irmãos terrestres, devemos nos preparar para o respeito a uma diversidade muito maior no âmbito Universal. Mas a pergunta natural que nos vem à mente é: Por que Deus criou seres tão diferentes uns dos outros, uns melhores e outros piores, uns cheios de amor para dar e outros carregados com ódio por tudo e por todos? Que deus é esse? Como poderemos compreender a soberania infinitamente boa e justa do Criador nesse contexto? É neste ponto que muitas doutrinas falham. Sob o intento de aproximarmos a criatura do Criador, inconscientemente, acabamos patrocinando o pensamento geocentrista e um deus antropomórfico, apequenado, rejeitado por todo indivíduo que procura se afastar de uma fé cega, fechada e avessa ao exame crítico.

A filosofia espírita, por outro lado, nos ensina que todos os espíritos foram criados igualmente simples e ignorantes. O Criador não concedeu um infinitésimo a mais ou a menos para qualquer espírito. Foram todos criados idênticos com igual potencialidade para se aperfeiçoarem até o mais alto grau, após uma sucessão indeterminável de encarnações, ou vivências diferentes tanto na dimensão material como na espiritual. Para sermos mais genéricos e universais, todos os espíritos podem, igualmente, atingir a condição intelectual e moral de um Buda, de um Lao Tse, de um Jesus ou até mesmo graus mais elevados existentes em muitos outros pontos do Universo. O único limite da evolução é Deus, que jamais lograremos igualar. Mas então qual a razão de haver espíritos bons e espíritos maus entre nós aqui na Terra e, certamente, dentre os habitantes de outros mundos?

Como espíritos criados, rigorosamente iguais em simplicidade e ignorância, se diversificaram ao ponto de produzirem uma humanidade tão injusta e doente como a nossa aqui na Terra? Como explicar ou entender essa aparente anomalia da criação?

O primeiro ponto a ser levado em conta é que o bem e o mal são apenas perspectivas humanas limitadas sobre a permanente transformação das coisas no Universo, incluindo as transformações do próprio ser humano. Um segundo ponto é que os espíritos foram criados igualmente simples e ignorantes, mas em tempos diferentes. Deus não criou uma população universal fixa de espíritos e “cruzou os braços”. Deus cria desde sempre, de sorte que apesar de todos os espíritos terem tido a mesma condição inicial, existe atualmente espíritos mais velhos com maior experiência e bagagem moral e intelectual que outros mais novos e ignorantes.

Finalmente, há um terceiro ponto muito importante a ser considerado. Precisamos levar em conta que durante o longo caminho evolucionista do espírito, diferentes situações e ambientes vão sendo expiados pelo Espírito. A questão 132 do Livro dos Espíritos lança luz neste ponto. Kardec Pergunta aos Espíritos: “Qual o objetivo da encarnação dos Espíritos?” Ao que os Espíritos respondem: “Deus lhes impõe a encarnação com o fim de fazê-los chegar à perfeição. Para uns, é expiação; para outros, missão. Mas, para alcançarem essa perfeição, têm que sofrer todas as vicissitudes da existência corporal: nisso é que está a expiação.”

É fácil notarmos que as diferentes vivências ou expiações vão impactando e moldando os espíritos, mas não de forma simultânea, pois cada um tem seu próprio caminho traçado conforme seu próprio conhecimento obtido anteriormente. Mas todos os caminhos vão conduzindo naturalmente ao aperfeiçoamento do Espírito. É nisto que consiste a evolução que levará a todos, sem exceção, a um estado venturoso.

A evolução do Espírito desde o estado inicial em que saiu das mãos do Criador como princípio espiritual simples, como se fosse apenas um germe de uma grande árvore, é um processo muito complexo, sobre o qual os Espíritos superiores nos informaram não ter o entendimento necessário para ir tão longe no tempo. Hoje já temos algumas pistas que podemos explorar com a devida humildade, mas deixaremos isso para um próximo artigo.

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Cesar Boschetti

Graduado em Física pela Universidade de São Paulo (1978), com mestrado e doutorado na área de tecnologia de materiais semicondutores. Atuou como pesquisador, tecnologista e coordenador de setor de P&D englobando materiais especiais, física de plasmas, computação aplicada e combustão do INPE - Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais de 1979 a 2019 quando se aposentou. É escritor espírita e atualmente Editor-Consulente do GeaE.