Felicidade
Quantos quilogramas de felicidade você gostaria de ter hoje? Ou, quem sabe, você preferiria levar alguns metros? Ou ainda alguns litros?
- Não!
- Isso não é uma piada!
Mas confesso que não encontrei maneira melhor para puxar este assunto para reflexão. A alusão figurada à quilogramas, metros ou litros não deixa de ter sua lógica, já que felicidade é algo muito difícil de ser definido e medido.
Felicidade é algo que todos nós queremos e estamos sempre buscando meios para alcançá-la. De imediato, podemos sempre alegar a necessidade de dinheiro, de um melhor emprego, de um carro novo, de roupas novas, de mais saúde, e por aí vai uma longa lista de desejos, perfeitamente normais e humanos. Todavia, todos esses desejos não passam de um autoengano. Queremos dinheiro, melhor emprego ou melhor saúde porque acreditamos que essas coisas são condições importantes para sermos felizes. Acreditamos que alcançá-las nos farão felizes. Num primeiro instante isso até pode parecer verdade, mas logo descobrimos o equívoco.
É claro que saúde, conforto material e emocional são muito importantes. Somos Espíritos encarnados. Temos um corpo material com necessidades materiais para cuidar. É nossa casa, nossa escola e nossa ferramenta de trabalho. Precisamos cuidar bem desse corpo. Nosso futuro aqui na Terra e no plano espiritual dependem disso.
Mas será que precisamos mesmo mais do que já temos para cuidarmos bem do nosso corpo e cumprirmos com a finalidade a que nos propusemos com ele nesta vida? Onde estará a felicidade? Por que todo desejo satisfeito não demora a revelar-se ineficaz como fonte de felicidade ou, não raro, uma decepção ou, até mesmo, fonte de mais pesares? A sociedade de consumo na qual estamos inseridos está sempre tentando nos convencer que precisamos ter certas coisas se quisermos fazer sucesso e ser feliz. É a regra do jogo. Há sempre alguém querendo nos vender algo, em geral, supérfluo. Somos induzidos pela propaganda a querermos sempre mais e mais acreditando que é o que nos falta para sermos felizes. É o reflexo natural de uma sociedade materialista descrente de valores mais elevados e transcendentes à nossa condição puramente material. A depressão psicológica e o mal-estar social não param de crescer na sociedade. Onde, ou no que, afinal, estará essa tal de felicidade? O que é felicidade? Por que queremos ou precisamos ser feliz?
Não há uma resposta simples e objetiva, mas acho que já ficou evidente que a felicidade não é um meio, mas sim um fim último. Não há nada que possamos querer que esteja além da felicidade. É um bem supremo. Todos os nossos desejos mundanos não passam de meios, muitas vezes enganosos, para nos levar a condições onde, acreditamos, encontraremos a felicidade. Mas nossos desejos, tão logo sejam satisfeitos, não demoram por se revelarem inócuos. Nosso vazio interior não é preenchido com matéria e, algumas vezes, pode ser até ampliado nessa tentativa. Existe algo maior, mais verdadeiro e profundo que nos completa, nos enche de gratidão pela existência, nos enche de admiração pelo mundo e pelo mistério do mundo, faz sentirmo-nos parte de algo maior, faz sentirmo-nos, simplesmente, felizes. É algo além da matéria. Por isso, encontramos no item 20 do cap. V do Evangelho Segundo o Espiritismo, a máxima: “a felicidade não é deste mundo”.
Mas, cuidado! Os atrativos mundanos são muitos. Nosso instinto desejante ainda pulsa forte dentro de nós. E não há erro algum da providência Divina neste sentido. Nossa evolução depende da matéria. Nossa evolução depende de aprendermos a dominar a matéria. A tarefa é complexa. A sociedade materialista de consumo é um monstro perigoso. Precisamos de muita convicção na vida futura e muita perseverança. As armadilhas são muitas. Nossa dupla condição social de mercadores e mercadoria nos ilude e nos frustra o tempo todo. Precisamos coragem para superar as vicissitudes da vida, precisamos paciência e perseverança para discernirmos os meios dos fins e, acima de tudo, precisamos sabedoria para percebermos que, muitas vezes, a dor e o sofrimento temporários podem ser atalhos para uma condição futura feliz. É por isso também que vale reafirmar a máxima do evangelho: “a felicidade não é deste mundo”.
Esta afirmação não foi feita explicitamente por Jesus. Suas mensagens dão a entender essa ideia, mas precisamos interpretá-las com cuidado. Não há uma medida objetiva de felicidade válida para todos. O que faz alguns felizes, pode fazer outros infelizes. Essa subjetividade faz parte da história de cada indivíduo. A felicidade plena e coletiva ainda é um bem em gestação na humanidade. A felicidade surge da interação e do amor entre os espíritos encarnados e desencarnados. Aliás, era essa a mensagem que Jesus nos passou. Isoladamente, ninguém consegue se realizar e ser feliz.
A felicidade é inerente ao nosso grau de evolução ainda muito pequeno e vacilante. A felicidade plena demanda uma envergadura moral e intelectual muito maior que a de que dispomos. Precisamos compreender e aceitar que as dificuldades atuais são meras consequências didáticas de causas passadas. Além disso, na condição de aprendizes que somos, só conseguimos perceber o valor da alegria quando estamos tristes. Só conseguimos perceber o valor da saúde quando estamos doentes. Só conseguimos dar valor a um amigo ou ente querido quando o perdemos. Como saber se sou feliz se não sei o que é ser infeliz? Como aproveitar a tranquilidade se não conheço a tormenta? Como progredir se não houver erros para serem reparados? Como obter o sucesso sem passar pelo fracasso?
As condições negativas da existência são condições necessárias para que aprendamos valorizar e preservar as condições positivas. Mas a Terra não é somente um lugar de provas e expiações. Muitos dentre nós já têm liberdade e compreensão para construir sua felicidade aqui mesmo. Apesar de haver muitas moradas na casa do Pai, nossa casa atual é muito especial e precisamos cuidar muito bem dela. Podemos perfeitamente fazer dela um lar cheio de amor e benefícios para todos em vez de explorá-la e usá-la até a exaustão de seus recursos. Podemos fazer da Terra um lar de paz e fraternidade em vez de competirmos selvagemente pelo melhor só para poucos. Tudo depende de nós. Ninguém virá nos salvar de nós mesmos.
O problema não está na razão fria e dogmática em nada além da matéria, nem na fé cega que os deuses e anjos olham por nós. O problema de nosso sofrer está na falta de uma fé raciocinada. Precisamos ser resignados, mas também resilientes. Precisamos abrir mais a nossa mente para um futuro pleno de possibilidades se buscarmos nos conhecer um pouco melhor. O “conheça-te a ti mesmo” alardeado por Sócrates quatro séculos antes de Jesus, continua a ser um imperativo essencial para o futuro da humanidade. Não há amor, nem fraternidade e nem felicidade sem o autoconhecimento de si mesmo que, no fundo no fundo, significa nos conhecermos melhor uns aos outros.