Ciência Espírita
A Pesquisa qualitativa entre a fenomenologia e o empirismo-formal (II)
Podemos dizer que há diferentes métodos do conhecimento científico? Apesar de a grande maioria dos autores acima defenderem a teoria da ciência unificada, cada um buscando trazer para a sua proposta as diretrizes “verdadeiras” do método científico, podemos dizer que há uma variação ainda mais acentuada em torno do conceito de ciência, especialmente das ciências humanas e sociais, cuja questão discutirei posteriormente.
Em meio aos livros de teoria do conhecimento e metodologia de pesquisa científica, há diferentes classificações de métodos concorrentes, que surgiram de bases de pensamento epistemológico diversas (ou matrizes epistemológicas) e que, mais que um exercício especulativo, passaram a orientar pesquisadores e cientistas, consolidando-se em orientações concorrentes de escolas, linhas de pesquisa e disciplinas.
Para fins de ilustração deste ponto de vista, passamos a apresentar o referencial de ZILLES, que adotaremos neste trabalho por sua simplicidade, mas há diversos outros como o de DE BRUYNE ET AL. (1991).
ZILLES (1994) divide o conhecimento científico em três grupos: o das ciências formais, o das ciências empírico-formais e o das ciências hermenêuticas.
As ciências formais têm “relações entre signos” como seu objeto de pesquisa, compreendem a matemática e a lógica, são racionais e sistemáticas, são verificáveis, no sentido da possibilidade do emprego da dedução.
As ciências empírico-formais foram descritas no item anterior e têm por objeto a realidade empiricamente apreensível (natureza), podendo usar as ciências formais como seu instrumental.
As ciências hermenêuticas, por sua vez “são ciências da interpretação. (...) A interpretação procura evidenciar uma significação não imediatamente aparente. A significação é uma relação entre um signo e uma entidade pertencente ao mundo real ou ao mundo ideal. Em resumo, as ciências hermenêuticas visam a realidade humana enquanto apreensível, enquanto perceptível na natureza transformada pela cultura. (...) visa à subjetividade, suas intencionalidades. (...) trabalham essencialmente com a categoria do sentido”. (ZILLES, 1994. p. 164)
A Fenomenologia de Edmund Husserl é uma das teorias que procura fundamentar epistemologicamente este último conceito. Trataremos dela de forma mais detida, mas antes passamos a discutir os pontos de conflito entre as ciências naturais e as ciências humanas e sociais.
O Problema do Método nas Ciências Humanas e Sociais
Uma discussão também histórica em meio aos epistemologistas, repousa na possibilidade de adoção dos métodos do empirismo formal às chamadas ciências humanas e sociais. Independente dos argumentos pró ou contra este projeto, qualquer leitor desapaixonado considera razoável que a aplicação destes métodos às ciências do homem pressupõe a aceitação apriorística de que o ser humano é explicável à partir de “leis” que desvendam a sua “natureza”. Caso contrário, tratando-se o homem como um ser portador de uma condição humana, ou seja, dotado de livre arbítrio, capaz de construir sua própria cultura e resignificar o mundo ao seu redor, não faz sentido empregar-se um método que busca explicá-lo destituindo-o de suas capacidades. Esta condição humana (termo que emprego no sentido de delimitar o homem produtor de cultura e produzido por ela, em distinção à natureza humana) seria incognoscível por uma matriz epistemológica calcada no empirismo, não sendo objeto passível do emprego dos métodos das ciências naturais.
Após quase um século e meio de Psicologia concebida como ciência humana, podemos acompanhar o desdobramento da aplicação dos métodos das ciências naturais e sugerir que eles são mais bem sucedidos quando o homem é visto como (ou reduzido a) um ser orgânico. A pesquisa médica é um exemplo de sucesso do emprego dos métodos naturais, mas nenhum médico acreditaria, por exemplo, na existência de diferenças estruturais e funcionais significativas entre
dois corações humanos, a menos que estivéssemos estudando patologias, ou seja, eles trabalham com uma natureza do organismo humano.
As conclusões da Psicologia empírica, entretanto, se tornam polêmicas e duvidosas quando se analisa o homem como um ser psíquico, tendo algum poder explicativo quando descritivas, mas sendo incertas quando preditivas. Parece-me que o ser psíquico é apenas parcialmente determinado, ou seja, as regularidades que podemos identificar a partir de sua pesquisa não seriam suficientes para uma compreensão de sua dinâmica singular e são raramente passíveis de generalização para pessoas educadas em culturas muito diferentes entre si.
Um psiquiatra de renome parece ter chegado a conclusão semelhante e talvez um pouco menos pessimista quando desenvolveu o seguinte pensamento:
Muitos autores consagrados na literatura aceitam as diferenças epistemológicas entre as ciências humanas e sociais. Kirk e Miller apontam o seguinte:
Ao gerente, em um cenário turbulento, pode ser mais valioso deter um repertório de construções compreensivas e capacidade analítica (de preferência criativa) que conhecer prescrições calcadas em modelos universais de funcionamento das organizações. O emprego de ferramentas de finalidade prospectiva e situacional parece ter se desenvolvido bastante na administração, com a finalidade de dar suporte à tomada de decisões.
Como lidar com o conhecimento tendo em vista objetos possivelmente dotados de singularidade? É aceitável renunciar ao desejo de conhecê-los taxando-os de incognoscíveis, ou há formas de desenvolver algum tipo de entendimento?
Dilthey (1833/1911) foi um dos filósofos alemães que defendeu a idéia que as ciências humanas e sociais têm por objeto uma realidade humana, histórica e social, criticando o emprego isolado dos métodos das ciências naturais nesta área. Ele considera fundamental a análise da compreensão da experiência pessoal e da expressão do espírito humano nesta área do conhecimento.
Dentre as escolas de pensamento epistemológico, passo a apresentar uma das mais influentes e prolíficas para com este problema: a Fenomenologia de Edmund Husserl.