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Ciência Espírita

A Pesquisa qualitativa entre a fenomenologia e o empirismo-formal (I)

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Resumo

Metodologia e epistemologia são duas áreas relacionadas, mas independentes entre si. É muito comum na pesquisa administrativa brasileira entender-se a pesquisa chamada de qualitativa a partir de um referencial epistemológico empirista-formal. Realizou-se uma análise das contribuições teóricas ao tema por autores clássicos e contemporâneos. A proposta do presente trabalho teórico é distinguir a orientação epistemológica baseada no empirismo-formal da que se fundamenta na fenomenologia. Aceita esta distinção e o “status” científico destas duas matrizes de conhecimento, mostra-se que há implicações metodológicas distintas para a pesquisa qualitativa, seja com relação ao objetivo, seja com relação à abordagem do objeto, seja com relação à construção de construtos e indicadores. Desta forma, a pesquisa qualitativa não é uma pesquisa para a qual não se teve fôlego para estudar um número suficiente de eventos que permitam generalização, nem está às voltas com um tipo de objeto que permite apenas uma mensuração não métrica e muito menos é uma abordagem menor da ciência porque não consegue estabelecer com fundamento leis que estabelecem relações determinantes ou probabilísticas entre eventos. Trata-se de um tipo de pesquisa própria para a análise em profundidade de fenômenos onde se pressupõe, ou se busca entender melhor, a singularidade ou a subjetividade.

Palavras-Chave: Pesquisa Qualitativa, Metodologia de Pesquisa, Epistemologia

Introdução

Sempre que se discute uma pesquisa científica, está se optando por uma certa produção de conhecimento que atende a determinados parâmetros ou exigências propostos por um determinado grupo de pesquisadores. Um equívoco que geralmente se comete é pressupor a existência de uma teoria epistemológica única que fundamentaria a escolha dos métodos de investigação. 

Em meio ao pensamento administrativo, a noção de ciência mais difundida filia-se às escolas derivadas do empirismo. Mesmo nesta tradição, há muitas escolas epistemológicas concorrentes, como o empirismo lógico, o empirismo probabilista, o empirismo crítico e o evolucionista. Em ruptura à tradição empirista, temos inúmeras escolas de teoria do conhecimento, como a fenomenológica (e seus desdobramentos) e a pragmática.

A idéia que o conhecimento científico é um tipo de conhecimento verdadeiro, e que a aplicação da metodologia científica conduz à obtenção da verdade, é um mito de difícil sustentação se o leitor se dispuser a analisar atentamente os pressupostos sobre os quais se constrói uma dada teoria epistemológica.

O Que é Ciência?

Francis Bacon (1561-1626), ao redigir sua obra “Novum Organum” lançou algumas das bases da ciência moderna. Propôs que o estudo se voltasse à análise da natureza, cujos resultados pudessem permitir uma acumulação sistemática do conhecimento. Propôs o método indutivo como o caminho para atingir este objetivo, através da experiência escriturada, que compreendia a observação sistemática e a realização de experimentos. O filósofo natural deveria observar as condições em que um determinado fenômeno ocorria (tábua de presença), as condições em que ele não ocorria (tábua de ausência) e registrar os diferentes graus de variação do fenômeno a fim de descobrir possíveis correlações entre as variações (tábua das graduações). Feitas as observações o pesquisador procuraria estabelecer induções amplificadoras (generalizações) extraindo o que existe de geral em uma coleção de fenômenos e estendendo por analogia aos demais nas mesmas condições. Em Bacon já temos uma distinção entre ciência (fruto da experiência humana) e especulação ou metafísica (fruto do raciocínio calcado na “lógica vulgar” ou mesmo da revelação divina).

Isaac Newton (1642-1727) abriu mão da análise teórica calcada em uma autoridade (pelo menos formalmente) para analisar as regularidades físicas, tendo por parâmetros comparativos os modelos da álgebra. Uma frase famosa onde ele expõe sua crítica ao emprego de hipóteses foi: “hypotheses non fingo” Ele possibilitou uma certa forma de se fazer ciência, onde se procura o avanço do conhecimento através da identificação de regularidades constatadas matematicamente e por indução, ou, simplesmente, “leis naturais”. Newton, portanto, adiciona as matemáticas ao método de Bacon.

Uma das dificuldades que este procedimento gerava envolvia a sucessiva complexificação das teorias explicativas dos fatos estudados, o que poderia fazer com que os cientistas se perdessem no “perigo da especulação” a partir das mesmas. Um filósofo que deu uma contribuição histórica a este problema foi David Hume (1711-1776), com sua famosa “investigação acerca do conhecimento humano”. Ele defende a identificação de nexos de causalidade dos fenômenos naturais (entendidos como sucessões temporais entre dois fenômenos percebidos em bases de uma vinculação necessária, ou seja, para que o segundo aconteça é necessário que o primeiro o anteceda) e toma como critério de verdade a possibilidade de retorno das teorias às bases empíricas que as geraram (fenômenos sensíveis), ou seja, às percepções originais. Criticando o pensamento cartesiano, ele admite a lógica dedutiva apenas para a matemática (porque consiste em relações entre símbolos), considerando-a criadora de sofismas e ilusões quando aplicada ao mundo natural, que necessariamente não se comporta segundo a lógica.

Seu projeto de construção do conhecimento foi muito bem sucedido no mundo das ocorrências físicas, e marcou uma distinção entre as Físicas e as Metafísicas, que gerou um certo desprezo nos meios acadêmicos por estas últimas. Ele foi extremamente influente até o final do século XIX e início do século XX, quando físicos como Albert Einstein propuseram teorias que invalidavam a aplicação das leis de Newton a territórios pouco conhecidos da Física, como as
partículas subatômicas, o que gerou uma desconfiança na capacidade de generalização das conclusões obtidas por estes métodos.

Grosso modo, temos então uma noção de ciência, que seria um método de produção de conhecimento verificável e acumulável, que estabelece nexos de causalidade entre fenômenos, a partir da observação sistemática e experimentação de fenômenos naturais com a finalidade de identificarem-se, por generalização, regularidades (leis) passíveis de descrição matemática.

Esta definição será quase que totalmente criticada no século XX. Bachelard e Kuhn criticariam a cumulatividade do conhecimento científico introduzindo conceitos como corte epistemológico e mudança de paradigma, respectivamente. Carnap abriu mão do conceito de verificabilidade, substituindo-o pelo de confirmabilidade. Popper estenderia as críticas à indução e à generalização, questionaria os fundamentos epistemológicos do probabilismo e proporia a falseabilidade e a falsificação, assim como a transitoriedade das teorias científicas aceitas. Todos os autores citados tratam das chamadas ciências naturais. Evitaremos o desenvolvimento destas contribuições porque elas nos fazem perder a linha mestra do presente trabalho.
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