Boletim GEAE

Grupo de Estudos Avançados Espíritas

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Fundado em 15 de outubro de 1992
Boletim Quinzenal de Distribuição Eletrônica

"Fé inabalável é somente aquela que pode encarar a razão, face a face, em todas as épocas da humanidade", Allan Kardec

Ano 13 - Número 485 - 2004            23 de novembro de 2004

Editorial

Liderando com Sabedoria

Artigos

A Importância da Informação na Estruturação Inteligente do Universo, Ademir L. Xavier Jr., Brasil
Curso de Ciência e Espiritismo, 3.a Aula, Alexandre Fontes da Fonseca, Brasil

História & Pesquisa

Mande Notícias do Mundo de lá...


Questões e Comentários

Questões Intrincadas sobre o Espiritismo VIII

Painel

Seminário Espírita: Transcomunicação Instrumental e Espiritismo, Pedro Vieira, Brasil


Editorial


Liderando com Sabedoria

O Movimento Espírita organizado é sem dúvida um instrumento valioso na congregação de esforços para se atingir a meta comum da união em torno da difusão das idéias espíritas, em consonância com a sua verdadeira origem - A Codificação. Todo esforço neste sentido deve ser reconhecido e valorizado, seja ele de iniciativa de um grupo ou de um indivíduo.

É indispensável todavia, que busquemos individualmente estudar a Doutrina dos Espíritos com a seriedade e a perseverança que nos recomendou Allan Kardec, para que possamos estar aptos a somar esforços na consecução desse objetivo. A propósito, eis a advertênca clara do codificador:

"Por isso é que dizemos que estes estudos requerem atenção demorada, observação profunda e, sobretudo, como aliás o exigem todas as ciências humanas, continuidade e perseverança. A verdadeira Doutrina Espírita está no que os Espíritos deram, e os conhecimentos que esse ensino comporta são por demais profundos e extensos para serem adquiridos de qualquer modo, que não por um estudo perseverante, feito no silêncio e no recolhimento."

A Doutrina Espírita nos diz que somos todos membros da grande família universal e estamos sob a égide de um mesmo Pai-Criador, sendo irrelevante o nome ou a idéia que tenhamos deste. No entanto, ela também nos ensina que cada um de nós é uma individualidade única, não existindo na espécie humana outro que nos seja igual. Além disto, fomos também agraciados com o dom do Lívre Arbítrio, essa grande dádiva que deve ser colocada a serviço do nosso progresso. Disto resulta que temos muitas vezes opiniões diferentes, entendimentos diversos e até práticas diversificadas no contexto de uma mesma idéia, pensamento, filosofia ou doutrina. Isto ocorre mesmo em círculos ou grupos menores e até mesmo na célula primeira da grande universalidade - a Família. Se colocarmos essa questão num contexto mais amplo, veremos que a diversidade de idéias pode se expandir ainda mais, na medida em que teremos que inevitavelmente levar em consideração aspectos éticos e sócio-culturais que muito influenciarão neste conjunto.

As colocações acima tem por escopo abordar o importante papel e responabilidade dos espíritas brasileiros na afã de disseminar a Doutrina Espírita pelo mundo, tenha este esforço caráter individual ou coletivo. Uso propositadamente estes dois adjetivos, por entender que esta doutrina não foi reveladao ao mundo para ser confinada nos estreitos limites de nenhuma organização ou instituição, mas ao contrário, ela veio para ser albergada por todos nós seres humanos, em nossos corações e mentes. O primeiro e mais importante aspecto nessa questão, é entendermos que a Doutrina dos Espíritos é uma doutrina essencialmente universalista e com características de penetração em quaisquer meios, uma vez que ela não é excludente e o mais importante, não pratica o  proselitismo. Imaginamos que a nós foi reservada uma tarefa importante no contexto da disseminação dessa mensagem consoladora e isto parece hoje ser mesmo um fato, haja visto o grande número de centros espíritas espalhados pelo mundo, os quais foram iniciados por compatriotas brasileiros. Temos também algumas informações na literatura espírita que consideramos verossímeis, as quais nos leva a considerar essa hipótese como verdadeira. Entretanto, é bom que se diga em alto e bom som, que isto não constitui privilégio algum a nos outorgar esta ou aquela posição de destaque em qualquer meio, muito pelo contrário, o fato nos coloca em uma posição de muita responsabilidade e sentimento de dever para com o nosso próximo.

Assim é que devemos encarar essa responsabilidade e dar o máximo de nós para que possamos realmente contribuir com os nossos esforços na construção de um mundo melhor e mais regenerado. Para nos desincumbirmos bem dessa tarefa é fundamental que antes de tudo tenhamos Amor em nossos corações e ao abordarmos o nosso irmão com o intuito de ajudá-lo em sua jornada evolutiva, o façamos destituído de qualquer outro interesse. Agindo individualmente ou em nome do movimento organizado, fato este que somente aumenta ainda mais a nossa responsabilidade, devemos ter a capacidade de entender as aparentes diferenças, as quais em essência não são mais do que a expressão diversificada de aspectos culturais, e atentarmos mais para a questão de fundo, pois como nos advertiu Kardec, "Os Espíritos superiores não se preocupam absolutamente com a forma. Para eles, o fundo do pensamento é tudo." E não tenhamos dúvidas, serão eles quem estarão ao nosso lado, nos ajudando nesta tão importante tarefa, se tivermos realmente Amor em nossos corações e imbuídos do verdadeiro propósito de servir o nosso próximo.

Muita Paz,
Antonio Leite
Editor GEAE

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Artigos


A Importância da Informação na Estruturação Inteligente do Universo, Ademir L. Xavier Jr., Brasil

Em comemoração aos 200 anos do nascimento de Allan Kardec  e 12º aniversário do GEAE

Ora, como todo efeito inteligente há de por força derivar de uma causa inteligente, ficou evidenciado que, mesmo admitindo-se em tais casos, a interveção da eletricidade ou de qualquer outro fluido, outra causa a essa se achava associada .

Allan Kardec [1]

1. Introdução

Quando falamos em materialismo, sempre nos lembramos das idéias que somente reconhecem a matéria como a única base essencial de constituição do universo. Tal como apreendemos com nossos sentidos, a matéria é algo bem delimitado no espaço e no tempo, algo que podemos sentir, apalpar, carregar, que impressiona nossos sentidos. Hoje, contudo, mesmo os materialistas mais ferrenhos são obrigados a aceitar que essa noção de matéria está longe de ser o constituinte exclusivo do Universo. A física demonstrou a importância de outros ingredientes dentre os quais destacamos a energia. Mas a energia é apenas uma forma diferente (dentro das teorias da física) de se caracterizar a matéria. Pode-se encontrar facilmente o equivalente "energético" de qualquer quantidade de matéria (definida por uma massa, densidade etc). Nesse texto, chamamos a atenção para um tipo de ingrediente que apenas recentemente (nos últimos 60 anos) foi reconhecido como de importância fundamental na estruturação do mundo: a informação. Mas a informação é algo imaterial, portanto, já estamos longe das antigas proposições materialistas de que o Universo é constituído apenas do que podemos ver, ou ainda, daquilo que a ciência poderia medir através de seus aparelhos. Esse reconhecimento é um passo importante na direção da aceitação do ingrediente espiritual como o terceiro grande constituinte do universo. Aventuramo-nos aqui em imaginar que a informação é um importante parâmetro capaz de distinguir univocamente o grau de "vivificação" da matéria, isto é, quanto distante do estado "inanimado" ela se encontra. Um problema recente é a questão se é possível haver criação de informação a partir de sistemas puramente físicos (isto é, inanimados). Uma eventual resposta a essa indagação pode nos levar bem longe de onde estamos conceitualmente.

Antes, porém, de iniciar essa aventura, devemos examinar um pouco mais detalhadamente o significado do conceito de informação e de como ela se transmite de um sistema a outro. Os ingrediente básicos de um sistema de comunicação completamente geral podem ser representados como mostra a figura abaixo:

Pic 1
Fig. 1 Modelo simples de processo de comunicação aplicável a uma ampla gama de sistemas naturais ou artificiais.
 
O conteúdo da mensagem é algo imaterial que existe em princípio, na mente (Espírito). O transmissor é a unidade responsável pela transmissão da mensagem. Ela faz isso "codificando", isto é, escrevendo sob uma convenção pré estabelecida que pode ser lida por outros sistemas semelhantes. O meio ou canal de transmissão é o "medium" no sentido comum, isto é, o subsistema responsável por transmitir aquilo em que foi codificada a mensagem. O "Receptor" é uma unidade capaz de decodificar a mensagem e transformá-la em algo compreensível pelo "destino da mensagem". Esse modelo aplica-se a uma vasta quantidade de sistemas materiais como telefones (celulares ou fixos), transmissão de dados pela internet, comunicação falada etc. No caso de duas pessoas conversando o "meio" é o ar pois os sinais imateriais são transformados em ondas de pressão que emanam do transmissor e se propagam livremente pelo ar. No caso de comunicações feitas com sinais luminosos (p. ex. transmissão de sinais marítimos) o meio é a própria luz.
     Lembramos que esse modelo também aplica-se às comunicações mediúnicas. Nele identificamos o conteúdo da mensagem e seu impacto no destino como idéias impressas na mente dos Espíritos que enviam e dos que recebem as mensagens. O transmissor/receptor são os Espíritos envolvidos na comunicação, enquanto que o "meio" é o médium que serve de canal (o conjunto de equipamentos físicos colocados a disposição). A codificação da mensagem depende do tipo de mediunidade envolvida. Se for de efeitos físicos, a codificação obedece a simbologias convencionadas, a sistemas tiptográficos etc. Nas mediunidades já desenvolvidas de efeitos inteligentes, a codificação da mensagem se dá por mecanismos desconhecidos entre as mentes do médium e do Espírito comunicante.

Pic 2
Fig. 2 Influenciação do ruído no processo de comunicação.
 
A Fig. 2 mostra exatamente como inserir ruído no modelo. Ruído é qualquer perturbação no processo de comunicação ou transporte de informação que leva a degradação do conteúdo da mensagem. O ruído atinge o canal de transmissão. Também as comunicações mediúnicas sofrem com ação do ruído (proveniente da própria mente do médium ou da ação de outros Espíritos) que obliteram o conteúdo da mensagem. Em sistemas artificiais (p. ex. comunicação celular), o ruído pode tornar o processo de comunicação inviável. Nesses casos pode-se falar em eficiência de transmissão de informação como função da razão entre a intensidade do ruído e a intensidade do sinal transmitido, a famosa relação sinal-ruído.
 
 2. Uma definição simples de informação

Todos nós temos noção primitiva de informação. Quando alguém nos faz uma pergunta que só requer um "sim" ou "não" estamos dispostos a passar um conteúdo informativo em relação à resposta equivalente a uma unidade primitiva de informação (conhecida como "bit"). Nessa forma muito simples,  informação é um conceito passível de quantificação. Se desejamos saber se a luz do quarto está acesa ou não então são necessários apenas 1 bit para se adquirir a informação necessária. Semelhantemente, questões mais complexas requerem quantidades maiores de informação. Importa-nos aqui lembrar que a "informação" é algo invisível, não palpável, que se pode transportar de um lugar para outro independentemente do meio material (ou de qualquer meio imaginável). O reconhecimento do "status" independente da informação veio apenas recentemente. Informação é algo que se transfere de um lugar para o outro, que se armazena (logo ocupa volume), que se mede embora sempre relativamente. Podemos apenas falar em ganho ou perda de informação, nunca em um valor absoluto para o conhecimento informativo de acordo com essa definição primitiva.

As modernas teorias sobre processamento de informação (sinais) quantificam-na de tal forma que podemos falar de "pacotes" de informação. Assim para o conjunto de 256 possibilidades de informação é utilizado a designação "bytes". Para quantidades maiores de informação adiciona-se os prefixos latinos de quantificação Kilo, Mega, Giga, etc  para  designiar respectivamente 1000, 1.000.000, 1.000.000.000 etc bytes de informação. Por que o número 256? Para isso é necessário considerar que a maior parte da quantificação da informação é feita por meio de uma base que requer sua representação na forma de respostas simples como "sim" e "não". Como só existem 2 respostas possíveis, o número 256 vem do número de possibilidades de resposta quando coexistem 8 "canais" de informação possíveis. Por exemplo, suponha que queiramos armazenar a quantidade necessária de informação necessária para saber que a luz da sala de uma casa está acesa e que a porta principal esta fechada. Nesse caso temos 4 possibilidades conforme mostra a sequência abaixo:
 
1) A luz da sala está acesa e a porta está aberta;
2) A luz da sala está acesa e a porta está fechada;
3) A luz da sala está apagada e a porta está aberta;
4) A luz da sala está apagada e a porta está fechada.
 
Essas possibilidades são armazenas na forma de 2 bits pois podemos considerar cada uma das afirmação acima como tendo valor "falso" ou "verdadeiro" ("sim" ou "não"). Ora 4 é o resultado de se elevar 2 ao  número de "perguntas" existentes (ou número de bits). Se fizessemos mais uma pergunta, por exemplo, se o cachorro na casa foi alimentado às 8 horas da manhã, teríamos 3 perguntas e, daí, o conteúdo de informação necessário para responter satisfatóriamente as 3 inquirições (3 bits) seria 3. Da mesma forma um gabarito do tipo "falso"/"verdadeiro" com 8 perguntas exige que tenhamos disponíveis 2^8 possibilidades = 256 ou 1 byte como afirmado acima, e equivalente portanto a 8 bits de informação. Bits e bytes tornaram-se unidades importantes na definição e tratamento de informação por sistemas digitais justamente porque computadores só trabalham fundamentalmente com a base falso/verdadeiro em suas estruturas internas. Note que a quantidade de informação diz respeito ao número de bits necessário para armazenar todas as possibilidades uma vez que as sentenças no caso acima tem respostas não dependentes. Se a resposta de uma já definisse a solução de outra, então o conteúdo seria obviamente menor.

Essas noções primitivas de informação (totalmente dependentes do tipo de sinal utilizado para armazená-la) foram formalizadas por Claude Shannon em 1940 através de um formalismo conhecido como "Teoria da Informação" (também chamada "Teoria clássica da Informação") [2]. O nome “informação” aqui está mal empregado pois a teoria de Shannon é, de fato, uma teoria sobre sinais uma vez que o conteúdo informativo da “informação de Shannon” não é importante. O objetivo principal da teoria da informação era fornecer subsídios teóricos para o desenvolvimento de uma teoria geral de comunicações frente a agentes externos de atenuação de sinal e ruído. Essa teoria finalmente acabou constituindo-se no arcabouço fundamental dos modernos sistemas digitais e de comunicação "wireless" ou com fio (telefonia celular, redes de computadores etc). A informação definida segunda a equação (por Shannon) onde log² é o logaritmo na base 2 e N é o número de possíveis resultados ou símbolos. É um conceito puramente quantitativo que se presta mais a determinação da quantidade de espaço de memória necessário para se armazenar um determinada quantidade de dados. No caso do questionário com 8 questões, existem 256 possibilidades (N=256), logo I=8 bits.

Para o cômputo dessa quantidade de memória, é irrelevante o tipo de informação, muito menos ainda a qualidade da mesma.  Dada duas sentenças:

 1) AXGKP TOFFZAXXTAB OPPQ
 2)BEATI PAUPERES SPIRITUS

Qual delas tem um significado mais familiar? Certamente a segunda que é a versão latina de "Bem aventurado os pobres de espírito". Para o conceito de quantidade de informação de Shannon, as duas sentenças tem o mesmo status, pois correspondem a mesma quantidade de informação. Assim não existe conexão alguma entre esse conceito de informação e a qualidade da mesma entendida como conhecimento. Mas a definição de Shannon é útil pois correponde ao que poderíamos chamar de primeira camada ou nível de descrição da informação (nível estatístico). Nesse nível, não existe sintaxe nem semântica. Fala-se apenas na probabilidade de uma determinada letra do alfabeto ou símbolo aparecer. Para simplificar, consideremos o alfabeto formado pelas seguintes letras:

 a b c d e f g h i j k l m n o p q r s t u v x y w z " "

Onde " "  representa o espaço em branco. Em uma primeira análise, se quisermos enviar uma mensagem escrita em um idioma que use esses símbolos, podemos falar que há probabilidade 1/26 de que a primeira letra da mensagem seja qualquer uma daquelas acima relacionadas. Dessa forma precisamos de

I = - log2 (1/26) = 4.7 bits de informação/símbolo

para enviar uma mensagem com esse alfabeto. Isso é, para cada letra. Para uma palavra com 5 letras seria necessário 5 x 4.7 = 23.5 bits de informação e assim sucessivamente. Note que não interessa para essa idéia quantitativa de "informação" se a mensagem formada pela seqüência de 5 símbolos representa a palavra "logos" ou "xksiw", o conteúdo informativo nos dois casos é o mesmo. O que diferencia um idioma de outro (além do grupo de símbolos que representa a mensagem) é algo imaterial, que não se pode quantificar através da informação de Shannon. O máximo de diferenciação mensurável por I está embutido na distribuição de probabilidades de ocorrência desses símbolos. (mas os idiomas se diferenciam antes pelos símbolos que usam). Por exemplo, na lingua inglesa a probabilidade de a letra "h" suceder a letra "t" é muito grande, pois há várias palavras com o sequência "th" (como no artigo "the" ou em "thanks") . Do mesmo modo, no português, a probabilidade de a letra "a" suceder "ç" é grande e, nessa ocorrência, é grande também a chance de aparecer a letra "o" (como em "ação"). Assim o cálculo exato da quantidade de informação para suprir uma definciência de memória no armazenamento de uma mensagem não é simples de se fazer .As probabilidades funcionam como pesos estatísticos e cada idioma tem sua distribuição própria. Na ocorrência de dois idiomas que utilizem o mesmo conjunto de símbolos, é possível reconhecer o idioma simplesmente calculando-se a distribuição de ocorrência de letras, mas isso é tudo que podemos extrair do conceito de informação de Shannon que é largamente utilizado nas ciências da computação. 
 
3. Examinando de perto o processo de transmissão de informação. Computadores como manipuladores de sinais.
 

A transmissão de informação de um sistema a outro (utilizando o conceito de Shannon) pode ser descrita de maneira muito simples, e é relevante para o que discutiremos posteriormente. Nosso objetivo é compreender claramente a informação genuína como um dos atributos de um sistema inteligente; algo que é por ele gerado e manipulado, embora o conceito de informação que utilizamos aqui não leve em consideração o conteúdo da mensagem. Veremos que onde há informação há inteligência, embora seja possível criar sistema aparentemente inteligentes pelo fato de poderem manipular informação.

Consideremos inicialmente dois sistemas idênticos. O que os diferencia além de suas características próprias? Usemos o exemplo anterior, a casa com a sala e a porta. Duas casas idênticas com a mesma sala e porta diferem entretanto pelo estado em que se encontra a lâmpada da sala (se acesa ou apagada) e a porta (se aberta ou fechada). Nessas duas casas idênticas aquela em que conhecemos o estado da lâmpada e da porta é a casa com maior conteúdo de informação simplesmente porque, para descrever qualquer outro aspecto da casa, precisamos de menos informação com essa casa do que com a outra sobre a qual nada sabemos. De outra forma, podemos também dizer que no caso da primeira casa (que sabemos a luz estar acesa e a porta fechada) nossa ignorância é menor do que no caso da segunda casa. Note-se que o conteúdo da informação está contido na sequência de perguntas e suas respectivas respostas.
    Examinemos agora detalhadamente o processo de comunicação. A figura abaixo representa uma versão simplificada de um processo desse tipo com os componentes da fig. 1.

Pic 3
Fig. 3 Comunicação como acréscimo de conteúdo informativo.

Uma mensagem (constituída por uma seqüência de símbolos) é enviada pelo transmissor para o receptor. Não importa aqui qual o tipo de processo (se eletrônico, sonoro, luminoso, mediúnico etc). Toda vez que um símbolo é percebido pelo receptor seu conteúdo de informação "aumenta" exatamente de I (usando o alfabeto anterior como exemplo, esse ganho de informação é de aproximadamente 4.7 bits para cada símbolo). Uma outra medida é utilizada pela teoria da informação para quantificar o conteúdo informativo de uma mensagem. Essa medida é conhecida como Entropia e é definida simplesmente como a média ponderada pelos pesos estatísticos da quantidade de informacão:
 
Entropia de informação = <I>= - ( p1*log2 p1+p2*log2 p2+...+pN log2 pN )
 
onde p1, p2, .. , pN são os pesos de cada símbolo. A entropia de informação definida dessa forma é uma quantidade que cresce com o número de símbolos usados para codificar a mensagem. Cresce também com o tamanho da mensagem e, como no caso da informação de Shannon, não serve para mensurar o conteúdo sintático de uma mensagem, muito menos seu conteúdo tal como os seres humanos internamente o compreendem.

No processo de comunicação descrito pela Fig. 3, não explicitamos a origem da informação. Consideremos inicialmente que essa origem seja “inteligente”. Imaginemos que o processo seja interceptado por um sistema mecânico (autômata) que possa acrescentar ou modificar a seqüência de símbolos original. A fig. 4 ilustra o processo modificado por esse agente externo.

Pic 4
Fig. 4 Processo de comunicação interceptado por um autômata.

O autômata é capaz de acrescentar símbolos à seqüência original de forma independente. Isso ele faz recorrendo a um banco de símbolos que permite a reprodução infinita de qualquer tipo de símbolo pertencente ao alfabeto convencionado pelo processo de comunicação. Além disso para uma dada seqüência de símbolos, a ordem ou disposição pode ser artificialemente modificada por uma seqüência de comandos lógicos chamados “algoritmos”. Não importa para nós aqui a origem dos algoritmos (embora sabemos que sua construção obedece a regras dos seres humanos). Chamamos a atenção com o processo modificado de comunicação da Fig. 3 que o autômata pode aumentar arbitrariamente o conteúdo informativo da mensagem original somente no sentido da teoria da informação de Shannon que não leva em consideração o significado da mesma para o destino último da mensagem. Afirmamos explicitamente: não importa a complexidade, grau de manipulação dos “algoritmos” previamente programados no autômata, qualquer que seja a natureza e resultado do conjunto de instruções o conteúdo verdadeiramente informativo da mensagem original não é aumentado. Isso vale para qualquer tipo de autômata. De fato, podemos representar o conjunto de operações sobre cada bit original como a aplicação de uma função genérica G(u) onde u é bit de entrada:  Para a sequência original: u1, u2, u3 de símbolos pertencentes ao alfabeto, o resultado final é G(u1), G(u2), G(u3), ...até o último bit enviado. Em particular o processo de “comunicação” do receptor final com o autômata pode ser descrito para uma seqüência de entradas nulas. Assim sendo, não existe comunicação no sentido genuíno de troca de informação do autômato para com o receptor final suposto inteligente (embora esse último possa ter a impressão de que isso ocorra de fato).

Longe de gerar informação, computadores são sistemas que apenas conseguem manipular ou gerar sinais baseados em algoritmos. Todo o conteúdo aparentemente inteligente (cognitivo) das mensagens ou da manipulação de informação por computadores advém da inteligência (Espírito) dos seres humanos que os programaram.

 4. Informação e o princípio inteligente.

Nosso principal problema é a inexistência de uma definição suficientemente abrangente para a idéia de informação. Podemos entretanto definir alguns de seus atributos. Para isso baseamo-nos em considerações do matemático Wernher Gitt [3]. Ele descreve esses atributos do processo de transmissão de informação em cinco camadas:

1- Estatística: referente ao número e probabilidades de ocorrência de símbolos ou sinais com uma linguagem previamente estabelecida para realizar o processo de comunicação. É o nível de descrição de Shannon como vimos anteriormente;
2- Sintaxe: referente ao seqüenciamento dos símbolos formando palavras e frases. Dependendo da ordem com que são transmitidos, um conjunto de símbolos podem formar palavras diferentes. Como vimos nem essa seqüência é importante na teoria dos sinais de Shannon;
3- Semântica: que diz respeito ao significado das palavras. Pelo fato de o nível semântico ser de caracterização quantitativa inexistente, o preço dos telegramas só depende da quantidade de símbolos (palavras) que ele porta e não de seu conteúdo;
4- Pragmática: que diz respeito à intenção do transmissor com o conteúdo informativo da mensagem e seu impacto no receptor. A fim de que o receptor tenha determinada reação, o transmissor reveste sua informação de conteúdo pragmático
5- Abobética: nível último representado pelo objetivo da mensagem. A abobética tem a haver com o objetivo último do transmissor em enviar a informação  no processo de comunicação. Segundo Witt os dois últimos níveis se confundem várias vezes. Abrimos um parêntese aqui para salientar o valor abobético das mensagens dos Espíritos superiores. Longe de representar simples estórias contadas com o objetivo de entretetimento, as mensagens verdadeiramente instrutivas são carregadas de conteúdo moral e tem o objetivo de educar eticamente os receptores. Além do nível abobético poderíamos acrescentar um outro nível superior quando o conteúdo da mensagem comunicada não é suficiente para representar completamente o objetivo do transmissor e impacto real sobre o receptor. Falamos do conteúdo das mensagens criptografadas que fazem parte desse nível.  Essas são mensagens que devem ser re-interpretadas por um código a fim de que seu conteúdo seja compreendido. Outros exemplos podem ser encontrados na linguagem poética e metafórica, onde a mensagem original só é plenamente compreendida quando comparada pelo receptor a um conjunto de culturas e conhecimentos (tácitos) não carregados em princípio pela mensagem original.

Que Kardec utilizou essas propriedades na caracterização das mensagens mediúnicas não resta dúvida. Examinemos, por exemplo, o parágrafo 66 de “O Livro dos Médiums” no Capítulo III, “Das manifestações inteligentes”:

Para uma manifestação ser inteligente, indispensável não é que seja eloqüente, espirituosa, ou sábia, basta que prove ser de um ato livre e voluntário, exprimindo uma intenção, ou respondendo a um pensamento. Decerto, quando uma ventoinha se move, toda gente sabe que apenas obedece a uma impulsão mecânica: à do vento; mas, se se reconhecem nos seus movimentos sinais de serem eles intencionais, se ela girasse para a direita ou para a esquerda, depressa ou devagar, conforme se lhe ordenasse, forçoso seria admitir-se, não que a ventoinha era inteligente, porém, que obedecia a uma inteligência. Isso o que se deu com a mesa.

Muito além de seu tempo, Kardec soube caracterizar as propriedades superiores das mensagens de conteúdo informativo inteligente que hoje é largamente utilizada na pesquisa por sinais inteligentes vindos do espaço ou na análise do processo de comunicação dos animais.  De acordo com esses cinco níveis (que levam em conta a intenção do comunicante), podemos excluir a grande classe de sistemas naturais mecânicos (físicos) como geradores de informação. É o que Kardec diz quando utiliza do exemplo da ventoinha. No máximo tais sistemas gerariam sinais no nível estatístico sem significado. Por outro lado, a Natureza está cheia de criaturas capazes de se comunicar nos cinco níveis descritos acima. Sabemos que os animais se comunicam (consideremos as linguagens químicas das formigas ou o canto das baleias), logo trocam informação. O processo de comunicação nesses seres se dá muito de acordo com o modelo da Fig. 1 e nos cinco níveis descrito, onde podemos identificar cada um dos elementos da cadeia comunicativa. Machos de várias espécies de pássaros cantam para as fêmeas para chamar a atenção ou para reinvidicar território (um exemplo de comunicação até o nível pragmático). Mesmo com as plantas - embora muito limitadamente - há comunicação (consideremos os fenômenos de polinização com o esforço das flores em se tornarem atraentes aos insetos). Visto pura e simplesmente do ponto de vista do que temos discutido aqui, os seres humanos (Espíritos encarnados) podem ser vistos como seres vivos capazes de transformar energia química em informação. Essa definição é amplamente aceita na comunidade acadêmica (embora haja divergências quanto ao significado do termo informação) pois corresponde exatamente aos fatos. O problema aqui é saber onde está a origem da informação. Como vimos, depois de eliminar os sistemas mecânicos (o que inclui sistemas químicos ou bioquímicos reduzidos aos seus componentes atômicos),  o que nos sobra? 
 
Informação como fonte no princípio inteligente: somente o espírito, tendo como atributo o princípio inteligente, é capaz de gerar, armazenar e manipular a informação que só pode ser compreendida cognitivamente por outra entidade que disponha desse mesmo atributo.
 
Em outros termos propomos que a origem de toda informação, tal como descrita em seus atributos pelos níveis estatístico, sintático, semântico e abobético, está no espírito. Obvimente por “linguagem” não nos restringimos exclusivamente às representações gráficas e fonéticas de símbolos que nós, Espíritos encarnados em evolução, inventamos para facilitar o processo de comunicação. Seres considerados inferiores, mas que dispõem de princípio inteligente, comunicam-se por linguagem que podemos considerar primitiva (códigos químicos ou bioquímicos), o que propomos como uma evidência de sua natureza espiritual. A Natureza bruta não gera informação. Como Kardec na sua análise das manifestações inteligentes,  hoje podemos dizer que forçoso é admitir-se, não que a matéria nesses casos seja inteligente, mas que obedeçe a uma inteligência. Essa inteligência é um atributo do Espírito.

5. Algumas considerações

Exobiologia.
   
Há um debate recente sobre a possibilidade de se  descobrir vida inteligente em outros planetas para além de nosso sistema solar. Sabemos que a Doutrina Espírita previou com grande antecedência essa possibilidade. Atualmente, um programa de pesquisa bastante audacioso [4] está em andamento visando detectar vida extraterrestre totalmente baseados em sinais de rádio. A parte do problema de escolha de canal de transmissão, para que sejam aceitos como prova da existência dessas civilizações, esses sinais devem satisfazer um conjunto de critérios que passam pela análise da verificação dos atributos descritos na parte 4. A grande maioria dos sinais detectados via rádio obedecem padrões meramente estatísticos, isto é, não se caracterizam como sinais inteligentes pois são geradas por fontes naturais (estrelas, nuvens interestelares etc). Para que o sejam devem ter um objetivo contido na própria mensagem. Reconhe-se assim o caráter não físico das mensagem genuinamente inteligentes.

Biologia.

A biologia moderna descobriu que a chave para a estrutura dos seres vivos está no código genético. O DNA ou RNA são longas cadeias moledulares que descreveriam bioquimicamente os constituintes últimos dos seres vivos. O código genético é uma molécula com conteúdo altamente informativo (do ponto de vista da informação de Shannon, o DNA humano contém mais informação que todos os livros já editados na Terra). Um debate recente tem acontecido na comunidade acadêmica sobre a origem dessa cadeia.  Já se calculou corretamente que a probabilidade de os átomos do DNA humano apresentarem seu arranjo característico por mera chance ser ínfimo. Isso deu origem a clamores recentes por parte dos neocriacionistas [3] de que a estrutura do DNA  ter sido “dada por Deus”. Os opositores, baseados em modelos computacionais, puderam mostrar que essa sequência poderia ter sido gerada por chance se esta fosse assitida por algum mecanismo externo. De uma maneira muito simplificada imagina-se que a Natureza tenha uma função resposta que resulta em pesos altos caso a chance vá na direção correta (embora não se especifique quem seja o responsável por especificar qual seja essa direção). De maneira geral acredita-se que mecanismos de evolução das espécies, mutações e seleção natural tenham sido os responsáveis ao longo do tempo pela forma final da molécula.

De nossa parte acreditamos que o argumento de “dada por Deus” é naturalmente válido pois Deus é a causa primária de todas as coisas. Porém podemos imaginar que o DNA represente hoje uma espécie de “documento material” que ateste o processo de evolução conjunta (através dos milhares de anos) do princípio espiritual com a matéria. Assim a origem do conteúdo informativo da molécula DNA e de outras proteínas importantes no metabolismos dos seres seria o próprio princípio espiritual em sua viagem de evolução ao longo de múltiplos renascimentos na matéria. Essa proposição parece ser atestada por muitos autores espirituais [5].

A física desbancada?

O reconhecimento da importância da informação no Universo (assim como a matéria e a energia) e sua origem no princípio inteligente é um profundo golpe no reducionismo que previa ser possível reduzir todo nosso conhecimento das ciências às interações físicas entre seus constituintes. Mostra também que a descrição da “matéria viva” não pode ser feita baseando-se exclusivamente em princípios mecânicos ou quanto-mecânicos. Sistemas auto-organizáveis [6] têm sido propostos como modelos para a matéria viva, entretanto, à luz do que estamos expondo, esses sistemas são meros geradores de ordem (diminuição da entropia por serem sistemas abertos longe do equilíbrio) e não de informação. Essa conclusão pode ser revista no futuro pois o problema da origem da informação só muito recentemente recebeu atenção devida e não faz parte do programa normal de pesquisa da física. 

6. Nota conclusiva.
 
 Isso posto concluímos que o princípio utilizado pelo codificador da Doutrina Espírita, Allan Kardec, que viu uma causa inteligente nas mensagens inteligentes [1] e com isso descobriu a origem não material das inteligências por detrás das mensagens pode ser expandido para toda a Natureza. Ousamos dizer que se a origem das comunicações mediúnicas foi atestadamente demonstrada como tendo origem em inteligências incorpóreas, então, muito provavelmente, a origem de toda informação com conteúdo verdadeiramente cognitivo não pode ser atribuída à matéria. Isso se extende a todos os fenômenos existentes que podemos classificar como tendo um objetivo ou inteligência. 

 Referências

[1] O Livro dos Médiums, Parágrafo 65, Capítulo III, Das manifestações inteligentes. 54ª  Edição da Federação Espírita Brasileira, Tradução de Guillon Ribeiro.  Ver também Ref. [7] “Prolegômenos”.
[2] C. E. Shannon, ``A mathematical theory of communication,'' Bell System Technical Journal,  27, pp. 379-423 and 623-656,. Julho e Outubro de 1948.
[3] Werner Gitt “Information, science and biology”. Publicado em Technical Journal 10 (2): 181-187. Agosto de 1996.
[4] Ver www.seti.org (SETI - “Search for Extraterrestrial Inteligence”). “The mission of the SETI Institute is to explore, understand and explain the origin, nature and prevalence of life in the universe.” A missão do intituto SETI é explorar, compreender e explicar a origem, naturesa e prevalência de vida no Universo.
[5] André Luiz, Evolução em Dois Mundos, Cap. VII, “Evolução da Hereditariedade”, 4ª edição.  Federação Espírita Brasileira (1977).
[6] Ver Press Release: The 1977 Nobel Prize of Chemistry (nobelprize.org). Nota para a imprensa sobre o prêmio Nobel de 1977 concedido a Ilya Prigogine por suas colaborações em termodinâmica fora do equilíbrio e estruturas dissipativas.
[7] A Kardec, O Livro dos Espíritos, Tradução de Guillon Ribeiro, 71ª edição. Federação Espírita Brasileira (1991).

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Curso de Ciência e Espiritismo, 3.a Aula, Alexandre Fontes da Fonseca, Brasil

A Ciência Espírita e a divulgação dos trabalhos científicos


1. CIÊNCIA ESPÍRITA

Nas aulas anteriores, falamos sobre os conceitos básicos que definem uma ciência e sua forma de trabalho e desenvolvimento. Vimos o que é e para que serve o método científico e discutimos como ele deve ser considerado em pesquisas de caráter multidisciplinar.

No entanto, é comum enxergar valor científico apenas em textos que contém conceitos e análises oriundos de outras ciências como a Física, a Química ou a Biologia, por exemplo. Imagina-se, equivocadamente, que um trabalho só é científico se conter termos e conceitos modernos, técnicos ou científicos e alguns pensam que para ressaltar o valor científico e a atualidade da Doutrina dos Espíritos, é preciso fazer o mesmo. Com base nas aulas anteriores, compreendemos que o Espiritismo é uma ciência legítima, não necessitando do emprego de conceitos de outras disciplinas científicas.

Nesta aula, conversaremos sobre como produzir conhecimento de valor científico trabalhando, apenas, dentro do paradigma espírita. Em O Livro dos Espíritos [1], encontramos o núcleo teórico central do Espiritismo [2]. Como diz Chibeni, “o estudo dessa obra revela a adequação da teoria com os fatos, sua consistência e seu alto grau de coesão e simplicidade, bem como a amplitude de seu escopo.” Retiramos do artigo da referência [3] as seguintes sugestões de áreas de investigação espíritas:
  1. Evolução do espírito: o elemento espiritual dos seres dos reinos inferiores; origem dos espíritos humanos; encarnação e reencarnação; pluralidade dos mundos habitados.
  2. O mundo espiritual.
  3. Interação espírito-corpo: perispírito, efeitos psicossomáticos, mediunidade.
  4. Implicações morais (uma área científica e filosófica): livre-arbítrio, lei de causa e efeito.
Esses ítens são exemplos de grandes temas de estudo que podem ser analisados e pesquisados sem a necessidade de introduzirem-se conceitos e teorias de outras ciências. O estudo teórico (análise das obras espíritas) e prático (análise dos fenômenos espíritas), pode ser realizado sem a necessidade de usarmos conceitos de Física, Química ou Biologia. Isso não significa que não se pode estudar esses tópicos de forma multidisciplinar, isto é, de forma conjunta com alguma outra ciência. Vamos discutir esse lado multidisciplinar da pesquisa espírita nas próximas aulas. Aqui, nossa ênfase será dizer que é possível fazer pesquisa científica de qualidade sem apelar para métodos e terminologias de outras ciências.

Um importante exemplo de trabalho de pesquisa espírita que merece o adjetivo científico, é a obra de Hermínio C. Miranda, intitulada Diálogo Com as Sombras [4]. Nesta obra, o autor apresenta os resultados de suas vivências e pesquisas em uma atividade genuinamente espírita: o esclarecimento de espíritos em desequilíbrio.

Os estudos sobre a obsessão, o evangelho, os efeitos das influências dos espíritos sobre nossas vidas, etc. são também assuntos legítimos que são de enorme interesse para o Movimento Espírita. Como exemplo recente, no boletim do GEAE n. 484, Jader Sampaio apresentou uma cópia da assinatura de Leon Denis, para ser comparado com a psicografia de Divaldo P. Franco feita por ocasião do 4º. Congresso Internacional de Espiritismo em Paris, 2004. Esse tipo de trabalho de pesquisa tem um valor científico muito grande pois contribui com um resultado positivo a favor da realidade da existência e sobrevivência da alma. Chibeni [3] ressalta que além desses fenômenos espíritas propriamente ditos, o Espiritismo se apoia em vários fenômenos ordinários relacionados ao nosso cotidiano como, por exemplo, os nossos sentimentos, os acontecimentos marcantes da vida, sonhos, efeitos psicossomáticos, etc.

É digno de nota a citação de alguns trabalhos que servem de referência para o pesquisador espírita. São elas os prontuários das obras de Kardec [5] e de André Luiz [6], e outros menos conhecidos como um trabalho intitulado O Indicador de João Gonçalves [7]. Alguns trabalhos de revisão, ou seja, de análise de todos os estudos e pesquisas feitos até então sobre um assunto, também merecem destaque onde temos como exemplos os livros Perispírito, do Prof. Zalmino Zimmermann [8], O Passe, do Sr. Jacob Melo [9] e Darwin e Kardec, Um Diálogo Possível, (multidisciplinar) da Profa. Hebe Laghi de Souza [10]. Recentemente, foi publicada a obra Introdução à Ciência Espírita, do Prof. Aécio Chagas [11]. O leitor encontrará nessas obras um importante material de pesquisa e referência bibliográfica. Certamente, outras obras também merecem destaque mas a limitação de espaço não permite que citemos todas.

Devido à grande ênfase que o movimento espírita tem dado à pesquisa multidisciplinar envolvendo o Espiritismo, as próximas aulas serão dedicadas à análise das condições para que os resultados desses estudos e pesquisas tenham valor científico, sem deixarem de satisfazer os critérios necessários para serem espíritas.

2. DIVULGAÇÃO DOS TRABALHOS CIENTÍFICOS

Nesta aula vamos, ainda, introduzir o leitor à questão sobre a forma pela qual os trabalhos científicos são divulgados. Isto ocorre, em sua granda maioria, através dos periódicos científicos. Nesse aspecto, como em outros, Allan Kardec demonstrou estar bem à frente de seu tempo. Numa época em que a ciência estava longe da organização que possui hoje, além de agir de forma científica no trabalho de codificação, Kardec propôs a criação da Revista Espírita que teve um grande papel na propagação do Espiritismo, na unificação dos grupos espíritas e no desenvolvimento do conhecimento espírita.

Os periódicos ditos científicos são destinados à publicação de artigos científicos que além de possuírem um formato geral padronizado, seguem um método de seleção para publicação que se constitui no coração da atividade de divulgação científica profissional. Discutiremos, em detalhes, essa metodologia de publicação e seus valores na próxima aula. Aqui, descreveremos as partes que compõem um artigo científico: 1) Título; 2) Autores; 3) Endereço ou afiliação dos autores; 4) Resumo; 5) Palavras chave; 6) Texto principal do artigo subdividido em: a) Introdução; b) Seções descritivas e c) Discussões ou Conclusões finais; d) Apêndice (quando necessário); 7) Bibliografia ou Referências. Veja abaixo uma curta explicação de cada parte:
  1. Título: Frase que apresenta o trabalho de pesquisa descrito no artigo. Deve ser, ao mesmo tempo, informativa e suscinta.
  2. Autor(es): Nome e sobrenome de cada autor ou co-autor do artigo. A ordem dos autores pode refletir a importância de cada um para o artigo, mas isso não é regra geral. Pode-se abreviar os primeiros nomes. O último sobrenome deve ser escrito por extenso.
  3. Endereço ou Afiliação: O objetivo é divulgar as instituições dos autores. Isso ajuda a valorizar os centros de pesquisas tornando-os internacionalmente conhecidos.
  4. Resumo: Um parágrafo deve ser preparado com um resumo do trabalho de pesquisa apresentado no artigo, os métodos empregados e as conclusões principais. O objetivo é fornecer informações básicas para os leitores discernirem se o artigo lhes interessa à leitura.
  5. Palavras chave: algumas expressões que definem o tópico de pesquisa a que se refere o artigo. Isso é destinado à classificação do artigo facilitando os serviços de informação e busca científica.
  6. Texto: Texto propriamente dito do artigo.
    1. Introdução: A introdução deve apresentar um pequeno histórico das pesquisas sobre o assunto contendo sucessos e insucessos das pesquisas realizadas a respeito. Deve conter também as motivações do trabalho. As referências de cada pesquisa ou informação usadas na descrição acima devem ser feitas ao longo do texto e colocadas em sequência no final do artigo.
    2. Seções: Após a introdução, seções contendo os dados medidos, a teoria básica empregada, os cálculos realizados, as novas equações obtidas, as explicações necessárias, etc. devem ser preparadas de forma clara e didática. Figuras e tabelas que ilustram e mostram os resultados da pesquisa são, geralmente, colocadas nestas seções.
    3. Discussão ou conclusão: A análise final do trabalho de pesquisa que está sendo divulgado no artigo deve ser feita e apresentada nesta última seção e consiste na apresentação dos resultados do mesmo dentro dos objetivos previstos pelos autores.
    4. Apêndice: Detalhes demasiadamente técnicos que sobrecarregariam a leitura do artigo, mas que são necessários para a avaliação do trabalho realizado. São colocados ao final, após as conclusões, antes das referências.
  7. Bibliografia ou Referência: Uma lista com todos os artigos, livros e demais obras citadas ao longo do texto. Cada ítem da lista deve conter: nomes dos autores; nome do periódico (se for artigo), do livro ou da mídia onde a referência foi publicada; dados sobre a editora e edição (para livros); número e volume (para periódicos); páginas e ano da publicação. Existem vários padrões para a formação desta lista como por ordem alfabética (de sobrenomes) ou ordem numérica de citação ao longo do texto.
Na próxima aula, iniciaremos a falar sobre os vários tópicos científicos que estão na fronteira com o Espiritismo e discutiremos o chamado método de análise por pares utilizado para avaliar cada artigo científico submetido para publicação.

Referências

[1] A. Kardec, O Livro dos Espíritos, Editora FEB, 76a Edição (1995).
[2] S. S. Chibeni, O Espiritismo em seu tríplice aspecto Parte II 2003, Reformador Setembro, pp. 38-41.
[3] S. S. Chibeni, Ciência Espírita 1991, Revista Internacional de Espiritismo Março, pp. 45-52.
[4] H. C. Miranda, Diálogo Com as Sombras, Teoria e Prática da Doutrinação, Editora FEB, 8a Edição, (1994).
[5] N. S. Pinheiro, Prontuário das obras de Allan Kardec, Editora Edicel, 2a. Edição (1998).
[6] N. S. Pinheiro, Prontuário de André Luiz, Editora IDE (1998).
[7] J. G. Filho, O Indicador, http://www.guia.heu.nom.br/joao_goncalves_filho.htm
[8] Z. Zimmermann, O Perispírito, Editora Allan Kardec (2000).
[9] J. Melo, O Passe, Editora FEB, 2a Edição (1992).
[10] H. M. L. de Souza, Darwin e Kardec Um Diálogo Possível, Editora Allan Kardec (2002).
[11] A. P. Chagas, Introdução à Ciência Espírita, Editora Publicações Lachâtre (2004).

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História & Pesquisa

(Seção em parceria com a "Liga de Historiadores e Pesquisadores Espíritas")

Mande Notícias do Mundo de Lá...


Trechos da excelente matéria publicada na Revista "Isto É" de 10/11/2004, o texto completo está no endereço: ttp://www.terra.com.br/istoe/1831/comportamento/1831_mande_noticias_do_mundo_de_la_01.htm


No bicentenário de nascimento de Allan Kardec, super-best-sellers e outros projetos curiosos colocam o espiritismo na ordem do dia
Eduardo Marini

No ano do bicentenário de nascimento do pesquisador francês Hippolyte Léon Denizard Rivail, conhecido também como Allan Kardec (1804-1869), o codificador das doutrinas espíritas, o Brasil dá sintomas de estar sendo tomado por uma onda rica. Por sua carga de polêmica e mistério, ela desafia a credulidade dos crédulos e o ceticismo dos céticos. Poucas vezes nos últimos tempos os assuntos relacionados ao espiritismo e a suas variações tiveram tanto espaço nas agendas do País. São lançamentos de todos os tipos, simpósios, congressos, livros, minisséries, documentários e até um longa-metragem, que será produzido pela Lumière. E a locomotiva desse movimento, que colocou essa doutrina espírita na ordem encantada do dia, é um fenômeno editorial do outro mundo: espantosos 175 mil exemplares de dois livros do jornalista Marcel Souto Maior, As vidas de Chico Xavier e Por trás do véu de Ísis – uma investigação sobre a comunicação entre vivos e mortos, vendidos nos últimos 12 meses.

O primeiro livro é a biografia de Francisco Cândido Xavier, o brasileiro considerado o maior médium sensitivo do mundo em todos os tempos. Nascido numa família pobre de Pedro Leopoldo (MG), em 2 de abril de 1910, filho de pais analfabetos, Chico tinha a mediunidade mecânica, aquela em que o espírito faz o mediador escrever independentemente de sua vontade. Essa escrita foi definida por Allan Kardec como preciosa, por afastar dúvidas sobre o teor da mensagem. Chico dedicou 74 de seus 92 anos ao trabalho espiritual. Vendeu mais de 20 milhões de exemplares dos 412 livros que psicografou, mas não ficou com um centavo – doou toda a renda para instituições de caridade, num ato registrado em cartório. “Não escrevi nada – ‘eles’ escreveram”, dizia. Quando havia frustração porque as mensagens não vinham, sentava com os visitantes, os consolava e, às vezes, chorava com eles. “Infelizmente, o telefone só toca de lá para cá”, explicava. “Foi o maior. Sua grandeza impossível de ser dimensionada abriu caminho para que todos nós pudéssemos ser tratados com dignidade”, resume o médium Robério Alexandre Bavelone, o Robério de Ogum. “Sou apenas um radinho de pilha. O Chico era a Embratel”, diz o psicógrafo Celso de Almeida Afonso, em Por trás do véu de Ísis. Chico morreu no dia 30 de junho de 2002, mesmo dia da conquista do penta na Coréia/Japão.

Até agora, 35 mil exemplares de As vidas editados pela Rocco e 120 mil retirados dos fornos da Planeta foram vendidos. Para se ter idéia da dimensão do feito, uma tiragem vendida de cinco mil exemplares é considerada bem-sucedida no Brasil. Se fosse CD, a obra teria emplacado o disco de ouro (100 mil exemplares) e estaria caminhando, na velocidade vertiginosa da psicografia, rumo aos 250 mil da platina. O segundo livro, Por trás do véu de Ísis, uma reportagem de fôlego com casos impressionantes de mensagens psicografadas e de outras notícias do mundo de lá, trilha o mesmo caminho. Lançado há apenas dois meses, teve 30 mil exemplares impressos logo de cara. Desses, mais de 20 mil já evaporaram das prateleiras. Souto Maior descobriu histórias capazes de gerar impacto e comoção. ISTOÉ selecionou algumas delas, contadas aqui pelas personagens descobertas pelo autor. Os direitos de As vidas já foram vendidos à Lumière. Em parceria com a Globo Filmes, será transformado num longa-metragem, que deverá ter suas filmagens iniciadas em 2005, e depois numa minissérie. Por trás do véu de Ísis, por enquanto, está negociado para ser a base de um documentário. Aliás, um fato curioso chamou a atenção recentemente. Na quinta-feira 28 de outubro, o deputado federal Luiz Carlos Bassuma (PT-BA), kardecista, incorporou uma entidade em plena Câmara dos Deputados, na presidência da sessão.

Há outros livros importantes na nova safra. Um deles é O grande mediador – Chico Xavier e a cultura brasileira, do antropólogo Bernardo Lewgoy. Mas a maior parte das atenções está, sem dúvida, voltada para os dois best-sellers de Souto Maior, um carioca de 38 anos com a carreira profissional marcada pelo rigor e solidez. Formado na PUC-RJ, foi correspondente do jornal Correio Braziliense no Rio de Janeiro e trabalhou na sucursal carioca de O Estado de S.Paulo. Foi subeditor do Caderno B e da revista Programa, ambos do Jornal do Brasil. Na tevê, chefiou uma das editorias do Fantástico, da Rede Globo, e, como editor executivo, ajudou a implantar o projeto do canal de notícias Globo News. De volta à Globo, agora como roteirista, ajuda a criar a programação dos 40 anos da emissora, para 2005. Nem precisaria ser o cético que é para pisar com credibilidade no terreno movediço das causas espirituais. Nesta entrevista a ISTOÉ, ele explica como abordou o tema e relata episódios em que esteve envolvido em mistérios.

ISTOÉ – Como foi para um cético mergulhar no universo da espiritualidade?
Marcel Souto Maior – As pessoas me cobram: “Mas você não se converteu?” Digo que alguns episódios me balançaram, mas que não posso assumir uma doutrina enquanto não tiver certeza sobre o fator que gera tudo isso. Muitas vezes, encontrei erros, fraudes e pessoas que consideram tudo uma farsa. Relato tudo sem dourar a pílula. Também busco explicações científicas, como a tese da glândula pineal, que seria localizada no centro do cérebro, uma idéia defendida pelo psiquiatra e pesquisador Sérgio Felipe de Oliveira, da USP, fundador do Pineal Mind Instituto de Saúde. Fiz o trabalho com seriedade, a consciência está leve, mas não nego que me deparei também com episódios misteriosos. E até fui envolvido em alguns deles.

ISTOÉ – O primeiro partiu de uma mentira sua para Chico Xavier, não?
Souto Maior – Exatamente. Dez anos atrás, hospedei-me num hotel em Uberaba. Chico estava doente e raramente aparecia no centro. Após dias de plantão, ele surgiu, sentou-se e começou a ler um texto. Estávamos eu e mais cinco pessoas. Aí veio a arrogância do jovem da cidade grande, a arrogância motivada pela ignorância, mas que acabou sendo útil. Parei em frente dele e mandei: “Sou um jornalista do Rio de Janeiro e vim pedir permissão para escrever sua biografia.” Assim, na lata. Ele levantou a cabeça, sorriu e disse: “Só Deus autoriza.” Devolvi: “E Deus autoriza?” Ele deu novo sorriso. “Sim, autoriza. Fale primeiro com os meus parentes e amigos e só depois comigo, pois estou muito doente.” No dia seguinte, como não consegui autorização para entrar na casa, liguei para o filho adotivo dele. “Estou fazendo um painel sobre o espiritismo no País e queria um depoimento seu sobre a obra de Chico.” Mentira. Ele, no entanto, topou receber-me à noite. Começamos a conversar e uma luz acendeu. “É meu pai. Deve estar precisando de mim. Espere um pouco.” Assim que ele saiu, a mão que eu segurava a caneta começou a esquentar violentamente. Queimava. Corri para o quintal em busca de uma torneira. Não achei. Fiquei balançando a mão, até que o filho de Chico surgiu na varanda e falou: “Parabéns, meu pai mandou dizer que seu livro será um sucesso.”

ISTOÉ – E o caso da Tia Lourinha...
Souto Maior – Outro episódio curioso, que começou em setembro de 2003. Tinha voltado de Brasília. O primeiro e àquela altura único livro, As vidas, passava dos 50 mil exemplares vendidos, algo que eu não concebia nem nos melhores sonhos. Me preparava para mergulhar num projeto diferente. Toca o telefone. Era um jovem que conheci em Brasília e que se dizia médium. “Você conheceu Tia Lourinha?” Disse que não. “Pergunte a sua família e me ligue.” Telefonei para o meu pai. “Não”, ele disse. “Tem certeza?”, insisti. “Tenho.” Liguei para a minha mãe. “Claro, filho, era a melhor amiga de sua tia-avó Maria. Não saía da casa da sua avó. Morreu de câncer. Você não deve se lembrar, era um bebê. Mas da Tia Maria você se lembra, não? Por quê?”

ISTOÉ – E aí?
Souto Maior – Disse “te explico depois” e contei o resultado da pesquisa para o rapaz. Ele pede para que eu não revele o seu nome. Ele respondeu: “É que eu psicografei um recado dela para você. A mensagem: “Marcel, meu filho. Eis que do outro lado do rio da vida, volto contente por tudo que vos deu a divindade. Sua tia e seu avô pedem que você persevere na grande luta de divulgar a obra do apóstolo do espiritismo Chico Xavier. Confie em Deus e siga adiante. Porque foste chamado ao trabalho e agora não podes abandoná-lo. Um beijo da Tia Lourinha.”

ISTOÉ – Bom, o outro projeto tomou o rumo da gaveta...
Souto Maior – E lá repousa até agora. Começava ali o Por trás do véu de Isis.

ISTOÉ – Depois de tudo isso, ainda dá para se manter cético?
Souto Maior – Brinco dizendo que nasci com esse defeito de fabricação de jornalista, que é a desconfiança. Entro nas coisas desconfiando e, muitas vezes, saio do mesmo jeito, sem acreditar em nada. Existe uma frase maravilhosa de Kardec que se encaixa no jornalismo com precisão espantosa: “É melhor rejeitar dez verdades do que aceitar uma mentira.” Apenas continuo fiel a Kardec (risos). Mas aprendi muitas coisas com Chico. Ele costumava, por exemplo, questionar os que, como eu, condenavam o assistencialismo de suas campanhas de caridade. “Quando uma casa está em chamas, a gente cruza os braços e espera os bombeiros ou parte em busca de baldes em mangueiras?” Adaptei outra de suas frases para concluir o Por trás do véu de Isis: “Fora da caridade e da solidariedade não há salvação.” Independentemente das crenças, acho que melhorei um pouquinho.

“MEUS FILHOS PODEM NÃO TER ME VISITADO. VOU ESPERAR”

capa_01.jpgUm câncer tirou da dona-de-casa paulistana Juraci Quirino Chaves o mais novo de seus dois filhos, Felipe (na foto, de boné), aos 16 anos, em julho de 1998. Como se fosse pouco, no ano passado, o mais velho, Daniel, 25 anos, foi assassinado. Meses antes, Daniel recebeu um rim doado pela própria mãe. O transplante resolveu um problema que poderia levá-lo à morte.

 Mas, para a violência extrema, não houve remédio. Juraci visitou alguns centros em busca de mensagens de Felipe. A perda de Daniel aumentou a procura. Nos últimos dois anos, ela fez uma peregrinação em busca de “sinais efetivos” dos meninos.

“Da descoberta do câncer à morte do Felipe, eu, ele, Daniel e Brames, meu marido, sofremos por um ano, cinco meses e 11 dias. As horas eu não contei. A gente ainda não tinha encontrado o eixo e veio a pancada do Daniel. Quem perde os pais fica órfão. Quem perde marido ou mulher fica viúvo. E quem perde os filhos? É uma dor tão desconcertante que não tem nem nome. Nenhuma das mensagens que recebi até agora me convenceu de era um de meus filhos. Pode ser, não dá para afirmar, mas sempre cismo com um indício de possível auto-sugestão do médium em razão do que disse antes. Mas devo dizer que vi outras famílias receberem coisas impressionantes, defintivas. Normalmente penso: os contatos existem, mas meus filhos ainda não me visitaram. Vou esperar. Tempos atrás, sonhei que estava com Felipe num lugar bonito e pintei um quadro com a imagem. Daniel estava vivo. Agora, preciso colocá-lo no quadro.”

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Questões e Comentário


Questões Intrincadas sobre o Espiritismo VIII

(Continuação do Artigo iniciado no Boletim 478)


11) Se Jesus é o modelo e ele próprio se referia ao antigo testamento, porque o desqualificamos como “obra imperfeita escrita por seres humanos”?

Por um lado, porque Jesus sabia que a essência dos ensinamentos da Torah - assim como os de qualquer outra religião tradicional, diga-se de passagem - são mais que suficientes para levar qualquer homem à perfeição passível de se conquistar na Terra. Não vinha ele, portanto, para mudar a Lei mas para ensinar aos homens como melhor cumpri-la. Por outro lado, Jesus falava aos Judeus e tinha, por isso mesmo, que buscar nos livros sagrados dos Judeus a essência pura que havia escondida atrás dos relatos históricos, das tradições e dos rituais que nada acrescentavam.

Se o Antigo Testamento fosse realmente todo ele de revelação divina, não poderia ser modificado, pois se isso acontecesse implicaria em aceitar que Deus tivesse revelado algo imperfeito. Mas Jesus, em várias oportunidades, revogou leis do Antigo Testamento, é só ver as passagens em que Ele diz: “aprendeste o que foi dito, eu, porém vos digo”. Poderíamos sustentar a história de Adão e Eva como sendo o primeiro casal humano? Conseguiríamos explicar que mulher foi aquela que Caim encontrou e que povo é aquele para quem fundou uma cidade, fatos acontecidos quando vai para uma outra região após matar seu irmão Abel, filhos únicos do primeiro casal? A Terra ainda é o centro do Universo? O dilúvio universal foi fato acontecido, ou lenda copiada de outros povos?

O fato de considerarmos o Antigo e Novo testamentos obras que sofreram interferências e equívocos devido à traduções, não significa que elas sejam "desqualificadas". O fato de Kardec não estudá-las formalmente não significa que ele as desrespeitava. Esse é um engano muito sério. Um estudo atento ao Espiritismo mostra que Kardec não queria que ele se tornasse outra religião. Kardec desejava que o Espiritismo levasse as pessoas de volta para a vivência dos ensinamentos de Jesus. Mas infelizmente a ignorância ainda vai continuar a fazer essa injustiça com Kardec.

*

Arriscamos a expor a seguinte opinião: Se Kardec tivesse vivido um pouco mais, provavelmente ele teria estudado o Antigo Testamento para estudar os aspectos espíritas do mesmo. O Centro Espírita Allan Kardec de Campinas, SP, possui um curso sobre Antigo e Novo testamento à luz do Espiritismo. Eles possuem um livro didático sobre esses estudos. Citamos isso para mostrar a você que o movimento espírita na atualidade, como em outros tempos, respeita as obras antigas de todas as religiões.

*

O Espiritismo é a única doutrina ocidental que não se considera a única que salvará ou libertará do mal as pessoas. Se a cada um será dado segundo as obras e se mesmo um samaritano que faz o bem obterá o "reino dos céus", o Espiritismo nada mais faz do que repetir e incentivar isso junto a todos. O irmão  já meditou sobre isso? Se não, medite, por favor.

12) O espiritismo nos aproxima de Deus ou estimula o raciocínio e a vontade de conhecer? Precisamos do espiritismo para desejar conhecer, se vivemos numa época onde a razão e a ciência são tão importantes?

O Espiritismo nos estimula o raciocínio e vontade de conhecer. Porém ele nos diz, como antes nos disse Jesus, que, se nos instruirmos é a diretriz do segundo mandamento, nos amarmos é a do primeiro. A razão e a ciência não nos ensinam a amar os outros seres. A religião e a ciência se complementam e isso não se aplica só ao Espiritismo. Ocorre que o Espiritismo é, de todas as religiões, a que mais conformidade encontra com a ciência. E isso faz dele, inclusive, uma religião de mais fácil aceitação entre os homens de ciência.A Bíblia diz: “O Senhor deu aos homens a ciência para que pudessem glorificá-lo por causa das maravilhas dele”. (Ecl 38,6), daí a necessidade de aplicar a ciência à religião para glorificar a Deus.

*

Por que você coloca como contrárias a idéia de "aproximar-se de Deus" e a de "usar o raciocínio e a vontade de conhecer"? Uma e outra coisa são perfeitamente unidas. Por que Deus nos deu inteligência? Sem o raciocínio, somos incapazes de ajuizar sobre nossos atos e por isso somos responsáveis por eles. Então o Espiritismo nos aproxima de Deus e nos estimula a usar o raciocínio e a vontade de conhecer como caminhos para essa aproximação.

A sua primeira pergunta revela, ainda, uma importante questão: O que é "se aproximar de Deus"? Deus não é um objeto nem uma criatura para nos aproximarmos fisicamente dele. Nenhuma religião respondeu essa questão de forma tão clara quanto o Espiritismo! Aproximarmo-nos de Deus significa evoluirmos em Amor e Sabedoria. Jesus disse: "bem aventurados os puros de coração porque verão a Deus" (S.Mateus, cap. V, v. 8.).

*


Mais uma vez, você revela não ter compreendido o papel do Espiritismo, prezado amigo. O Espiritismo não é uma ciência das coisas materiais onde a Física a Química, a Engenharia, a Medicina, etc. cumprem com muita eficiência o seu papel. No Boletim 476 do GEAE você vai encontrar a seguinte colocação do Carlos Iglesias, deste Corpo Editorial: "Na definição de Allan Kardec o Espiritismo é, ao mesmo tempo, uma ciência de observação e uma doutrina filosófica. Como ciência prática, consiste nas relações que se podem estabelecer com os Espíritos; como filosofia, compreende todas as conseqüências morais que decorrem dessas relações”

O Espiritismo, por enquanto, é a única doutrina racional que estuda de forma séria a relação entre o mundo material e espiritual. Portanto, precisamos, sim, do Espiritismo para conhecer as coisas do mundo espiritual.

13) A idéia da salvação ligada ao esforço pessoal e na caridade, não coloca o centro da questão demasiadamente no homem? Ou seja, é o homem que salva a si próprio e não Deus?

Precisamente. Deus nos dá as Leis e seus mensageiros nos ensinam a como cumpri-las. O resto é conosco. Aliás, não vejo que dificuldade o irmão vê nesse ponto. Como dissemos acima, a justiça humana não mais é que pálida emulação da Divina. E, por acaso, algum juiz teve alguma vez o desatino de condenar um inocente à soma das penas de um bando de malfeitores para absolver esses últimos e dizer que estão puros e livres de culpa por causa do sacrifício do inocente? Se é um absurdo tão grande pensar que um juiz humano fizesse isso, o que pensar então de Deus, que  mais que um Juiz perfeito, é o próprio conceito de Justiça?

*

Se a salvação não está em nossas mãos, como explicar: “a cada um segundo suas obras” (Mt 16,27)? O critério da separação no dia do juízo final conforme está em Mt 25, 31-46)? Teria algum sentido a parábola do bom samaritano (Lc 10, 25-37)?

A idéia da salvação ligada ao esforço pessoal à caridade coloca o centro da questão no homem, sim, mas não cabe aqui o advérbio "demasiadamente" e sim a expressão "de forma justa".

A maioria das religiões ditas cristãs colocam a salvação na questão da crença. Dizem elas que, se nós aceitarmos Jesus ou Deus ou a Bíblia, seremos salvos. Note que, mesmo num ato mínimo de aceitar ou não alguma coisa, temos o livre-arbítrio. Podemos reescrever a situação dizendo que "o homem se salvará se aceitar Jesus". Desde o momento em que o destino final depende de um gesto de pensamento e sentimento de nossa parte (a aceitação) então não é Deus ou algo externo que nos salva, mas sim nós mesmos. Portanto, até para as religiões que colocam a salvação na simples questão de crer ou não em Jesus, é o homem que salva a si próprio e não Deus.

No entanto, como a idéia de simples aceitação é incoerente com o bom-senso e justiça, o Espiritismo vai adiante e mostra que não basta aceitarmos a Jesus como o "caminho a verdade e a vida", já que "ninguém vai ao Pai senão por Ele". É preciso trilhar esse "caminho" para chegar ao Pai. É preciso praticar a caridade com o máximo esforço de nossa parte. Ë preciso viver os ensinamentos de Jesus a cada minuto de nossa vida.

Continua no próximo Boletim

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Painel

 

Transcomunicação Instrumental e Espiritismo, Pedro Vieira, Brasil

Caros amigos,

Gostaríamos de seu auxílio na divulgação do evento de estudos e pesquisas espíritas abaixo:

        Data: 21 de novembro de 2004 - Domingo
        Hora: 08:30h às 17:00h
        Local: Centro Espírita Cristófilos - Rio de Janeiro/RJ - Cm transmissão ao vivo pela Internet

Centro Espírita Cristófilos estará promovendo dia 21/11/2004, Domingo, um seminário espírita com o tema: "Transcomunicação Instrumental e Espiritismo", discutindo, na óptica espírita, a comunicação dos Espíritos através de aparelhos eletrônicos.

A transmissão do evento se dará ao vivo pela Internet com voz e vídeo. Também será disponibilizado material completo em transparências via Internet para todos os participantes.

Os interessados do Rio de Janeiro que desejarem participar in loco poderão contactar o Centro Espírita Cristófilos pelo telefone (21) 2539-0978. As vagas são limitadas.

Maiores informações no endereço do GEPEC (Grupo Espírita de Pesquisas Eletrônicas Cristófilos): http://www.cristofilos.org.br/gepec

Atenciosamente,
Muita paz,

Pedro Vieira
Grupo Espírita de Pesquisas Eletrônicas Cristófilos (GEPEC)
Email: gepec@cristofilos.org.br
Coordenador

"Mais tarde, a eletricidade fará sua revolução medianímica, e como tudo será mudado na maneira de reproduzir o pensamento do Espírito, não mais encontrareis essas lacunas por vezes lamentáveis" (Espírito Guttemberg, em Revista Espírita, Abril de 1864)
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GRUPO DE ESTUDOS AVANÇADOS ESPÍRITAS

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