Antes de entrarmos no tema principal deste estudo, é importante tecermos alguns comentários que a princípio podem parecer desnecessários para o desenvolvimento deste, mas não é. Gostaríamos de conceituarmos duas expressões que iremos utilizar, para que fique mais fácil a compreensão de nossas ideias.
A obra de Pietro Ubaldi tem em alguns pontos desafiado a comunidade espírita de tal modo, que enquanto alguns espíritas ilustres, estudiosos da codificação kardequiana a apoiam, outros, não menos importantes, também estudiosos da literatura básica do espiritismo, a rejeitam, vendo nela importantes contradições doutrinárias.
Nós temos a nossa opinião a respeito, no entanto, aqui não nos manifestaremos visto não ser do interesse deste estudo, e também por que o que quer que seja que tenhamos a comentar não passará de opinião pessoal, e opinião pessoal tem sempre importância relativa.
Queremos apenas nos apropriar dos conceitos de dois termos usados por Ubaldi objetivando melhor nos expressar. São eles Sistema e Antissistema.
Por Sistema entendemos o Universo original criado por Deus no primeiro instante; o Universo espiritual onde inexiste a matéria e vige exclusivamente a Unidade Divina que se expressa através da Lei Amor. Poderíamos como sinônimo de Sistema falar em Reino de Deus ou dos Céus, conforme o dizer de Jesus, ou ainda Mundo Espiritual como fala a codificação espírita.
Ao optarmos por usar Sistema ao invés dos outros termos aqui citados, é porque com o decorrer dos tempos estas expressões perderam seu significado original. Quando falamos em céu, a primeira coisa que comumente vem no pensamento da maioria das pessoas é a ociosidade, ou ainda, anjos privilegiados que vivem em imensa monotonia. Já Mundo Espiritual, expressão usada pela comunidade espírita, também pode ser confundida com "colônias espirituais" como Nosso Lar, Alvorada Nova, Novos Horizontes, entre outras tão comuns em nossa literatura sobre o mundo invisível.
Não é este também o conceito que queremos usar, pois nas colônias espirituais também existe matéria, mesmo que em diferentes dimensões, e por Sistema entendemos, como já dissemos, o Universo Imaterial inicialmente criado por Deus antes de ser criada a matéria e tudo que veio com o aparecimento desta.
Antissistema é justamente o oposto de Sistema, é o Universo físico propriamente dito. Nele está presente com intensidade a dualidade, as contradições e os paradoxos inerentes à existência material. É o mundo em que vivemos.
Não temos na atualidade devido à nossa pouca evolução espiritual, condições de compreender o Sistema; sua realidade nos escapa pois situa-se em dimensões muito superiores àquela que conseguimos alcançar. Porém, não é por isso que vamos dizer que ele inexiste.
Feito este breve esclarecimento, podemos então entrar no tema de nosso estudo.
Muito temos sido questionados sobre as traduções do Evangelho. Por várias vezes nos perguntam sobre qual a melhor tradução dos textos canônicos, qual a que espelha de forma mais fiel o texto original.
Esta resposta é bem complexa, e nós não nos achamos em condições de respondê-la, pois apesar de nosso constantes estudos e pesquisas no campo do Evangelho, não somos conhecedores em profundidade nem do grego, que é o idioma original em que os evangelhos atuais foram escritos, nem muito menos do hebraico e do aramaico, em que foram vividos.
Deste modo, para que estes que nos questionam não ficassem sem resposta, fomos buscar em nosso orientador Emmanuel a resposta para esta questão.
No Livro o Consolador é feita a mesma pergunta para este iluminado Espírito, como citamos:
Pergunta 321 – Qual a edição dos Evangelhos que melhor traduz a fonte original?
Ao que Emmanuel com a sabedoria que lhe é peculiar inicia respondendo:
A grafia original dos Evangelhos já representa em si mesma, a própria tradução do ensino de Jesus considerando-se que essa tarefa foi delegada aos seus apóstolos...
Esta resposta só neste início, pois ela continua no livro citado, já é bem significativa...
O Evangelho é, ao nosso ver, a Carta Magna do Sistema. Jesus é um Espírito do Sistema e é segundo o dizer do próprio Emmanuel e de outros Espíritos superiores que nos orientam, o responsável espiritual pelo planeta Terra desde suas origens há alguns bilhões de anos atrás.
A Mensagem Crística do Evangelho está, deste modo, em uma dimensão muito acima do que podemos alcançar em matéria de entendimento, por isso dizemos que Jesus teve que adequar esta mensagem para nós Espíritos do Antissistema.
Jesus foi, portanto, o primeiro tradutor do Evangelho, pois decodificou para nós o que não compreenderíamos sem Sua superior adequação. (grifamos, pois consideramos que o Evangelho é em última instância, de Deus)
Assim, o Evangelho que temos é o máximo que cada um de nós pode compreender da revelação definitiva do Céu de acordo com o estado evolutivo individual de cada um. Por isso existem tantas interpretações, tantas filosofias, tantas religiões, todas baseadas no mesmo Texto Sagrado.
A segunda tradução dos Evangelhos foi feita pelos próprios evangelistas, como nos lembra Emmanuel, visto que Jesus mesmo nada escreveu.
Deste modo, mesmo o os textos originais do Evangelho em seu idioma original já eram uma tradução. É como se hoje após uma palestra de um orador qualquer, fôssemos transcrever sua palestra para o papel; por mais fiéis que fôssemos não conseguiríamos retratar exatamente o que foi dito pelo orador.
Quanto às versões atuais a questão se torna ainda mais complexa. Vejamos...
Jesus, ao que temos aprendido, em suas relações comuns com o povo, falava em aramaico, o que nos leva a crer que ele pensava em aramaico. Quando ele ia comentar as escrituras nas sinagogas o idioma usado era o hebraico, pois a leitura das escrituras só podia ser feita em hebraico. Se, portanto, ele quisesse se comunicar com o povo a respeito da Torá, tinha que ler em hebraico e já traduzir para o aramaico.
À exceção dos primeiros manuscritos de Mateus, escritos em aramaico, os Evangelhos que chegaram para nós, mesmo o de Mateus, foram escritos em grego; ou seja, os evangelistas tiveram que, já na origem traduzir os pensamentos e palavras de Jesus para outro idioma, neste caso o grego.
Àquele tempo não existia a imprensa mecânica, nem, muito menos, a editoração eletrônica, e para que os evangelistas dessem a conhecer a sua obra, não bastava dar um comando no computador para que fossem impressas milhares de cópias idênticas, todas no mesmo formato.
As reproduções tinham de ser feitas manualmente, por copistas nem sempre preparados para tal mister. Os textos eram escritos com palavras sem acentuação gráfica, sem pontuações, e até mesmo sem separação entre elas, o que dificultava em muito o ato de reproduzir cópias, aumentando bastante a chance de erro.
Imaginemos o que poderia acontecer, e o que aconteceu, quando um copista enganava-se no ato de copiar às vezes excluindo uma ou outra palavra, e esta cópia viesse a servir de matriz para inúmeras outras…
Acontecia ainda que alguns estudiosos dos manuscritos realizavam "notas explicativas" ou "notas laterais" nos manuscritos, o que hoje conhecemos como notas de pé de página. Muitas destas notas foram incorporadas ao texto como se fizessem parte dos manuscritos originais.
As reproduções aconteceram assim por séculos, até o surgimento da imprensa.
Mais tardes os textos vieram a ser traduzidos para o latim, e depois para o alemão, francês, inglês, português etc.
Sem contar os erros ocasionais, ou os interesses de teologias diversas, cada idioma tem as suas características e as suas figuras de linguagem. Deste modo, perguntamos, pode haver uma tradução perfeita dos livros do Evangelho? E o que é mais importante, há como interpretar seus ensinamentos de forma literal?
A princípio muitos podem desanimar dos estudos do Evangelho e dizerem que estamos tirando a autoridade dos textos atuais, mas não estamos.
Continuemos lembrando Emmanuel em sua resposta à questão inicial:
Importa observar que os Evangelhos são roteiro das almas, e é com a visão espiritual que devem ser lidos…
Acontece que o Evangelho é uma revelação divina, e Deus para fazer chegar até nós suas Leis, tem prepostos perfeitos, Espíritos dedicados encarregados de inspirar os homens nos momentos certos as realizações certas.
Apesar do respeito e admiração que temos a outros reveladores como Moisés, Buda, Lao Tse, entre outros, particularmente achamos que o Evangelho é de todas a mais importante revelação, deste modo, Os Espíritos evangelistas não faltariam, como não faltaram, no auxílio para que o essencial da Mensagem Superior de Jesus não sofresse qualquer perda.
E para que entendamos e nos apropriemos desta Sua Superioridade, basta nos aproximarmos dele "com intenção sincera de aprender[1]", aumentando nossa vibração e sintonia com as correntes mentais superiores, para assim alcançarmos cada vez mais a compreensão das lições que dizem respeito ao Reino de Deus ou ao Sistema original para o qual fomos criados.
Assim, continuemos ouvindo Emmanuel:
Sendo razoável estimarmos, em todas as circunstâncias, os esforços sinceros, seja qual for o meio onde se desdobram, apenas considerarmos que, em todas as traduções dos ensinamentos do Mestre Divino, se torna imprescindível separar da letra o espírito.
Referência Bibliográficas:
Xavier, Francisco Cândido pelo Espírito Emmanuel. O Consolador, 1941, FEB, Questão 321
[1] O Consolador, questão 321