Noções gerais sobre a obra “o céu e o inferno”

O meio cultural em que vivemos funciona, no panorama dos nossos valores, crenças, interesses, opiniões e visões de mundo, como uma espécie de oxigênio essencial a nutrir a grande massa de pensamentos e paradigmas de comportamentos de toda uma nação. A cada segundo, em qualquer ponto do globo terrestre, multidões são movimentadas pelos ventos culturais da língua, da filosofia, dos conflitos, do nacionalismo, da economia, da arte, das religiões, do esporte, das lideranças políticas etc. Nascemos imersos e impregnados por padrões culturais, muitos deles seculares, que acabam por ditar a forma como devemos agir, analisar situações, planejar atitudes, aplaudir ou censurar atos próprios e alheios. Uma espécie de regramento impositivo de vida e de morte.

Imagine, neste contexto, o impacto de uma ideia milenar, abonada por grandes mestres e santos, que assegure, com convicção, a existência de eternidades antagônicas de luz e alegrias ou, de outro lado, de fogo e suplícios, constituídas exclusivamente a partir do modo como alguém caminhou pela vida, na curta estrada de espaço-tempo que medeia o berço e o túmulo.

Céu e inferno são categorias conceituais e dogmáticas que se impuseram a todos os que nasceram no mundo cristão nos últimos dezessete séculos (desde que o cristianismo foi adotado como religião oficial do império romano). Engana-se quem acredita que foram extraídas diretamente dos livros sagrados, embora não se negue a inspiração deles. Uma rápida incursão na história do pensamento cristão não encontrará, nos dois primeiros séculos do cristianismo, menção enfática a essas condições. Surgem de forma suave nos ensinos de Clemente de Alexandria e de Orígenes, no terceiro século, com menção a um “inferno espiritual” temporário, cujos males seriam oportunamente cobertos pela bondade divina. Quisera tivessem parado por aí. No quinto século, porém, despontam os radicalismos centrados na natureza física e eterna do inferno, para onde marcham, primeiramente, todos os não batizados (pagãos). Parece certo que propósitos maiores e pouco dignos ditaram essa postura: a cooptação pelo medo e a subordinação cega à autoridade temporal da Igreja, cujos representantes “falavam em nome de Deus”. Os papas, documentos conciliares e a doutrina dos teólogos medievais encarregaram-se de acentuar a “cultura do inferno”, local de tortura perene das almas e ranger de dentes, do qual seria possível escapar por meios salvadores, monopolizados pela Igreja, como o sacramento da confissão. O Concílio de Florença (1439) consagrou, ao mesmo tempo,  os dogmas de vida eterna e de fogo eterno, sob os ventos da cultura renascentista e as precedentes ilustrações de Dante, na Divina Comédia. A ideia não admitia disputa de opiniões. Aos opositores estavam reservados nada menos do que os rigores da Inquisição.

Este é o estofo cultural que levou Kardec, num gesto de extrema ousadia, a publicar a obra “O céu e o inferno”, em agosto de 1865. O prefácio da primeira edição (não repetido em algumas edições francesas posteriores), deixava claro que as bases fundamentais para a compreensão do livro deveriam ser buscadas em publicação anterior, de 1857 (O Livro dos Espíritos). Também o Livro dos Médiuns e o Evangelho Segundo o Espiritismo já haviam sido publicados, à altura, e serviriam de subsídios ao leitor interessado.

Dividida em duas grandes partes (uma doutrinária e outra exemplificativa, com relatos impactantes de casos concretos), o livro surge no mundo editorial, no maremoto da doutrina espírita, como uma “reação formidável ao espírito estacionário ou retrógrado da rotina”, como afirmou Kardec. Era chegada a hora da humanidade experimentar “alimentos mais sólidos para a razão”, produzidos no movimento regenerador encabeçado pela Espiritualidade.

A primeira parte da obra, em estudo comparado, ratifica a imortalidade da alma, combate doutrinas negativas como o materialismo, o niilismo e o panteísmo, escancara os absurdos da fé cega e inaugura uma nova lógica acerca da justiça divina. Retoma, sob bases morais e noções mais justas do bem e do mal, as penalidades e recompensas futuras, compreendidas agora à luz de um novo código penal da vida futura. Passa em revista, ainda, condições, categorias e seres que povoaram o imaginário cultural até aquele momento, como as noções de céu, inferno, purgatório, anjos, demônios etc. O dogma das penas eternas, por exemplo, é refutado por argumentos colhidos das próprias leis da natureza, evidenciando a sua impossibilidade material.

A segunda parte traz casos concretos, colhidos em diversas localidades e pelo trabalho de dezenas de médiuns. De cada experiência emanam luzes lançadas sobre a passagem entre a vida material e a espiritual, bem como sobre a situação da alma após a morte. No dizer de Kardec, um verdadeiro “guia de viagem, antes de adentrar em país novo”, com informações seguras sobre motivos de esperança e consolação que fortalecem a fé no futuro e na justiça de Deus.

Já leu a obra? Não perca tempo! Leitura imprescindível!

Bibliografia: KARDEC, Allan. O céu e o inferno.

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