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Primeiro grupo espírita da internet

Desmistificando o umbral

desmistificandoumbralEm setembro de 2010 ocorreu o lançamento do filme “Nosso Lar” baseado no livro homônimo do espírito chamado André Luiz, digo “chamado” pois, poucos sabem mas este não é seu verdadeiro nome. O filme, muito bem feito por sinal, como no livro, retrata as experiências do espírito no seu despertar e adaptação ao plano espiritual, após seu desencarne e, inicia, com cenas fortes e marcantes de uma zona de tormentos e sofrimentos atrozes, escura, trevosa e densa, a que ele - espírito - deu o nome de umbral. E, mais, diz ainda que passou ali sofrendo por um período que é calculado em oito anos terrestres, até ser socorrido e encaminhado, depois do arrependimento.
Logo no início de 2011 eu desenvolvi uma palestra com o título “Desmistificando o Umbral”, com o objetivo de acalmar algumas pessoas, na maioria espíritas, que se assustaram com as cenas do “dito” umbral. Diziam: “Meu Deus!! Eu não quero ir para o umbral, mas André Luiz que era médico foi, então, imagine eu que sou uma pessoa simples e pecadora”?! Tive oportunidade de realizar esta palestra inúmeras vezes e notar o alívio de muitas pessoas que, por se deixarem envolver pelas emoções e crendices irracionais de pecados e culpas, acreditavam verdadeiramente que, no seu desencarne, iriam para o tal umbral. O que denota um certo contrassenso e muita falta de estudo da Doutrina Espírita.
Vamos desmistificar o umbral?
Se buscarmos o sentido da palavra "umbral" veremos que ela possui dois sentidos distintos mas correlatos, sendo o primeiro sentido utilizado na arquitetura e construção; e o segundo utilizado na psicofísica (área da psicologia). No primeiro sentido, veremos que “umbral” é de etimologia espanhola e é o nome da pedra que se coloca na parte de baixo de uma porta, como demarcação de separação entre os dois ambientes. Em português, essa pedra também pode ser chamada de umbreira ou soleira, mas o local que ela ocupa – ou seja, a passagem entre dois ambientes – é chamado de umbral.
Devido a este primeiro sentido, a palavra “umbral” foi usada para designar o objeto de estudo da psicofísica, na observação do estímulo físico pela mudança de intensidade da luz, para que a alteração seja perceptível para o espectador. Neste contexto, o termo umbral ganha, então, os sentidos conotativos de “penumbra” e “escuridão”.
Assim sendo, da união dos sentidos de “passagem” e “escuridão”, o espírito André Luiz utilizou este termo para nomear o “estado ou lugar transitório” por onde, segundo ele, após o desencarne, teoricamente passam as pessoas que se comprometeram em suas vidas na Terra, o que pode ser constatado em um trecho do capítulo 12 do livro Nosso Lar , titulado “O Umbral”, onde um mentor espiritual de nome Lísias, diz: “(...) O Umbral funciona, portanto, como região destinada a esgotamento de resíduos mentais; uma espécie de zona purgatorial (...). Concentra-se, aí, tudo o que não tem finalidade para a vida superior (...).
Sinceramente, no meu entendimento de “livre pensador espírita”, essa afirmativa de zona de sofrimento é mais para atender aos anseios das crenças católicas de “limbo” e “purgatório” que, infelizmente, estão enraizadas no movimento espírita brasileiro. Isso porque, em realidade, o termo “umbral” não é empregado em nenhuma das obras básicas editadas por Allan Kardec, considerando: O Livro dos Espíritos; O Livro dos Médiuns; O Evangelho Segundo o Espiritismo; O Céu e o Inferno; A Gênese; e ainda todos os volumes da Revista Espírita. Para ser mais correto, há sim uma única menção na Revista Espirita de 1865, num artigo cujo título é “Exéquias de um Espírita”, mas ali o termo é utilizado como a passagem de um plano para outro e não como local de expurgo ou zona de sofrimento e escuridão.
Mas, afinal, o que Kardec apresenta nas suas obras sobre a situação dos espíritos desencarnados no plano espiritual? Há ou não zonas ou regiões especificas destinadas a sofrimentos de espíritos pecadores ou mesmo benesses para os espíritos considerados bons? Lembrando que Kardec foi o maior estudioso da situação dos espíritos no plano espiritual e declara isso neste trecho da questão 257 de O Livro dos Espíritos: (...) interrogamos milhares de Espíritos que, quando na terra, haviam pertencido a todas as classes e posições sociais. Nós os estudamos em todos os períodos de sua vida espírita, desde o instante em que deixaram o corpo; nós os seguimos passo a passo na vida após a morte para observar as mudanças que se operavam neles, tanto nas ideias, quanto nas sensações (...).
Pois bem, em respostas a algumas questões de O Livro dos Espíritos temos as seguintes informações:
a) Q.087. Os Espíritos ocupam uma região determinada e circunscrita no espaço? “Estão por toda parte. Povoam infinitamente os espaços ilimitados. Tendes muitos deles de contínuo a vosso lado, observando-vos e sobre vós atuando, sem o perceberdes (...)”.
b) Q.224. Que é a alma no intervalo das encarnações? “Espírito errante, que aspira a novo destino, que espera”.
c) Q.225. A erraticidade é, por si só, um sinal de inferioridade dos Espíritos? “Não, porquanto há Espíritos errantes de todos os graus. A encarnação é um estado transitório, já o dissemos. O Espírito, quando liberto da matéria, se acha no seu estado normal”.
d) Q.230. Na erraticidade, o Espírito progride? “Pode melhorar-se muito, tais sejam a vontade e o desejo que tenha de consegui-lo. Todavia, na existência corporal é que põe em prática as ideias que adquiriu”.
e) LE 231. São felizes ou infelizes os Espíritos errantes? “Mais ou menos, conforme seus méritos. Sofrem por efeito das paixões cuja essência conservaram, ou são felizes, de conformidade com o grau de desmaterialização a que hajam chegado. Na erraticidade, o Espírito percebe o que lhe falta para ser mais feliz e, desde então, procura os meios de alcançá-lo. Nem sempre, porém, é permitido reencarnar como fora de seu agrado, representando isso, para ele, uma punição”.
f) Q.1012. Haverá no Universo lugares circunscritos para as penas e prazeres dos Espíritos segundo seus merecimentos? “As penas e os prazeres são inerentes ao grau de perfeição dos Espíritos. Cada um tira de si mesmo o princípio de sua felicidade ou de sua desgraça. E como eles estão por toda parte, nenhum lugar fechado existe destinado a uma ou outra coisa”.
g) Q.1013. De acordo, então, com o que vindes de dizer, o inferno e o paraíso não existem, tais como o ser humano os imagina? “São simples alegorias: por toda parte há Espíritos ditosos e inditosos. Entretanto, conforme também já dissemos, os Espíritos de uma mesma “ordem” se reúnem por simpatia; mas podem reunir-se onde queiram, quando são perfeitos.”
No entanto, é no livro O Céu e o Inferno que a ideia de “umbral” como uma zona de sofrimento é também desmistificada por Kardec, principalmente no capítulo III, item 6, onde é descrito o seguinte: “A felicidade está na razão direta do progresso realizado, de sorte que, de dois Espíritos, um pode não ser tão feliz quanto outro, unicamente por não possuir o mesmo adiantamento intelectual e moral, sem que por isso precisem estar, cada qual, em lugar distinto. Ainda que juntos, pode um estar em trevas, enquanto tudo resplandece para o outro, tal como um cego e um vidente que se dão as mãos: este percebe a luz da qual aquele não recebe a mínima impressão". (os grifos meus).
Interessante, não? Dois espíritos podem estar coabitando o mesmo espaço, porém, um pode estar em trevas enquanto o outro está iluminado. O que, na realidade, determina isso são as crenças e o esclarecimento que cada um possui.
Neste sentido, sempre me chamou a atenção alguns livros escritos por pesquisadores não religiosos e tão menos espíritas – na sua maioria médicos -, que em suas pesquisas trataram da questão da continuidade da vida pós morte. Nestes livros é raro encontrar relatos dos pacientes descrevendo trevas nos pós morte, pelo contrário, a maioria fala em luz e prevalência de estados de paz, conforto e uma atmosfera agradável. Aliás, o próprio título dos livros demonstra esta realidade, como por exemplo: O livro: O Túnel e a Luz da Dra Elizabeth Kubler-Ross; o livro: A Luz do Além do Dr. Raymond A. Moody Jr; os livros: Transformados pela Luz e Mais perto da Luz do Dr. Melvin Morse; e do livro: Lições da Luz do Dr. Kenneth Ring.
Também no livro: Recordando Vidas Passadas da Dra Helen Wambach encontramos relatos interessantes de estados de pós morte normais e não aterradores, inclusive com mais de 90% dos pesquisados informando que as mortes foram experiências agradáveis, enquanto os renascimentos é que constituem momentos de desventura e tensão.
Porém, é no livro: Vida-Transição-Vida do Dr. Joel L. Whitton que é médico MD, PHD e Professor de Psiquiatria da Universidade Médica de Toronto no Canadá, que encontraremos vários testemunhos de pacientes descrevendo suas situações nos pós morte. Pelos relatos, percebemos que as “crenças” mantidas em vida refletem diretamente no estado posterior da pessoa, porém, não se encontra neste livro nenhum relato de estados de trevas e escuridão, apesar de relatos de sofrimentos baseado nas expectativas idealizadas, quando ainda em vida.
Entretanto, nesta questão de “desmistificar o umbral”, encontramos nas obras do próprio espírito André Luiz, relatos de situações que, na minha opinião, demonstram uma certa “incoerência” com a afirmativa dele da existência do umbral. São elas:
1) Livro: Nosso Lar – Cap. 19 – A Jovem Desencarnada – “Minha neta demorou-se no Umbral quinze dias, em forte sonolência, assistida por nós. Deveria ingressar nos pavilhões hospitalares, mas, veio submeter-se aos meus cuidados diretos”. - Quinze dias em forte sonolência e ainda assistida, nao me parece uma situação umbralina aterradora como a vivenciada pelo André Luiz no relato da sua experiência.
2) Livro: Os Mensageiros - Cap. 22 – Os que Dormem – “(...) Sim, André, este sono é, verdadeiramente, avançada imagem da morte. Aqui permanecem, com a bênção do abrigo, alguns milhões dos nossos irmãos que ainda dormem, mesmo após o desenlace (...). - Milhões de pessoas dormindo após a morte também não me parece uma situação obscura e trevosa de sofrimentos por conta da consciência, já que também ali é citado que foram criaturas que não se dedicaram ao bem.
3) Livro: Os Mensageiros – Cap. 48 - Pavor da Morte – (...) mas a pobrezinha há seis horas que está dominada por terrível pavor (...). - No relato, a jovem recém desencarnada, apesar do enorme pavor que sentia, não foi para umbral algum e ainda recebeu o amparo dos espíritos socorristas.
4) Livro: Os Mensageiros - Cap. 50 – Desencarnação de Fernando – (...) por favor nobre amigo, ajude-nos a retirar meu pobre filho do corpo esgotado (...). - Este relato é ainda mais emblemático em desmistificar o umbral, pois o Fernando em questão era uma pessoa que estava prestes a desencarnar e acabou recebendo auxílio, apesar de estar acompanhado por espíritos, seus companheiros, de atitudes desregradas, que o aguardavam e com quem ele se afastou após o desenlace.
5) Livro: E a Vida Continua – nao só alguns capítulos, mas todo o livro – “No “Prefácio” o Espírito Emmanuel informa que os personagens citados são reais, “cujos nomes foram naturalmente modificados”. A história é centrada em dois personagens, Evelina e Ernesto, que vem a se conhecerem, ainda na vida física, quando se preparavam para uma intervenção cirúrgica devido a uma doença hepática, comum a ambos, e que os leva ao óbito.
No desencarne, ambos se encontram no plano espiritual em uma instalação parecida com um hospital, porém, sem passar por qualquer tipo de sofrimento trevoso e demoram um tempo para perceberem que já haviam desencarnado. Após a acomodação e entendimento, Evelina reencontra um antigo namorado que ela acreditava ter se matado por amor, mas descobre que este na verdade fora assassinado pelo seu esposo Caio. O rapaz revoltado encontra-se em total desequilíbrio e ela tenta ajudá-lo. Fato interessante é que o rapaz, apesar de desequilibrado, não está preso ao chamado umbral, mas vagando livremente.
Já o personagem Ernesto também passa por duras provações e confessa ter matado um homem durante sua estada na terra. Como assim? Uma pessoa que se acreditava ser um assassino não passa por “umbral” algum e ainda é socorrido? A você, leitor, não parece algo incoerente? Mesmo o Ernesto não tendo matado verdadeiramente outra pessoa, mas o fato dele acreditar nisso, já o faria candidato ao mais denso umbral das descrições de André Luiz, coisa que nao aconteceu.
Encerro este artigo convidando os leitores para conferir alguns testemunhos de espíritos entrevistados por Kardec, inseridos na segunda parte do livro O Céu e o Inferno. Também trago aqui para análise trechos recortados das observações de Kardec na questão 257 de O Livro dos Espíritos, titulado “Ensaio Teórico sobre a Sensação nos Espíritos”, que diz:
“O corpo físico é o instrumento da dor. Se não é sua causa primária, é, pelo menos, a causa imediata. A alma tem a percepção da dor: essa percepção é o efeito. A lembrança que a alma conserva disso pode ser de muito sofrimento, mas não pode provocar ação física. De fato, nem o frio, nem o calor podem desorganizar os tecidos da alma. Ela não pode congelar-se, nem queimar-se”.
“(...) Os sofrimentos físicos que a alma experimentou não deixarão nenhuma lembrança dolorosa; não restará nenhuma impressão desagradável, porque afetou apenas o corpo e não o Espírito. Ficará feliz por estar livre delas, e a calma de sua consciência o livrará de todo sofrimento moral”.
(...) E sob esse aspecto, os homens mais simples foram os que nos forneceram matéria de estudo mais preciosos, porque notamos sempre que os sofrimentos estão relacionados à conduta que tiveram na vida corpórea da qual sofrem as consequências, e que essa nova existência é fonte de uma felicidade indescritível para aqueles que seguiram o bom caminho. Deduz-se daí, então, que àqueles que sofrem é por seu próprio merecimento e só podem queixar-se de si mesmos, tanto neste mundo quanto no outro”.
Concluindo, entendo que o “dito umbral” deve ser considerado apenas como um estado emocional da “passagem” de um plano existencial para outro e uma certa “perturbação” no desenlace do espírito. O tempo de permanência neste estado, dependerá de cada um, da forma como se aceita, seus vícios, suas crenças, seu grau de culpabilidade, como vive sua vida, seus valores, vícios e apegos e, também, principalmente, como encara a morte.
“A morte não é o apagamento da luz; é o ato de dispensar a lâmpada porque o dia já raiou”. Rabindranath Tagore

Texto semanal do amigo, escritor e grande divulgador da Doutrina Espírita, Edson Figueiredo de Abreu para a página do Centro Espírita Amigos do Bem!
 
 
Fonte: GeaE-Facebook - (3) Grupo de Estudos Avançados Espíritas GEAE | Facebook 17/06/2021
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