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História do Cristianismo

História do Cristianismo - Aula 11 - A igreja medieval

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AULA 11 -  A IGREJA MEDIEVAL

O Cisma entre Oriente e Ocidente
Panorama Sócio-cultural da Idade Média
Crenças Básicas e Práticas da Igreja
A Excomunhão e o Interdito
As Ordens Religiosas
A Inquisição

1 - O CISMA ENTRE ORIENTE E OCIDENTE

    Na Teologia e na religião, o período macedônico não deu testemunho de qualquer impulso de vigor criativo como o que as esplêndidas realizações artísticas da épova haviam demonstrado. Não houve novos sinais de intenso zelo religioso que outrora dera origem a acerbas controvérsias doutrinárias, como as que haviam participado arianos e monofisitas. Igualmente não houve tendência de reforma puritana, como a que inspirara o não esquecido movimento iconoclasta.

    De ampla importância, porém, era o movimento crescente entre eclesiásticos bizantinos para desafiar a autoridade do Papado romano, rapidamente a aumentar. O resultado foi um cisma de prolongada significação entre os ramos ocidental e oriental da Igreja Cristã.

    As circunstâncias que levaram ao cisma não eram novas. Uma fonte de disputa nascia de certas diferenças de liturgia e costume eclesiástico, tais como o desejo dos orientais de realizar os serviços religiosos em vernáculo e seu desgosto pela estatuária idólatra. Outro aspecto centralizava-se nas diferenças teológicas relativas à processão do Espírito Santo. Os orientais ortodoxos sustentavam que o Espírito Santo procedia somente do Pai, ao passo que a Igreja Romana acrescentara ao credo a famosa cláusula filioque, o que significava que o Espírito Santo estava ligado não só a Deus Pai, mas também a Deus Filho.

    O ponto crucial, porém, estava em ver se o Patriarca de Constantinopla (equivalente oriental do Papa) e seu clero continuariam a reconhecer a supremacia espiritual do bispo romano, que já desafiara a autoridade temporal do imperador. Essa questão fora suscitada durante o séc. IX por um ambicioso e enérgico eclesiástico bizantino, o Patriarca Fócio, e a disputa que se seguiu já quase produzira uma ruptura. Em 1054, um patriarca bizantino ainda mais ambicioso, Miguel Cerulário, levou a discussão a ponto crítico e o resultado foi a cisão definitiva entre os dois ramos da Igreja, com os partidários de cada lado a se acusarem mutuamente. Excetuando-se breve período de trégua no princípio do séc. XV, o cisma persistiu até hoje.

2 - PANORAMA SÓCIO-CULTURAL DA IDADE MÉDIA

    Sob muitos aspectos, o mundo católico do século XIII pode causar a impressão de perfeita continuidade em relação aos séculos anteriores: a valorização primacial da religião, que colore e impregna a maior parte do universo cultural - a religião católica, exprimindo-se de forma quase semelhante; a estrutura feudal da sociedade; a dificuldade em delimitar os domínios do poder civil e do religioso; a supremacia do papa na ordem religiosa e a do imperador na ordem civil; a disputa entre ambos pela hegemonia; e o caráter predominantemente agrícola da economia.

    Entretanto, numa observação mais cuidadosa, percebe-se que esses traços de continuidade subsistem ao lado de processos de mutação profundamente atuantes. Assim, se a religião católica se mantém no Ocidente e consegue mesmo ganhar terreno sobre suas concorrentes em várias fronteiras, a unidade católica acha-se seriamente ameaçada pelo aparecimento de novas heresias.

    A arte e a religiosidade popular conservam formas de expressão herdadas ao passado. Apresentam, porém, ao mesmo tempo, uma inovação de sentido e de formas extraordinariamente rica. Prevalece ainda a organização basicamente feudal da sociedade. Esse mundo feudal já apresenta, contudo, uma extensa e definitiva constelação de ilhas que lhe escapam e se lhe opõem: as cidades de organização comunal autônoma (cidades francas ou livres). Em seus respectivos campos de jurisdição, o papa e o imperador mantêm a primazia na cristandade. Mas, em certas regiões, diversos grupos leigos contestam a autoridade da hierarquia cristã. E a hegemonia política do imperador, na segunda metade do século, é pouco mais que um simples direito de precedência honorífica entre os príncipes cristãos.

    Finalmente, embora no conjunto da Europa predomine a economia agrícola, muitas áreas geográficas já apresentam acentuado desenvolvimento comercial e urbano. O Ocidente cristão do séc. XIII caracteriza-se pelo encontro de dois mundos: nele subsistem e se entrechocam a antiga civilização feudal, senhorial e teocrática, e as formas que já elaboram uma civilização moderna, urbana e laicizada.

    As diversas manifestações dessa civilização nascente se entrelaçam e se correlacionam. Uma delas, porém, constitui fator dominante:  o desenvolvimento industrial, comercial e urbano, processo fundamental do período que se convencionou chamar Baixa Idade Média. Florescem nos centros urbanos novas formas de expressão artística e religiosa, circulam idéias inovadoras, vêm à luz diferentes modalidades de organização social e de poder político.

    Na maior parte da Europa, o governo municipal é exercido desde o início por um conselho administrativo, composto de representantes das diversas corporações. A nobreza local não se integrou nas cidades, como aconteceu na Itália. Se de início foi favorável a seu estabelecimento, e mesmo lhe concedeu privilégios, passou a lutar contra suas pretensões de autonomia. Mas em geral as cidades saíram vitoriosas. Estavam sob a proteção do poder central: dos príncipes da Alemanha e dos reis nos demais países. Interessavam-se em favorecê-las para limitar o poder da nobreza feudal. Dessa forma, as consequências do desenvolvimento urbano foram paradoxais: a Itália esfacelou-se em pequenas unidades soberanas; na Alemanha, os príncipes se fortaleceram em detrimento da pequena nobreza e do imperador; nos demais países criaram-se monarquias nacionais centralizadas. O feudo, a cidade e o rei tornaram-se, desde então, os três focos do poder político:  da aliança ou da hostilidade entre eles dependia a evolução política da Europa.

    A religiosidade popular do séc. XIII nasceu desse meio urbano em fase de maturação. Assim como a arte das catedrais e a cultura das universidades, mesclava elementos tradicionais e formas novas. O culto dos santos, característico da piedade medieval, foi impulsionado: cada cidade e, no seu interior, cada uma das corporações, tinha um ou mais patronos. Multiplicaram-se as imagens dos santos nas fachadas das catedrais e a Igreja, por meio das cananizações, acrescentou novos nomes à sua lista de santos tradicionais. Como nos séculos anteriores, o culto dos santos se estende às reliquias que deles se conservam e para as quais são construídos santuários especiais que atraíam muitos peregrinos. A peregrinação é outra forma devocional herdada do passado e que se mantém com o mesmo vigor. Mas, na impossibilidade de realizá-la, os fiéis se consolavam com uma peregrinação abreviada: a procissão. Roma, a Terra Santa e Santiago de Compostela continuam sendo os lugares mais concorridos. A eles acrescentaram-se outros, como Cantuária - local do martírio de São Tomás Becket - e o túmulo de São Francisco de Assis.

    O culto de Maria, porém, foi o mais vivo e o que atraiu a sensibilidade religiosa dos fiéis. Ao lado das representações iconográficas herdadas da época romântica - Maria apresentada como rainha, em postura hierática - surgem outras, que se tornarão clássicas na iconografia renascentista: as Madonas, de grande doçura e naturalidade, portando ao colo o Menino Jesus. Ainda no séc. XIII são as formas de devoção tipicamente mariais, como a recitação do rosário, de extraordinária difusão popular.

    A figura de Jesus Cristo também foi objeto de uma devoção amplamente difundida, em duas vertentes principais: culto do Jesus histórico, que se fundia frequentemente ao marial, e o do Cristo presente na Eucaristia. No decorrer do séc. XIII a Igreja instituiu a festa de Corpus Christi com a respectiva procissão.

    Ao lado das expressões religiosas tradicionais, surgiram no séc. XIII novas fórmulas de devoção e um espírito religioso renovador. Em primeiro plano estão as associações e as confrarias: frutos do espírito corporativo que presidiu à organização social das cidades e que não poderia deixar de exercer influência no plano religioso. A vida da Igreja primitiva não se expressa no Novo Testamento como um ideal comunitário  E a insistência no tema da caridade fraterna não é uma constante no Evangelho, sobretudo no de João Assim, os cristãos da época retornam a esses textos com religiosa atenção e assiduidade. No plano da vida religiosa, esses textos servem de orientação a várias novas ordens clericais, sobretudo às mendicantes (franciscanos e dominicanos).

    Entre os leigos nascem inúmeras associações religiosas e algumas enveredam pelo caminho da contestação e da heresia. A maioria delas, porém, dinamiza a vida cristã em todos os seus aspectos: obras de caridade, auxílio mútuo, espiritualidade, colaboração com a hierarquia nas tarefas pastorais e missionárias da Igreja, aprofundamento da instrução religiosa, ascese e penitência. As ordens religiosas - dominicana, franciscana e do Carmo - oferecem ao leigo a possibilidade de uma vivência cristã de profunda intensidade espiritual e moral, sem afastá-lo de suas tarefas temporais. Sobretudo na última década do século, surgem as associações de finalidade penitencial e devocional: procura-se uma espiritualidade compatível com as condições de vida do laicato urbano.

    As confrarias e os quadros corporativos de mais de uma região européia revelavam inspiração evangélica. Integravam, assim, a grande corrente de renovação que movimentou a cristandade católica do séc. XIII e que se caracterizou pela volta ao Evangelho. Esse evangelismo manifesta-se em todas as expressões da vida religiosa: na arte, no culto, na espiritualidade, no pensamento teológico e mesmo na apresentação exterior das igrejas. No culto e na espiritualidade, esse evangelismo se traduz pela tendência acentuadamente cristológica: procura-se no Cristo o modelo de vida. E certos valores do Evangelho, como a pobreza, o despojamento, a humildade, o amor fraterno e o zelo missionário, reencontram seu lugar de destaque na vida cristã.

3 - CRENÇAS BÁSICAS E PRÁTICAS DA IGREJA

    Por toda a Era Medieval, a Igreja Católica Romana manteve o monopólio religioso do Ocidente europeu. Pertencer à Igreja era consequência automática do nascimento e não havia lei ou costume que permitisse a alguém renunciar a ela. A dominação espiritual da Igreja não se estendia à Rússia ou aos Bálcãs, que permaneciam no reino da Igreja Ortodoxa Oriental, mas em todo o resto da Europa alcançava até onde iam as fronterias da própria civilização.

    É impossível compreender o papel e a influência da Igreja Católica Romana na Era Medieval sem a compreensão de suas doutrinas religiosas básicas. Partiam elas da premissa de que a raça humana suporta enorme carga de pecado. Este, em parte, reside na herança que a hunanidade recebeu da culpa de Adão; em parte, é considerado consequência dos maus atos dos indivíduos em suas próprias vidas, pois, embora Deus lhes tenha dado o conhecimento do bem e do mal e a liberdade de escolher entre ambos, sem a assistência divina os homens sempre sucumbem às tentações maléficas.

    Tão grande é essa carga de pecado que os homens, por seus próprios e míseros esforços, nunca a podem expiar. Como, porém, Deus é tão misericordioso quanto justo, Ele mesmo possibilitou-lhes o perdão. Isso se verificou pelo sacrifício de Jesus Cristo, cuja morte ajudou a remir os pecados dos homens. Essa Redenção Divina, entretanto, não assegura aos homens a salvação; apenas torna possível que a obtenham. Para isso, homens e mulheres, individualmente, devem reconhecer seus pecados, arrepender-se e lutar para vencer a tentação de tornar a pecar. Para se ajudarem a fazê-lo, devem submeter-se à administração, pelos sacerdotes, dos sacramentos.

4 - A EXCOMUNHÃO E O INTERDITO

    A arma que os papas utilizavam para pôr de joelhos soberanos seculares era a sentença de excomunhão. Esse severíssimo castigo podia ser imposto pelo Papa em qualquer parte do mundo e pelo bispo dentro de sua diocese, atingindo o pecador que recusasse fazer penitência de seus pecados e submeter-se à autoridade eclesiástica. Uma pessoa assim condenada estava cortada da comunidade cristã. Não podia entrar num templo nem receber os sacramentos e todos os cristãos estavam proibidos de tratar com ela. Tornava-se logo um pária, um leproso espiritual, cuja presença contagiava. Se morresse sem se arrepender, sua alma estava condenada a sofrer os tormentos do inferno até o fim dos tempos.

    Só com grave risco podia um rei persistir em disputa com um Papa, quando este último recorria a essa arma. O próprio rei temeria por sua alma, se fosse excomungado. E, mesmo se quisesse desconhecer o perigo que sua alma corria, não podia ignorar a ameaça e seu poder secular. De fato, excomungado o rei, seus vassalos ficavam libertos dos juramentos que lhe haviam feito e muitas vezes isso era desculpa suficiente para que se rebelassem. Com o passar do tempo, todavia, essa arma demonstrou-se menos eficaz. Famoso o triunfo do Papa Inocêncio III sobre o Rei Filipe II, da França, que obrigou os subservientes bispos a anularem o seu primeiro casamento, para que pudesse tomar em segundas núpcias uma princesa dinamarquesa. O Papa revogou a anulação do primeiro casamento e ordenou que o rei deixasse sua nova mulher, em favor da primeira. Filipe fanfarreou, até que Inocêncio III lhe impôs a sentença de excomunhão. Então, Filipe cedeu, a fim de impedir uma rebelião de seus vassalos.

    Outra arma que o Papa às vezes utilizava - assim como alguns bispos - era o Interdito. Essa sentença se impunha sobre uma comunidade inteira: aldeia, cidade, província ou mesmo todo um reino. Significava que os edifícios da Igreja ficariam fechados, nenhum ofício religioso se realizaria e nenhum sacramento se administraria, exceto os que, como a extrema unção, eram considerados essenciais à salvação da alma, quando estivesse iminente a morte. Às vezes, um bispo impunha tal sentença quando um de seus vassalos se rebelava contra ele. Ocasionalmente, o Papa a impunha - ou ameaçava fazê-lo - quando um rei desafiava a autoridade papal. Sua eficácia vinha do fato de que a punição afetava não só o governante, mas todos os que viviam em seu domínio; a população, aterrorizada com o insólito silêncio dos sinos das igrejas e horrorizada por ver os templos fechados, exerceria enorme pressão sobre o soberano para que se submetesse e, assim, a livrasse do castigo que, por culpa dele, sobre ela pesava.

    O mais famoso interdito da Era Feudal foi o lançado sobre o reino da Inglaterra pelo Papa Inocêncio III, como consequência de uma disputa com o Rei João sobre a nomeação para o arcebispado de Cantuária. Esse interdito permaneceu em vigor por vários anos e só foi retirado quando João se submeteu humildemente.

5 - AS ORDENS RELIGIOSAS

    As múltiplas atividades da Igreja ficavam, ordinariamente, a cargo dos clérigos que faziam parte do clero secular. Caracteristicamente, portanto, o clero regular levava vida retirada do mundo exterior - mesmo dos negócios do governo da Igreja.

    Na história do clero regular, a Era Feudal é pródiga pelo desenvolvimento de diversos grupos monásticos  e pela fundação das novas ordens de frades mendicantes. Após os inícios do monasticismo, surgiram certas tendências que não haviam sido previstas e que produziram graves problemas. Leigos muitas vezes faziam dádivas a mosteiros, pois os monges eram tidos como possuidores de santidade superior, e gradualmente os mosteiros vieram, assim, a ter grandes e ricas posses de terras e outras riquezas. Forneciam estas uma receita que libertava os monges da necessidade de trabalhar na terra para sustentar-se. Os monges que pertenciam a mosteiros tão prósperos estavam ainda sujeitos ao voto de pobreza, pois a riqueza não lhes pertencia, mas aos conventos. Logo, porém, tornou-se difícil ver que espécie de sacrifício esse voto de pobreza envolvia, já que os monges viviam em conforto e abastança. Sem duvida, nem todos os mosteiros ficaram ricos, ainda que moderadamente; mas alguns dos que acumularam grandes dotes caíram vítimas de escandalosos abusos, notórios pela indolência, imoralidade e dissipação geral de seus membros.

    Por outro lado, livres da necessidade de trabalhar, em alguns conventos os monges dedicaram-se à manutenção de escolas, bem como ao trabalho de copiar manuscritos, numa época em que todos os manuscritos, sagrados e profanos, eram produzidos em cópia pelos monges.

6 - A INQUISIÇÃO

    Durante os primeiros séculos da Era Feudal, as heresias virtualmente desapareceram, por ser a vida intelectual dos Tempos Obscuros por demais fraca para produzir grandes disputas teológicas. Mas, na última parte da Era Feudal, apareceram várias heresias, algumas das quais se tornaram grave ameaça para a Igreja. Eram elas de duas espécies: heresias anticristãs, que atacavam as bases da religião cristã, e heresias anti-clericais que discutiam o papel tradicional do clero, embora não a fé cristã básica.

    O evangelismo do séc. XIII aparece frequentemente aliado a formas heterodoxas de religiosidade, determinando uma atitude de desconfiança por parte das autoridades da Igreja. Elemento comum a esses movimentos foi a afirmação extremada da auto-suficiência do leigo, como reação à autoridade avassaladora da hierarquia. De forma paradoxal, esse laicismo se prende historicamente a iniciativas da própria Igreja, durante a querela das investiduras: para fazer frente ao poderio do imperador, ela incentivara os fiéis a reclamarem o direito de participar nas eleições episcopais.

    A mais famosa das heresias anticristãs foi a dos cátaros, ou albigenses. As mais importantes entre as heresias anti-clericais foram as dos valdenses, dos hussitas e dos lolardos.

    A cristandade ocidental reagiu de três maneiras à ameaça representada pela heresia. De início, tentou liquidar o problema militarmente, quando em 1208 após ter sido  assassinado o legado pontifício, Pedro de Castelnau, o papa Inocêncio III apelou à Cruzada, convocando os príncipes cristãos e garantindo aos que dela participassem os mesmos benefícios espirituais e temporais ligados à Cruzada de libertação da Terra Santa. Nessa campanha, os interesses políticos e econômicos tiveram nítida predominância. Ela terminou pela vitória dos cruzados, que logo se apoderaram dos territórios dos albigenses e dos senhores feudais que os protegiam. Mas o resultado não foi o esperado pelo papa, pois a heresia continuou a progredir: apoiava-se em causas religiosas e sociais bastante profundas. Depois, utilizou-se de pregadores para persuadir os hereges:  foram escolhidos os monges cistercienses, de comprovado saber teológico, recebendo o título de legados pontifícios. Mas o êxito dessa pregação foi bastante limitado. Além de ter seus movimentos cerceados pela conivência dos senhores feudais, os prelados não conseguiam utilizar uma linguagem que realmente atingisse a população. Embora saíssem vitoriosos dos debates públicos, a heresia continuava seu caminho. Finalmente, o papa recorreu à pressão judicial, estabelecendo a Inquisição.

    Essa instituição apareceu primeiro em 1203, quando o Papa Inocêncio III mandou especiais juízes papais inquirirem casos de heresia em certos locais em que os tribunais dos bispos pareciam incapazes de colocar-se à altura de sua rápida difusão. Essas novas cortes mostraram-se muito mais eficazes do que os tribunais episcopais efetivos e, em consequência, em 1229, foram transformadas em instituição permanente para o fim específico de lidar com a heresia.

    Por essa razão, o Papado retirou dos bispos locais a responsabilidade principal de suprimir a heresia. Não só se estabeleceram novos tribunais, com juízes diretamente responsáveis ante o Papa, como os governos seculares foram induzidos a tomar medidas mais severas em apoio à campanha contra a heresia, e meios cruéis, incluindo o uso da tortura, se empregaram para descobrir herejes e infundir terror nos corações dos que se inclinassem a aderir a movimentos heréticos.

    O auge da Inquisição papal foi alcançado nos princípios do séc. XIII. Os tribunais da França do Sul e da Itália do Norte eram os mais atarefados, mas a instituição espalhou-se pela maior parte do continente e os processos continuaram durante toda a Era Feudal, e principalmente na Espanha, onde tomou o nome de Santo Ofício, criou fortes raízes e tornou-se instituição poderosíssima, que deixou lúgubres recordações, a que estão ligados os nomes dos dois grandes inquisidores Torquemada e Ximenes.

    Até cerca de 1500, a Igreja conseguiu reprimir pelo menos as manifestações públicas de todas as heresias importantes. A religião da Europa Ocidental, a Cristandade Romana, era uma unidade, na doutrina e na prática, assim como na sua organização hierárquica. No século que se seguiu à morte de João Huss, entretanto, as divergências religiosas se multiplicaram e se tornaram difíceis de suprimir. Com a obra de Martinho Lutero (1483-1546), que desafiou a autoridade doutrinária e eclesiástica da Igreja pouco após a passagem  do séc. XVI, essa impressionante unidade foi destruída; a Cristandade ocidental partiu-se em muitos fragmentos.


(1) Monofisitas - Adeptos da doutrina que admitia em Jesus Cristo uma só natureza.
(2) Liturgia - O culto público e oficial instituído  por uma igreja; ritual.
(3) Vernáculo - O idioma próprio de um país.


TEXTOS EXTRAÍDOS DE:

Enciclopédia Barsa.
Enciclopédia Britânica.
SAVELLE, Max. História da Civilização Mundial. Vol. II
Atlas Histórico e Geográfico.
Dicionário Prático Ilustrado. Lello & Irmãos Editores, Porto.


              ANEXO
                      HERESIAS MEDIEVAIS

    CÁTAROS OU ALBIGENSES - A seita Cátara não pode ser considerada propriamente uma heresia cristã. Foi, antes, o ressurgimento do Maniqueísmo na Europa - doutrina originária da Pérsia. Eram chamados de Cátaros em razão de uma palavra grega que significava purificados e, às vezes, de albigenses, em razão de sua preponderância na cidade de Albi, na França Meridional. O culto teve seu surgimento mais notável na Europa Ocidental do séc. XII.

    A doutrina do catarismo  derivou da velha concepção religiosa persa de um dualismo entre os espíritos do bem e do mal. De acordo com essa concepção, dois poderes ou princípios cósmicos estavam envolvidos em gigantesca luta em todo o universo. Um era o princípio do bem, identificado com o reino do espírito. O outro era o princípio do mal, identificado com o mundo material. Sua luta se reproduzia na existência de cada ser humano, pois a alma do homem pertencia à força do bem, ao passo que o corpo humano era posse da força do mal. Essa doutrina implicava uma ética da mais austera renúncia da carne. Em rigorosa lógica, o suicídio seria a mais meritória das ações humanas, representando o completo triunfo do espírito sobre a carne.

    No ápice do movimento, que se verificou no início do séc. XIII, os cátaros tinham uma completa organização, com padres e bispos. Mas seu clero não formava uma casta rigidamente separada, acima dos leigos.

    VALDENSES - Outras heresias surgiram do protesto de homens pobres e humildes contra a pompa, o orgulho e a riqueza ultra-gritantes da hierarquia eclesiástica. Uma das mais importantes heresias anticlericais foi a dos valdenses, ou os pobres de Lião. Seu nome vem do seu fundador, Pedro Valdo, de Lião, na França. Como Francisco de Assis, era ele um homem de posses que experimentou profunda conversão religiosa, a qual o levou a distribuir sua riqueza e a começar a pregar à gente comum.

    Sua doutrina expressava simplesmente a opinião de que o clero se preocupava menos com a religião do que com a riqueza e o orgulho de sua posição. Logo, porém, o clero estabelecido declarou herético o movimento, com base em que ele permitia pregação aos leigos, e assim implicitamente negava o monopólio sacramental dos padres ordenados. Com o correr do tempo, além disso, os valdenses vieram a sustentar certas práticas e idéias que estavam em clara oposição aos ensinamentos da Igreja. Por exemplo, confessavam seus pecados uns aos outros, e essa prática vinha ferir a doutrina sacramental de que a confissão devia ser feita a um padre ordenado, como condição de receber a penitência. Os valdenses, também, mantinham a idéia, comum a várias seitas heréticas, de que os ritos sacerdotais não tinham qualquer efeito, quando o próprio padre estivesse em pecado. Esta era uma idéia que a Igreja não podia admitir, pois negava o princípio de que os sacramentos são um milagre, realizado por força sobrenatural e não pelo poder do padre como homem.

    LOLARDOS - Os lolardos eram membros de um movimento herético inglês inspirado nos ensinamentos de um notável sacerdote inglês, João Wyclif (aprox. 1324-1384). Embora padre, autor de uma tradução inglesa da Bíblia, Wyclif passou a maior parte de sua vida denunciando a corrupção, a riqueza e a arrogância clericais. Sua mais antiga prescrição para reforma da Igreja era privar os eclesiásticos de toda e qualquer propriedade. Quando seus adversários arguíram que o clero devia ter uma posição de especial dignidade por ser encarregado de especiais poderes sacramentais, Wyclif pôs em dúvida a validade dos sacramentos, incluindo mesmo a Eucaristia. Os poderes sacramentais concedidos ao clero, ensinava ele, estavam na dependência da pureza de vida do clérigo. Apesar da ousadia de suas concepções, o próprio Wyclif não foi molestado, pois dispunha de poderosa proteção leiga.

    HUSSITAS - Os hussitas eram membros de um movimento herético que floresceu na Boêmia, parte da ex-Tcheco-Eslováquia. Seu mestre foi João Huss, sacerdote de Praga, que foi queimado na fogueira em 1415, como punição por haver difundido doutrinas heréticas. As idéias de Huss e seus seguidores eram tão semelhantes às de Wyclif e seus discípulos lolardos na Inglaterra, que podem ser encaradas como praticamente idênticas. O movimento hussita teve significação política, além de religiosa, pois tornou-se expressão do nascente nacionalismo boêmio dirigido contra o domínio alemão na Boêmia.

 


  Fonte: BOLETIM GEAE | ANO 09 | NÚMERO 418 | MAIO DE 2001
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