Embora associemos o Natal ao nascimento de Jesus, a tradição da festividade remonta a milênios. As origens do Natal vêm desde dois mil anos antes de Cristo. Tudo começou com um antigo festival mesopotâmico que simbolizava a passagem de um ano para o outro, o Zagmuk. Para os mesopotâmicos, o Ano Novo representava uma grande crise. Devido à chegada do inverno, eles acreditavam que os monstros do caos se enfureciam e Marduk, seu principal deus, precisava derrotá-los para preservar a continuidade da vida na Terra. O festival de Ano Novo, que durava 12 dias, era realizado para ajudar Marduk em sua batalha.
A mesopotâmia inspirou a cultura de muitos povos, como a dos gregos, que assimilaram as raízes do festival, celebrando a luta de Zeus contra o titã Cronos. Mais tarde, por intermédio da Grécia, costume alcançou os romanos, sendo absorvido pelo festival chamado Saturnália, pois era em homenagem a Saturno. A festa começava no dia 17 de dezembro e ia até o 1º de janeiro, comemorando o solstício do inverno. De acordo com seus cálculos, o dia 25 era a data em que o Sol se encontrava mais fraco, porém pronto para recomeçar seu crescimento e espalhar vida por toda a Terra.
Durante a data, que acabou conhecida como o Dia do Nascimento do Sol Invicto, as escolas eram fechadas e ninguém trabalhava. Eram realizadas festas nas ruas, grandes jantares eram oferecidos aos amigos, e árvores verdes – ornamentados por muitas velas – enfeitavam as salas para espantar os maus espíritos da escuridão. Os mesmos objetos eram usados para presentear uns aos outros.
Depois de Cristo
Nos primeiros anos do Cristianismo, a Páscoa era o feriado principal. O nascimento de Jesus não era celebrado.
No século IV, a Igreja decidiu instituir o nascimento de Jesus com um feriado. Mas havia um problema: a Bíblia não menciona a data de seu nascimento. Então, apesar de algumas evidências sugerirem que o nascimento de Jesus ocorreu na primavera, o Papa Júlio I escolheu 25 de dezembro. Alguns estudiosos acreditam que esta data foi adotada num esforço de absorver as tradições pagãs da Saturnália.
A maior parte dos historiadores afirma que o primeiro Natal, como conhecemos hoje, foi celebrado no ano 336 d.C. A troca de presentes passou a simbolizar as ofertas feitas pelos três reis magos ao menino Jesus, assim como outros rituais também foram adaptados.
Hoje, as Igrejas Ortodoxas grega e russa, celebram o Natal no dia 6 de janeiro, também referido como o “Dia dos Três Reis”, que seria o dia em que os três magos teriam encontrado Jesus na manjedoura.
Data Provável do Natal
Lemos no Evangelho de Lucas: “E aconteceu, naqueles dias, que saiu um decreto da parte de César Augusto, para que todo o mundo se alistasse. Este primeiro alistamento foi feito sendo Quirino governador da Síria.”[1] César Augusto reinou de 30 a.C a 14 d.C.
Mas o censo ocorreu em 6 d.C., o que permite ver que a determinação da data está historicamente imprecisa. Há, no entanto, uma tradução proposta, segundo a Bíblia de Jerusalém: “Esse recenseamento foi anterior àquele realizado quando Quirino era governador da Síria.”
Jesus nasceu antes da morte de Herodes, morte esta que aconteceu em 4 a.C., provavelmente entre 8 e 5 a.C. A chamada Era Cristã foi estabelecida por Dionísio, o pequeno, apenas no século 6 e é fruto de um erro de cálculo.
Quando Jesus iniciou o seu ministério ele tinha provavelmente 33 anos, ou até 36. E Dionísio, o pequeno, considerou como se ele tivesse 30 anos, embora Lucas (3:23) fale em “mais ou menos 30 anos”.
Neste ponto a revelação espírita pode, como em tantos outros, contribuir com os historiadores.
Humberto de Campos, em mensagem psicografia por Chico Xavier e publicada em Crônicas de Além-túmulo, aponta o ano 749 da era romana como sendo o ano do nascimento de Jesus, o que corresponderia ao ano 5 a.C.
Do mesmo modo, Emmanuel informa-nos em Há 2000 Anos que o ano da crucificação de Jesus foi o 33 a.C. Sendo assim, portanto, Jesus iniciou o seu ministério com 34 ou 35 anos e desencarnou com 37 ou 38.
Um Significado Espiritual
Diz, então, a sequência do Evangelho de Lucas: “E todos iam alistar-se, cada um à sua própria cidade. E subiu da Galileia também José, da cidade de Nazaré, à Judeia, à cidade de Davi chamada Belém (porque era da casa e família de Davi)”[2]
Belém situa-se a 6 quilômetros de Jerusalém e a 800 metros de altitude, nos montes da Judeia. Por isso a expressão “subiu da Galileia à Judeia”.
Buscando o sentido espiritual do Evangelho, podemos entender Nazaré como sendo nossas vivências na área da razão. É o racional que hoje, no dia a dia, fala mais alto em nossos procedimentos.
Belém seria assim, a representação de nosso encaminhamento levando em conta o sentimento equilibrado, a intuição, ou o amadurecimento da própria razão pelo equilíbrio desta, através da vivência, com o emocional.
O nascimento de Jesus em Belém significaria, assim, o início de uma nova era em que a justiça se converte em amor, e o racional é espiritualizado através de seu perfeito equilíbrio com o emocional.
Historicamente, não há certeza sobre Jesus ter nascido em Belém ou Nazaré. O que realmente importa, porém, é apropriarmos de seu sentido reeducativo, é saber que, para que o Cristo nasça em nossa intimidade é necessário agir equilibrando sentimento e razão, intelecto e moral, conhecimento e aplicação. Pois, se no plano horizontal necessitamos da ciência em nossas movimentações cotidianas, para verticalizarmos nossas conquistas não podemos prescindir de uma moral elevada consoante os ensinamentos contidos no Evangelho.
Para que o Cristo nascesse, Maria e José tiveram que subir da Galileia, da cidade de Nazaré, à Judeia, à cidade de Davi chamada Belém, significando assim a necessidade de subirmos espiritualmente para refletirmos o Cristo em toda sua grandeza.
Prossegue a Narrativa
O Evangelho de Lucas nos conta, então, que “...a fim de alistar-se com Maria, sua mulher, que estava grávida. E aconteceu que, estando eles ali, se cumpriram os dias em que ela havia de dar à luz. E deu à luz o seu filho primogênito, e envolveu-o em panos e deitou-se numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na estalagem.”[3]
Jesus vem à luz por meio de Maria. Assim narra o evangelista: “E, no sexto mês, foi o anjo Gabriel enviado por Deus a uma cidade da Galileia, chamada Nazaré, a uma virgem desposada com um varão cujo nome era José, da casa de Davi; e o nome da virgem era Maria.”[4]
“Virgem” aqui se refere a núbil (mulher em idade para se casar), ou mulher jovem que, em hebraico é almah. Era um termo usado quando se referia a uma donzela ou jovem casada recentemente, não havendo nenhuma referência em particular à virgindade como entendemos hoje.
Gabriel, então, disse: “E eis que em teu ventre conceberás, e dará à luz um filho, e pôr-lhe-ás o nome de Jesus.[5]” Maria estava preparada, por isso pôde conceber Jesus em seu ventre, isto é, dentro de si.
E nós, o que estamos cultivando, o que estamos construindo dentro de nós mesmos? Quando estaremos preparados para trazer à luz o Cristo imanente em nós? Aquele que, segundo o texto evangélico, “será grande e será chamado Filho do Altíssimo; e o Senhor Deus lhe dará o trono de Davi, seu pai, e reinará eternamente na casa de Jacó, e o seu Reino não terá fim.[6]”
No entanto, Maria indaga: “Como se fará isso, visto que não conheço varão?” E respondendo o anjo, disse-lhe: “Descerá sobre ti o Espírito Santo, e a virtude do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra; pelo que também o Santo, que de ti há de nascer, será chamado Filho de Deus.”
A outra possível tradução para “Espírito Santo” é “sopro sagrado”, dando a entender a presença de Deus em nós quando a Ele estamos ajustados. Àquele tempo a presença de Deus (IHVH) era manifesta por uma nuvem, por isso o uso da expressão “cobrirá com sua sombra”
Nasce a Virtude nos Corações
A descida do “sopro sagrado” representa bem o momento de fecundação da virtude em nós. O valor vem do alto por meio da revelação superior, necessitando ser por nós absorvido e vivenciado para fixação, que se dá com o nascimento do novo ser em que nos transformamos a partir de então. Por isso, o Cristo é sempre fecundado pelo Espírito Santo.
“Disse, então, Maria: Eis aqui a serva do Senhor; cumpra-se em mim segundo a tua palavra. E o anjo ausentou-se dela[7]”. Perfeitamente ajustada aos Desígnios Superiores, Maria se entrega totalmente a eles. É aquele momento em que há perfeito entendimento do mecanismo da vida, quando o Espírito sabe que o mais importante é atender a Vontade do Pai e, então cumpre-a fielmente. É a liberdade-obediência. Encontramos assim em Maria as três qualidades básicas para que o Cristo possa nascer: confiança, consciência e obediência, sintetizadas na fé.
Mais Lições a Serem Aprendidas
Jesus envolvido em panos nos ensina a lição de simplicidade: enquanto nos preocupamos tanto com os acessórios em nossa vida do dia a dia, os Espíritos superiores ocupam-se com o que verdadeiramente é importante para a vida imortal.
A manjedoura é o tabuleiro em que se deposita comida para vacas, cavalos etc. em estábulos. Segundo Emmanuel em A Caminho da Luz, “a manjedoura assinalava o ponto inicial da lição salvadora do Cristo, como a dizer que a humildade representa a chave de todas as virtudes.”
Por meio de Jesus colocado em um tabuleiro como alimento para animais, o Evangelho ensina-nos que, se quisermos deixar a condição de animalidade em favor de uma espiritualidade mais autêntica, é preciso que tenhamos o Cristo, ou a Boa Nova, por ele proposta, como alimento definitivo de nossas almas. Condição esta confirmada por ele mesmo quando mais adiante nos afirma: “Eu sou o pão da vida[8].” Este é o pão que desce do céu, para que o que dele comer não morra.
Outra lição encontrada é a da resignação, “...porque não havia lugar para eles na estalagem[9]“. É muito comum este fato, quando nos ajustamos aos desígnios superiores e agimos em favor do amor e da fraternidade, não há para nós lugar onde se instala o interesse imediatista do mundo material.
A Visita dos Magos
Narrada no Evangelho de Mateus, a visita dos magos e suas dádivas originaram as tradições de presentes no Natal. No entanto, dádivas seriam doações espontâneas de algo valioso, material ou não, a alguém; presente, oferta, mimo, brinde. Não é o que acontece atualmente no Natal.
Os presentes nem sempre são espontâneos, mas fruto de interesses outros. O que não tem valor material não é bem aceito como presente, mostrando assim a faixa de interesses a que estamos ajustados. A expressão “seus tesouros[10]” que se refere aos presentes ofertados, dá a entender que estes já lhes pertenciam, ou seja, que já tinham sido por eles conquistados. Então deveríamos dar valores que já são nossos, nossas conquistas individuais, de nós mesmos e espontaneamente.
Os presentes também contêm significados. O ouro refere-se à autoridade sobre as coisas materiais; o incenso, à autoridade sobre as questões espirituais. A mirra é uma planta de cuja casca sai uma resina aromática. De aroma agradável e gosto amargo, na Antiguidade, segundo o Dicionário Houaiss, ela era usada como incenso e remédio.
Pode revelar, desta forma, dois significados. Foi dado a Jesus o poder sobre as enfermidades: “Verdadeiramente, ele tomou sobre si as nossas enfermidades e as nossas dores levou sobre si…“, diz Isaias, 53:4. E representa também a necessidade do testemunho (”gosto amargo”), testemunho este que dá o poder e autoridade sobre as enfermidades e sobre as questões materiais e espirituais.
O Personagem Principal
Se historicamente não podemos precisar com certeza onde e quando se deu a noite do nascimento de nosso Mestre Maior, é certo que ela aconteceu. Emmanuel assim a descreve em A Caminho da Luz: “Harmonias divinas cantavam um hino de sublimadas esperanças no coração dos homens e da Natureza. A manjedoura é o teatro de todas as glorificações da luz e da humildade, e, enquanto alvorecia uma nova era para o globo terrestre, nunca mais se esqueceria o Natal, a noite silenciosa, noite santa”.
Como já dissemos, o nascimento de Jesus representa o início de uma nova era em que a justiça se converte em amor, e a fraternidade pura através de sua exemplificação, meta a ser alicerçada em nossos corações. Antes era o homem biológico, depois, o homem espiritual.
Na festa que preparamos ao final de cada ano, Jesus deveria ser personagem principal. Assim, como devemos nos preparar para ela, qual a melhor vestimenta a usar?
Aqui deixamos duas passagens evangélicas para refletirmos sobre estes temas: uma de Mateus: “Então, dirá o Rei aos que estiverem à sua direita: Vinde, benditos de meu Pai, possuí por herança o Reino que vos está preparado desde a fundação do mundo; porque tive fome, e destes-me de comer, tive sede, e destes-me de beber; era estrangeiro, e hospedastes-me; estava nu, e vestistes-me; adoeci, e visitastes-me; estive na prisão, e fostes ver-me. Então, os justos lhe responderão, dizendo: Senhor, quando te vimos com fome e te demos de comer? Ou com sede e te demos de beber? E, quando te vimos estrangeiro e te hospedamos? Ou nu e te vestimos? E, quando te vimos enfermo ou na prisão e fomos ver-te? E, respondendo o Rei, lhes dirá: Em verdade vos digo que, quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes[11].”
Que façamos em nome do Cristo um Natal diferente. Que saiamos de nós mesmos, de nossos caprichos e desejos pueris, buscando atender as necessidades de nossos semelhantes mais carentes. Reclamamos do “pouco” que temos, mas quão muito é esse pouco se comparado ao enorme percentual da humanidade que muito menos tem, chegando a faltar até o básico necessário? Lembremos destas palavras: “Em verdade vos digo que, quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes…”
Em outra passagem narrada por Mateus, lemos: “E, quanto ao vestuário, por que andais solícitos? Olhai para os lírios do campo…[12]” Para que possamos estar vestidos com a “túnica nupcial[13]” é preciso estarmos ajustados ao fluxo da vida que é a Lei Superior, que é Amor. Os lírios “não trabalham e nem fiam”, mas cumprem a sua missão de enfeitar mesmo tendo nascido em condições adversas (brejo, lodo etc.).
Ao dizer que nem mesmo o Rei Salomão em toda a sua exuberância se vestiu como qualquer deles, a beleza que Jesus observa é a que vem de dentro, aquela gerada pela consciência tranquila do dever cumprido e do ajuste aos Propósitos Superiores.
Nada dá mais segurança e firmeza do que o Evangelho vivenciado. Assim, firmemo-nos em seus ensinamentos de moral superior e estaremos preparados para que o Cristo nasça em nós, e pelos frutos de nossas ações também possamos ser chamados de Filhos do Altíssimo ou Filho de Deus, por quem quer que seja.
[1] Lucas, 2: 1 e 2
[2] Idem, 3 e 4
[3] Lucas, 2: 5 a 7
[4] Idem, 1: 26 e 27
[5] Idem, 1: 31
[6] Idem, 1: 32 e 33
[7] Idem, 1: 38
[8] João, 6: 35
[9] Lucas, 2: 7
[10] Mateus, 2: 11
[11] Mateus, 25: 34 a 40
[12] Mateus, 28 e 29
[13] Mateus, 22: 11