"A anarquia social não se manifesta somente nas camadas inferiores da sociedade. Como todas as epidemias mentais, é uma moléstia essencialmente contagiosa.". Gustave Le Bon, em “Psicologia Política”.
Foi a partir de sua redemocratização que o Brasil começou a perceber mais claramente o elevado nível de criminalidade existente em suas elites políticas e econômicas, historicamente protegidas pela impunidade.
A assim chamada “criminalidade do colarinho branco” passou a merecer, então, melhor atenção dos organismos de investigação, persecução criminal, submissão ao devido processo legal e julgamento. Ao mesmo tempo, pois, que o exercício democrático se abria para todas as camadas da população, ensejando mais amplamente o acesso ao poder também às classes sociais menos favorecidas, a criminalidade, de igual forma, mostrava-se presente na ação de representantes políticos de todos os segmentos sociais, incluindo aqueles antes tidos como “acima de qualquer suspeita”.
Na verdade, o crime não tem ideologia nem partido, não é característica deste ou daquele estrato social, político, religioso, civil ou militar. É doença contagiosa que se alastra, contaminando segmentos ricos e pobres, criando mecanismos complexos, estratégias para burlar a lei, e formando organizações poderosas com alto grau de especialização. Membros desses organismos criminosos paraestatais, provindos de todos os níveis, não raro, conquistam importantes fatias de poder, em todos os segmentos do estado, sob o hipócrita manto da democracia e mediante uma falsa retórica de promoção do bem comum.
Mesmo assim, a parte boa e sadia da sociedade é mais numerosa do que essa horda de criminosos que toma de assalto setores do poder estatal e econômico. A grande maioria dos brasileiros é constituída de homens e mulheres bem-intencionados, voltados a atividades honestas: pais e mães de família; empresários e trabalhadores; governantes, parlamentares, membros de Poderes, probos, imbuídos dos mais sãos princípios em favor da ordem, da justiça, da paz social. Todos querendo oferecer sua contribuição em prol de uma sociedade justa e harmônica.
Apesar disso, já ao tempo da estruturação filosófica do espiritismo, seu insigne fundador, Allan Kardec, percebeu que, como ocorre hoje, em amplos setores da política e das engrenagens que movem as relações sociais, a “influência dos maus sobrepuja a dos bons”, e questionou os espíritos sobre a razão desse fenômeno. Deles recebeu esta resposta, na questão 932 de O Livro dos Espíritos:
“Por fraqueza destes (os bons). Os maus são intrigantes e audaciosos, os bons são tímidos. Quando estes o quiserem, preponderarão”.
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O crime não tem ideologia nem partido, não é característica deste ou daquele estrato social, político, religioso, civil ou militar.
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No cenário pátrio atual, a “fraqueza dos bons” tem se consubstanciado, às vezes, mais do que pela inação ou a timidez destes, pela própria incapacidade de reconhecerem que estão sendo enganados. Assim, por exemplo, quando um político prega o retorno à ditadura, acenando com a possibilidade de esta trazer a paz social, pessoas de boa índole, poderão sucumbir a essa retórica enganosa, totalmente distanciada da real experiência histórica.
A “fraqueza dos bons”, que tanto atraso já causou à humanidade, tem, pois, componentes de ingenuidade, de ignorância política, de ausência dos conhecimentos amealhados ao longo da formação política e social da espécie humana. Ditaduras, sejam de direita ou de esquerda, sempre foram altamente nocivas à sociedade. Ferem a dignidade do cidadão, atentando contra seus direitos naturais.
A democracia, mesmo que teoricamente concebida há séculos, pelos gregos, é, na prática, conquista recente da História, e consolida-se na medida que se protege dos embustes gerados em seu próprio seio. Ela requer, acima de tudo, persistência e coragem no seu exercício, que deverá ser iluminado pela ética do diálogo, da tolerância, do respeito, da sabedoria e da fraternidade, tendo por fim o bem comum.
(Texto publicado como editorial do jornal OPINIÃO, do Centro Cultural Espírita de Porto Alegre, edição 293 - março/2021)