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Primeiro grupo espírita da internet

Política – uma chave para o futuro

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Quando se fala em fé, razão e liberdade, dificilmente alguém lembrará da Política. Sim, falo desta com “P” maiúsculo, com “p” minúsculo não é política, é uma deformação conceitual para deleite dos egoístas e prejuízo dos fracos. Não é outra a razão pela qual a Política é tabu e, deliberadamente, esquecida pelos que mais poderiam contribuir para construção de um mundo melhor, arejado por uma Política avançada e construtiva.

O mundo está em crise, e, toda crise, enseja transformações. O mundo pede uma maior aproximação entre fé e razão, bem como, uma discussão política madura, séria, longe dos palanques mesquinhos e pequenos, mas que leve em conta as reais necessidades de uma civilização decadente. Falta amor, falta fraternidade, falta tolerância com as diferenças e, acima de tudo, falta para muitos um sentido para a existência. Algo que vá além das banalidades, além da caverna de Platão, algo que leve o indivíduo a transcender sua mediocridade, algo que, de fato, possa nos levar a um futuro melhor.

Deixando de lado ideias extremas e pequenas, insustentáveis sob qualquer ótica filosófica, minimamente ética e racional e fora dos limites democráticos, temos duas opções socioeconômicas plausíveis, equivocadamente conflitantes. De um lado poderíamos conviver, como tem sido regra quase geral, dentro de um sistema capitalista apoiado na propriedade privada dos meios de produção, na livre iniciativa e na livre competição no mercado. Sua lógica é eficiente. A bandeira da liberdade é significativa. Mas tem um problema: a livre competição, anda de mãos dadas com a vaidade, com o egoísmo e com a ambição, os quais são defeitos atávicos do ser humano. As oportunidades não se fazem iguais para todos. A liberdade dos oprimidos é uma peça de ficção. As desigualdades tendem a ampliar-se cada vez mais. A exploração irracional e egoísta dos recursos naturais do planeta vem acarretando sérias e graves consequências no clima, no desequilíbrio ecológico, na qualidade do ar, da água e na proliferação de vetores biológicos nocivos e até letais ao ser humano.

Por outro lado, poderíamos também conviver dentro de um sistema socialista, em tese, propenso a uma distribuição mais igualitária das riquezas, das oportunidades e do acesso à saúde, ao emprego, à moradia e educação. A saúde e a educação, mais abrangentes, seriam fatores expressivos para a melhor qualidade de vida do planeta. Como no caso anterior, a proposta é louvável. Não há como não ver nela um mundo melhor. Mas aqui também temos um problema. E, paradoxalmente, a fonte do problema está nos mesmos defeitos atávicos deletérios ao sistema capitalista, embora numa escala um pouco diferente. Isso conduziu a excessos passados que perverteram as qualidades, ampliaram os defeitos e deram asas ao aparecimento de preconceitos que vêm o socialismo como algo opressivo contrário às liberdades do indivíduo.

O que nos restou foi o embate preconceituoso em torno de conflitos inexistentes na essência filosófica dos sistemas. O capitalismo, de crise em crise vem mostrando que sua mola propulsora não consegue se dissociar do egoísmo humano. São poucos com muito e muitos com quase nada. O colapso total do planeta é só uma questão de tempo. Da mesma forma, as experiências socialistas passadas, por conta do mesmo egoísmo humano, precisaram lançar mão da força para tentarem assegurar melhor distribuição de riquezas e oportunidades. Essa estratégia não precisou de muito tempo para que uns poucos egoístas mais fortes se organizassem e consolidassem Estados totalitários com um pequeno grupo dominando a maioria pela força. A maioria, sem estímulos para exercitar a criatividade e progredir se acomodava, retardando o progresso individual e coletivo.

Do mesmo modo que o mundo decadente clama por uma maior aproximação entre fé e razão também clama por uma maior e, perfeitamente possível, integração entre ideias capitalistas e ideias socialistas. Essa é a discussão Política que pode abrir as portas para o futuro. Não são partidos políticos nem nomes idolatrados ou odiados que farão a diferença. Isso só nos afasta e nos apequena. São as ideias despidas de preconceitos e intolerâncias que nos libertarão da minoridade social, moral e intelectual. A fé cega em ídolos e símbolos presos a falsas virtudes precisa dar lugar à razão. Isso não significa antagonismo entre fé e razão, muito pelo contrário, devemos buscar a fé que não despreze a razão e a razão que não ignore a importância da fé. Precisamos ter fé na razão e, racionalmente, compreender a razão e importância da fé. Allan Kardec, o codificador do espiritismo, deu o nome de fé raciocinada a essa união que não deve ser confundida com sobreposição, mas sim como complementaridade.

Este é o motivo pelo qual a Política, com “P” maiúsculo, é subjacente à questão da fé, da razão e da liberdade. Precisamos compreender que Política não é a disputa pequena por cargos e privilégios. Isso não é política. Isso é discurso vazio e hipócrita mascarando ambições mesquinhas e, muitas vezes inconfessáveis. A verdadeira Política diz respeito à discussão madura das normas do bom convívio social. Diz respeito a discussão madura das estratégias socioeconômicas que melhor atendam às necessidades do ser humano em sociedade, dando a todos, oportunidades de progresso moral e intelectual. A verdadeira Política, que precisa e deve ser discutida, é sobre o futuro que queremos para o planeta Terra. A verdadeira Política está no bom debate das ideias, não na disputa mesquinha e medíocre por privilégios e comodidades.

Precisamos desmistificar o capitalismo como receita irretocável de liberdade e prosperidade e o socialismo como fórmula inequívoca de opressão e atraso. Assim como os equívocos e desatinos dos cristãos no passado não podem servir de baliza para o verdadeiro legado de Jesus, os equívocos do capitalismo e do socialismo não podem vetar a iniciativa de buscar-se uma combinação inteligente dessas ideias. Não há futuro fora do equilíbrio entre fé, razão, liberdade e a boa Política. Somente por meio desse equilíbrio lograremos superar nossas mazelas e passarmos para a maioridade.

Mas essa discussão pressupõe vontade de liberdade. Veja, não é apenas o desejo de liberdade. A liberdade só se realiza quando a vontade executa o que se deseja e convém. Do contrário, fica-se na mesma, desejando ou sonhando acordado. Immanuel Kant dizia que verdadeira liberdade não é fazer o que se quer, mas sim fazer o que não se quer. Nunca foi tão importante a luta pela liberdade moral e intelectual do ser humano. Como falava Sócrates, a vida não examinada, não vale a pena ser vivida. Vivemos um tempo líquido, como acertadamente qualificado por Bauman (*). O relativismo impera. Cada qual tem sua “verdade” e se julga satisfeito por ser dono dela. Pensar é um “trabalho” que não vale a pena. O consumo de informação digital banalizada, abreviada e de baixa qualidade é a moda do momento. Logo seremos substituídos pela inteligência artificial e, como não nos interessamos mesmo pelo pensar, ficaremos felizes com nossa estupidez compensada pela tecnologia.

É importante notar que não são as novas tecnologias nem a inteligência artificial as ameaças que devemos temer. É nosso egoísmo, nosso comodismo e nossa falta de vontade de progredir, de dialogar e de pensar que devem ser combatidos. As tecnologias são ferramentas poderosas a nossa disposição, para serem usadas em nosso proveito. Entretanto podemos, se essa for nossa vontade, sermos usados por essas tecnologias ou pelos poucos que delas quiserem tirar proveito. É tudo uma questão de vontade de ser livre ou resignação cega à escravidão intelectual e moral.

Veja bem, essa perspectiva pessimista não é somente sob o ponto de vista materialista. Sob um ponto de visa dualista progressista, como o espiritismo, por exemplo, a diferença fica por conta da vida eterna do espírito. Após estagnar por anos ou séculos em sucessivas reencarnações, com sua resignação cega à escravidão moral e intelectual, o espírito acabe por libertar-se de sua inércia e decida progredir. Não podemos esquecer que as dimensões de espaço-tempo material e espiritual são diferentes. Não ousaremos querer explicá-las. Não sabemos como é a dimensão espaço-temporal do espírito. Sabemos apenas que é diferente. Enquanto não se decidir, o espírito terá que enfrentar as consequências de suas escolhas. Não há como escapar da lei de causa e efeito. Colhemos o que plantamos.

Mas a decadência civilizatória atual não deve ser vista como uma regressão do espírito ao estado de barbárie. Sob o olhar espírita sabemos que não é este o caso. O espírito não regride. Todavia, a crise atual revela um dado importante. A humanidade passou por inúmeras revoluções nos últimos dois séculos. Revoluções sociais, industriais, científicas e tecnológicas profundas e globalmente impactantes. Hoje temos recursos inimagináveis há um século. A cura de doenças antes incuráveis, tomar café da manhã em São Paulo e almoçar em Manaus antes de uma reunião de negócios é uma rotina para muitos. Sentado na poltrona preferida em sua casa no Brasil e consultar um especialista em Tokyo sobre algum assunto de interesse, via bate-papo pela internet, é coisa para qualquer criança.

O impacto deslumbrante dessas facilidades aliado às sequelas materiais e emocionais das duas grandes guerras mundiais, dentre inúmeros outros eventos menores, mas de igual teor de atrocidade e violência do ser humano para com o próximo, acabou por amortecer inúmeros defeitos de caráter ancestrais. Não superamos o egoísmo, o individualismo, a intolerância e os instintos animais primitivos. Tudo isso, de certa forma, foi anestesiado pela avalanche e velocidade dos acontecimentos pós-revolução industrial. Espiritualmente continuamos nas cavernas, e os velhos hábitos e defeitos, parcialmente anestesiados, vêm novamente à tona. Essa é a raiz da crise que está nos incomodando e nos oprimindo, obrigando-nos a buscar soluções e rever atitudes e posturas. Trata-se de um processo longo e dolorido. A evolução do espírito não dá saltos. É inexorável, mas as mudanças são sempre mais ou menos traumáticas conforme o grau de evolução já alcançado. A saída da zona de conforto, não importa quão ruim seja essa situação, dá trabalho, assusta o espírito imaturo e exige reformas íntimas profundas. 

Mas essa é a beleza do Universo. Esse é o mistério do Criador. São muitas perguntas e poucas respostas, graças a Deus.


(*) Zygmunt Bauman foi um filósofo e sociólogo judeu polonês que desenvolveu uma teoria sociológica bastante complexa para explicar o modo de vida nas sociedades capitalistas do século XX. Veja artigo em - https://mundoeducacao.uol.com.br/sociologia/zygmunt-bauman.htm

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Cesar Boschetti

Graduado em Física pela Universidade de São Paulo (1978), com mestrado e doutorado na área de tecnologia de materiais semicondutores. Atuou como pesquisador, tecnologista e coordenador de setor de P&D englobando materiais especiais, física de plasmas, computação aplicada e combustão do INPE - Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais de 1979 a 2019 quando se aposentou. É escritor espírita e atualmente Editor-Consulente do GeaE.