====================================================================== _|_|_| _|_|_| _|_|_| _|_|_| GRUPO DE ESTUDOS AVANÇADOS ESPÍRITAS _| _| _| _| _| Fundado em 15 outubro de 1992 _| _| _|_| _|_|_| _|_| _| _| _| _| _| _| Boletim semanal _|_|_| _|_|_| _| _| _|_|_| de distribuição eletrônica ---------------------------------------------------------------------- Ano 06 - Número 278 - 1998 3 de Fevereiro de 1998 ====================================================================== |=========================| INDICE |===============================| TEXTOS O Espelho dos Espiritas, Luiz Signates, Brasil Entrevista com Luiz Signates, GEAE |====================================================================| ______________________________________________________________________ TEXTO ------- O Espelho dos Espiritas, Luiz Signates, Brasil ______________________________________________________________________ Texto publicado originalmente na "Revista Espirita Allan Kardec" de Julho/Setembro de 1997 - numero 35 - e colocado no Boletim GEAE com a autorizacao do autor, que como unica condicao nos solicitou a divulgacao do seu e-mail (signates@writeme.com): "Isso para que os leitores do GEAE, cujas ideias sejam semelhantes ou diferentes, possam corresponder comigo, a fim que de eu aprenda com seus pontos de vista e possa, caso seja necessario e proveitoso, modificar as analises." O Espelho dos Espiritas A visibilidade marcou o seculo que esta' terminando. Este foi o seculo do visual. O estudioso frances Regis Debray denomina a era de "videosfera", em contraposicao `a logosfera da IdadeMedia e a grafosfera do Renascimento e do Iluminismo. A logica da relacao social e politica e' o _estar na midia_. A sociedade tornou-se _midiatizada_. Uma das caracteristicas essenciais de uma psicologia dessa sociedade, sem duvida, e' o narcisismo. A vaidade deixa de ser simplesmente um problema moral, para se tornar uma pratica social. Algo, para acontecer, tem que sair na televisao. E' claro que nem tudo nos meios de comunicacao e' caracterizado pelo narcisismo. Ao contrario do que diria Salomao, "nem tudo e' vaidade". Tais ecossistemas tecnicos sao lugares de comunicacao, abrindo possibilidades de conhecimento do homem a respeito de si mesmo, do mundo, do universo que o rodeia. Sao, tambem aberturas para a possibilidade de entendimento das pessoas e grupos sociais entre si. Ha' algumas "marcas" que caracterizam o narcisismo na comunicacao e, para termos uma ideia pratica a respeito, abordaremos o assunto do ponto de vista das atividades espiritas chamadas de "divulgacao doutrinaria". 1. Visao Instrumental da Comunicacao Uma visao instrumental da comunicacao e' a que ve a midia como instrumento ou ferramenta da divulgacao do Espiritismo. As relacoes sociais propiciadas pela existencia das instituicoes de comunicacao dentro da sociedade passam a ser buscadas para serem usadas ao maximo. Constituem uma especie de maquinas, cujo papel e' funcionarem para "levar a mensagem". Tal modo de ver e' narcisico porque dispensa a ideia de simetria nas relacoes humanas, ja' que prioriza a postura do emissor, no processo comunicativo. 2. Comunicacao como territorio a ser conquistado E' uma consequencia da visao instrumental, mas dentro de outra metafora: a do territorio. Expressoes como "ocupar o espaco da midia" ou "conquistar um horario na programacao" sao tipicos dessa visao. De novo uma visao narcisica, pois se concentra na procura por colocar-se vantajosamente no presumido jogo de poder dos loteamentos de programacoes radiofonicas e televisivas. Ocupar espaco para influenciar os outros e' tambem uma tipica instrumentalizacao, com a diferenca de que, se antes a razao era tecnica, aqui a racionalidade e' estrategica, vinculada `a busca por poder e influencia. 3. Abordagem tecnicista Seja instrumental, seja estrategica, a abordagem narcisica da comunicacao costuma se caracterizar pelo tecnicismo. Parte-se do principio de que, se dominarmos as tecnicas da comunicacao (desde o saber usar certos aparelhos ate' o saber adotar certas taticas no uso da voz, da imagem, do texto), dominaremos o pensamento de quem estiver ligado a esses meios. Isso nao e' apenas narcisico, pelos motivos ja' enumerados, como e' falso. Nao e' a tecnologia adotada que garante a comunicacao, embora ela seja fundamental para o conceito de informacao. 4. Preocupacao centrada na mensagem Aqui, propomos uma clara diferenca entre os conceitos de informar e comunicar, que, no Espiritismo, poderiamos chamar de _fazer divulgacao_ e _fazer comunicacao_. Informar e' tornar tecnicamente disponivel uma informacao; comunicar e' relacionar-se com outras pessoas. A primeira, toma por base a assimetria (ha' os que sabem e os que nao sabem) e busca igualar os conhecimentos e comportamentos a partir do prisma do emissor (que e', presumidamente, aquele que sabe). A segunda, parte da simetria (todos sabem algo) e trabalha no sentido de desenvolver relacoes a partir das quais as diferencas se tornem frutiferas (cada um saira' da relacao sabendo algo mais). O movimento informativo prioriza a estrutura e busca adaptar as pessoas a ela. O processo comunicativo prioriza as pessoas e coloca as estruturas a seu servico. No campo das atividades espiritas, a nocao de divulgacao e' informativa, porque esta' centrada na mensagem (a "Doutrina", que muitos julgam ja' conhece-la pura e pronta, devendo, inclusive, ser preservada, ainda que a custo de sacrificio de pessoas) e nos processos tecnicos inutilmente destinados a torna-la hegemonica na sociedade. E a nocao de comunicacao social espirita e' comunicativa (desculpe-nos a tautologia), porquanto nao se interessa em primeira instancia pela "Divulgacao da Doutrina", e sim pelo desenvolvimento de relacoes concretas de fraternidade entre as pessoas. No primeiro modo, a mensagem e' o fim e as pessoas sao meios. No segundo, o Espiritismo e' um meio ou, na melhor das hipoteses, um direcionamento etico, e as pessoas sao o fim. Nos processos comunicativos, se ha' algo a ser sacrificado, com certeza nao sao as pessoas envolvidas. 5. Incapacidade de ouvir, de dialogar, de considerar a opiniao dos outros, de duvidar de si proprio. Narcisismo, enfim. Tratada dessa forma, a ideia - que e' praticamente generalizada - de divulgacao do Espiritismo, torna-se puro narcisismo doutrinario. Nossa experiencia, acompanhando um programa espirita de televisao em Goias e os comentarios de companheiros espiritas a esse trabalho, tem comprovado isso de forma dramatica. E' possivel afirmar que a ideia da divulgacao espirita traz embutida uma intencionalidade provavelmente inconsciente, que precisa ser questionada pelos espiritistas serios: o que queremos com a comunicacao, falarmos com as pessoas ou nos enxergarmos nesses meios ? Conversar com os diferentes publicos conectados por essa gigantesca rede social ou simplesmente vermos as nossas ideias, resguardadas em toda a sua "pureza", estampadas no video ? Em sintese, estamos `a procura do proximo ou de nos mesmos, na midia ? Uma abordagem comunicacional esta' centrada no outro, e na etica de nossa relacao com ele, e nao em movimentos de conversao religiosa. O outro so' se torna "proximo", dentro da etica espirita-crista, quando nos igualamos a ele, dispensando qualquer pretensao de instrumentaliza-lo ou domina-lo. As instituicoes de comunicacao da contemporaniedade sao importantes pelas possibilidades que sao capazes de gerar, para o estendimento da fraternidade possivel entre nos, e nao pela eventual ou suposta capacidade de enfiar ideias prontas na cabeca dos outros. Nesse sentido, pode ser significativo que tais veiculos caminhem para uma interatividade cada vez maior. A razao do futuro e', sem duvida, a razao do dialogo, e nao a do monologo. E' a razao do altruismo, e nao do egoismo. E' a razao do amor, e nao a do narcisismo. A televisao nao existe para ser o espelho dos espiritas, ante a sociedade, nem os espiritas devem busca-la com essa pretensao tola. Caso, de fato, nos interessemos pelos irmaos em sociedade, como costumamos afirmar, entao busquemos falar com eles dos temas que lhes interessam, em clima de dialogo e entendimento mutuo, a fim de estendermos a eles os beneficios que pudermos e, porque nao, colhermos deles as visoes e praticas diferentes que tenham e possam nos enriquecer. Agindo assim, mesmo que nao convertamos ninguem para o Espiritismo, estaremos praticando-o, ao fundar uma nova sociedade, a partir da instauracao de um novo tipo de relacao social. Jornalismo Espirita e Dialogo Social No jornalismo espirita brasileiro, tambem encontramos essa caracteristica narcisista: e' um jornalismo opinativo, centrado na confirmacao de ideias instituidas e na critica da diferenca. O aspecto opinativo aparece no formato artigo, hegemonico na imprensa espirita. Um estilo que nao e' tao problematico, por se referir a um movimento de indole filosofica, cuja natureza discursiva se distingue pelo debate das ideias. Os periodicos cientificos tem, tambem, essa caracteristica. Apesar disso, uma das mais importantes facetas do Espiritismo brasileiro e' o seu estendimento religioso em direcao ao mundo e, em especial, `as necessidades humanas. Por isso, pensamos que outros formatos, como a reportagem (nao apenas as tematicas, mas tambem as que trabalhem sobre relatos de vida e de experiencias), podem enriquecer enormemente a comunicacao dos espiritas com a sociedade. Em sintese, o jornalismo espirita nao tem porque ser exclusiva ou prioritariamente opinativo e pregacionista. No que diz respeito aos conteudos, e' visivel a natureza confirmatoria dos artigos espiritas, reveladora, como na televisao, de uma face narcisica, oriunda de uma apreensao hipodermica, monologal, iluminista e instrumental da comunicacao. Vista desse modo, o gesto comunicativo ofertado por esse tipo de jornalismo, longe de ser uma proposta de relacao humana vinculada `a busca da fraternidade, passa a ser a metafora de uma guerra espiritual ou da conquista do poder ideologico, reiterando os equivocos de religioes e partidos em todos os periodos da historia, especialmente o da modernidade ocidental. Um jornalismo fundamentado em tais presupostos acaba instituindo a circulariedade dos conteudos, desdobrada na mera afirmacao do confirmado e na critica dogmatica da diferenca. A nossa proposta, evidentemente diversa dessa pratica que descrevemos e analisamos, e' a da busca da comunicacao como instauracao e permanencia de um dialogo social. Dai, porque o formato _reportagem_ pode ser uma saida interessante, dentro da qual inclusive pessoas nao-espiritas possam ser ouvidas e historias de vida possam ser publicadas. A centralidade da comunicacao, nesses casos, deixaria de ser exclusivamente na mensagem, passando a buscar processos comunicativos e a considerar os seres humanos envolvidos como mais importantes do que as doutrinas e as instituicoes. O dialogo social, nesse caso, desenvolver-se-ia a partir da fundacao de esferas publicas de compartilhamento das diferencas e de real fraternidade entre os diferentes agentes interessados na tematica dessa esfera publica, nao importa a opiniao que adotem. Isso porque a tarefa fundamental do Espiritismo nao e' simplesmente a de divulgar os seus principios, mas, sobretudo, a de criar as condicoes de possibilidade da sociedade fraterna e justa no mundo. E fraternidade apenas se faz a partir da aceitacao da diferenca e na pratica comunicativa do amor verdadeiro. ______________________________________________________________________ TEXTO ------- Entrevista com Luiz Signates, GEAE ______________________________________________________________________ GEAE - Caro Luiz, frente a importancia do tema "Comunicacao Social Espirita", gostariamos de fazer-lhe algumas perguntas referentes as ideias apresentadas no seu artigo e sua aplicacao na Internet. LS - E' com alegria que recebo uma manifestacao do GEAE, de interesse por uma tematica que, particularmente, considero da maior importancia, e para a qual os companheiros espiritas ainda nao atentaram o suficiente, porquanto aborda assuntos que ainda nao sao considerados problematicos no Espiritismo brasileiro. Neste momento, ainda estou estudando a Internet e a insercao dos espiritas nela, de sorte que as analises ainda nao sao inteiramente conclusivas. Receba, portanto, minhas respostas como conjeturas, diante das quais estou inteiramente aberto ao dialogo, pelo e-mail . GEAE - Dentro do contexto apresentado em seu artigo como voce ve a situacao atual da Internet e a insercao dos espiritas nela ? LS - O que tenho observado na Internet, grosso modo, e' que as homepages espiritas sao impressionantemente semelhantes, sugerindo que a metafora do espelho (utilizada no artigo "Espelho dos Espiritas") pode lhes servir. Outra coisa acontece, contudo, nas listas de discussao, sobretudo naquelas em que os criterios de participacao sao meramente tecnicos, nas quais se discute de tudo, desde duvidas comezinhas de iniciantes ate' pontos controversos ainda irresolvidos, passando, e' claro, pelas discordancias de adeptos em relacao a pontos que, para outros, ja' sao pacificos. Entre umas e outras, isto e', entre as homepages e as listas, um espaco intermediario que tenho observado cuidadosamente, nesse estudo, sao as chats. Porque reunem a discussao ate' certo ponto livre `a condicao do dialogo em tempo real, criam momentos de interatividade extremamente interessantes a um pesquisador da comunicacao social espirita. Nesses casos, tenho considerado muito interessantes principalmente dois aspectos: primeiro, os criterios de insercao de conteudos, sobre os quais os espiritas participantes discordam entre si, alguns defendendo a livre abordagem e outros pretendendo a exclusividade na tematica e na apreciacao dentro de certos limites doutrinarios mais ou menos rigidos; segundo - e mais importante -, a forma de relacionamento que os espiritas instauram uns com os outros e com os eventuais nao espiritas que se aventuram a entrar na conversa. GEAE - Quais sao os criterios que norteiam sua pesquisa sobre "Comunicacao Social Espirita" e como se aplicariam na analise um veiculo de comunicacao especifico dentro da Internet ? LS - O que denomino "Comunicacao Social Espirita" e' uma forma de relacionamento, e nao uma tecnica de "passar a mensagem". Dai porque comunicacao e' diferente, sob esse ponto de vista, de "divulgacao". A primeira e' centrada nas pessoas, interessa-se pela efetivacao de uma relacao de fraternidade real entre os individuos e grupos. A segunda, e' centrada na mensagem, e, embora os espiritas neguem na teoria, na pratica essa atitude objetiva a conversao dos outros `a nossa doutrina. Observa-se, portanto, que o interesse da pesquisa esta' centrado no tipo de relacionamento. Tal posicionamento teorico utiliza como criterio uma categoria do filosofo alemao Juergen Habermas: a nocao de "interacao comunicativa", em contraposicao com uma forma de interacao do tipo "estrategico-instrumental". Trocando em miudos, isso significa que procuro verificar as condicoes de possibilidade da aceitacao da diferenca e a capacidade de instauracao de dialogos abertos e autenticos com pessoas que pensem diferente. Tais referenciais diagnosticam parcialmente a existencia parcial ou nao de fraternidade nos relacionamentos. Como voce ve, nao e' o conteudo espirita, aquilo que desencadeia uma relacao espirita entre as pessoas, mas a forma - essa sim, espirita ou nao - como nos relacionamos. Compartilhar conhecimento espirita so' e' valido se feito de forma espirita, isto e', sem que pretendamos converter o outro `a nossa doutrina, e desde que estejamos dispostos a aprender tambem. Uma postura identitaria, de auto-valorizacao extrema, na pressuposicao de que estamos no espaco da Verdade e o outro no lugar do erro, mesmo que essa postura esteja vinculada ao Espiritismo, nao sera', sob esse ponto de vista, uma atitude espirita. Dai' a diferenca entre "divulgacao" (ato informativo, autoritario e centrado na mensagem) e "comunicacao" (ato interativo-construtivo, democratico e centrado nas pessoas). GEAE - Considerando o caso de um grupo de estudos similar ao nosso, como incentivar a participacao das pessoas nas discussoes ? LS - Tratando de temas e problemas *delas*, e nao dos nossos. Servindo-as. Isso, contudo, demanda, no ambito da comunicacao social, desistirmos de alguns preconceitos que, muitas vezes, estao incrustados em nos. Num ambiente plural e multiplo, como a Internet, as pessoas so' ficam nas regioes de seu interesse. Sempre que a nossa tematica e o nosso linguajar for especifica e exclusivamente espirita, estaremos operando uma segmentacao de nosso publico interlocutor, que sera' ou espirita, ou simpatizante do Espiritismo. Com quem queremos falar? Quanto mais diferente de no's for o nosso interlocutor, mais ele exigira de no's em termos de concessoes de tematica e linguagem, para prosseguir interagindo. E quanto mais dispostos estivermos a aprender com eles, melhor eles se sentirao, na interacao conosco. Caso contrario, estaremos fundando novamente o espelho: desinteressados a respeito do que pensa e faz o "outro", projetaremos a nos mesmos, num movimento de circularidade, extremamente pobre em comunicacao. GEAE - Tomando como exemplo a secao "Palestras Familiares de Alem Tumulo" em que procuramos incentivar a analise e discussao das mensagens, para desenvolvimento do senso critico - permita-nos utilizar uma frase sua, critica no sentido filosofico e nao no sentido moral - julgamos que o modo mais produtivo de estudo e' a participacao ativa de todos, que as analises nao se restringissem apenas aos editores ? LS - Para que instauremos um espaco comunicativo de dialogo, quanto menor a hierarquizacao dos interlocutores entre si, melhor sera' a comunicacao. Uma situacao de verdadeira dialogicidade, e' um ambiente de permuta, de intercambio, em que todos ensinam e aprendem, ao mesmo tempo. Dai, porque consideramos que a tarefa fundamental da comunicacao social espirita e' a de *fundar uma esfera publica racional e afetivamente orientada para a dimensao espiritual da vida*, dentro da qual os espiritas ensinem, mas aprendam tambem. Por tais razoes, consideramos evidente que, tanto no exemplo dado, como nas demais atividades envolvendo a tematizacao da vida em relacao com o Espiritismo, a participacao de muitos e' sempre melhor do que a de apenas alguns. GEAE - Nos parece que a "Revue Spirite" e' uma fonte importante de exemplos e precedentes para todos que atuam na area de comunicacao espirita. Como voce analisaria a atuacao desse veiculo de comunicacao, que inclusive comemora neste mes de janeiro de 1998 seu 140.o aniversario, durante seu periodo sob direcao de Allan Kardec ? LS - A comunicatividade em Allan Kardec foi expressiva, embora o carater de sua missao lhe tenha conferido um grau de centralidade talvez impensavel para a atualidade, e as condicoes culturais (leia-se as reacoes dos "doutos" e "teologos" de sua epoca) nas quais estava inserido o obrigaram, muitas vezes, a adotar fortes posicionamentos defensivos, momento em que o espaco do aprendizado mutuo se viu ferido pelas atitudes "estrategicas" dos "oponentes" e, entao, a metafora da guerra substituiu a da comunicacao. E' possivel observar, apesar disso, que a politica editorial adotada pelo codificador incluia analises e opinioes de pessoas nao diretamente identificadas com o Espiritismo, e, no caso das vozes discordantes, constituiu a "Revue" espaco proveitoso de debates. Kardec, nesse sentido, esteve inteiramente inserido na cultura iluminista e racionalista da Franca de sua epoca. GEAE - O quadro "Jornalismo Espirita e Dialogo Social" propoe o formato reportagem como uma saida para mudar o enfoque da comunicacao, de sua centralizacao no conteudo para sua centralizacao nos seres humanos que participam da comunicacao, a recomendacao permanece para a Internet ? O Jornalismo tradicional e' um bom modelo para nos basearmos ou existe no campo da comunicacao social outros modelos mais proximos ao ambiente em que atuamos ? LS - Nao, o raciocinio nao permanece, porquanto a Internet e' mais do que jornalismo - o que, alias, nao e' novo na historia da comunicacao. O que academicamente vem sendo chamado de "processo de institucionalizacao da comunicacao social na modernidade", ou seja, o processo historico de surgimento de uma opiniao publica sediada em instituicoes, que se aprofunda no Iluminismo, comeca na forma da Imprensa, dando origem `as formas discursivas do jornalismo, as quais evoluiram para o que conhecemos hoje. Neste seculo, porem, surgem o radio e a televisao, cuja discursividade nao se equipara `a do jornalismo, absorvendo apenas parcialmente os seus formatos, e relacionando-se com outros campos, como o teatro, a musica, etc. Isso e' muito mais do que jornalismo, embora nao exclua essa forma de relato da realidade, cujo prestigio ainda permanece. A Internet, por sua vez, e' uma nova forma de interacao social mediada por ecossistemas tecnicos. Ha' quem diga que nao e' um "meio de comunicacao", mas um "espaco de comunicacao", o que me parece correto. Por isso, as consideracoes que fiz a respeito do esquecimento ou a dispensa da reportagem no jornalismo espirita, foi dentro de uma critica (no sentido filosofico do termo, e nao no moral - as vezes, os espiritas confundem) ao articulismo e a comentariologia repetitiva da imprensa espirita. Originalmente, jornalismo e' espaco de publicizacao de opinioes e interpretacoes multiplas, e nao de mera "divulgacao". E' espaco do debate franco, porem respeitoso; espaco de construcao da inteligencia pela palavra publica, que pode, no Espiritismo, tornar-se o espaco de construcao da fraternidade pela palavra. Eis porque a reportagem seria um avanco. Ela se remete nao `as teorias, mas ao cotidiano das pessoas: e' centrada nas pessoas e nao nas mensagens (o que nao significa o abandono da mensagem, mas a sua submissao `as questoes praticas do espirito humano). Tais consideracoes podem talvez ser validas para o *jornalismo* na Internet, e nao para toda e qualquer discursividade na rede. O grande lance da Internet parece ser a interatividade direta, como afirmei anteriormente. E' a constituicao de uma "esfera publica", que, em termos da interacao espirita, significa espaco de racionalidade da fe'. GEAE - Normalmente na Internet utilizamos os idiomas sem grandes formalidades, de modo coloquial, facilitando o dialogo ? O que isso significa em termos de comunicacao social ? Como pode ser considerado, e' um aspecto positivo ou nao ? LS - A informalidade e' o sinal de que ha vida na rede. De que as pessoas transacionam seus valores e suas praticas, e nao apenas suas eventuais teorias, controladas por esse ou aquele "sabio" editor. Por isso, tenho a conviccao de que, como aconteceu com o radio e a televisao, a Internet este' constituindo uma linguagem propria, ante a qual os publicos conectados sao muito menos passivos. Isso tem repercussoes culturais e, ate', politicas, que ainda estao por ser compreendidas em sua dimensao e sua complexidade. Fala-se, mesmo, de uma nova solidariedade, capaz de engendrar uma nova sociedade, mais fraterna, mais irma... Nao sei se devemos embarcar num otimismo assim tao exagerado, mas a esperanca das pessoas e' algo que jamais devemos desconsiderar, pois sao os sonhos os artifices do futuro. GEAE - Pelo que temos visto no grupo, tornou-se evidente que a barreira linguistica e' uma das principais dificuldades com que lidamos na ampliacao do dialogo entre participantes de diferentes nacionalidades. Na busca de solucao para esse problema deparamos com a lingua criada pelo Dr. Zammenhof, o Esperanto. Gostariamos de perguntar-lhe como ve a Lingvo Internacia ? Dentro dos criterios que norteiam sua pesquisa, que impacto teria na comunicacao o uso de tal ferramenta ? LS - Para responder a esta indagacao, expressarei um ponto de vista inteiramente pessoal, surgido de meus estudos do Esperanto e minha pequena experiencia em comunicacao. La internacia lingvo estas la plej bela kaj la plej inteligenta idiomo de nia mondo. Entretanto, os esperantistas se deixaram levar pelas ilusoes da neutralidade, influenciados, parece-me, pelo cientificismo da virada do seculo, superado pelos epistemologos posteriores. Por isso, conceberam o Esperanto como um mero codigo interlinguistico, e evitaram comprometimentos ideologicos. Jamais se ouviu dizer que os esperantistas sao a favor disso ou contra aquilo, que nao seja a utilizacao do idioma que defendem. Recebem o apoio de grupos culturais (no Brasil, o Espiritismo desempenhou um papel imprescindivel), e nao se envolvem com os sentidos desses grupos. Houve, no Brasil, um ponderavel esforco, em certa epoca, para "descaracterizar" o Esperanto como "coisa de espirita", resultando tal descompromisso em uma perda significativa para o proprio Esperanto. Por tal razao, o Esperanto nao tem sido significativo, em termos de interlocucao internacional, espaco onde o ingles impera inquestionado. Por esse motivo, de minha parte, nao concebo o Esperanto sem o Homaranismo, sem a posicao filosofica franca de fraternidade sonhada por Zamenhof, e que pode identifica'-lo com o Espiritismo e com outras doutrinas filosoficas espiritualistas. Os espiritas, por sua vez, nao devem dispensar o Esperanto de suas cogitacoes. E, objetivando a comunicacao, igualmente nao devem dispensar as demais linguas, compreendendo que, se e' extremamente importante dar forca a um idioma intermediario que supere os problemas da dominacao cultural operada pela imposicao de idiomas nacionais, e' mais importante ainda que "falemos as linguas dos nossos interlocutores", se de fato queremos valoriza'-los e estabelecer uma interacao comunicativa com eles. GEAE - Caro amigo, em nome de todos os participantes do grupo gostaria de agradecer-lhe sua atencao e convida-lo a dizer algumas palavras sobre o modo como ve o futuro da Internet e sua importancia para o movimento espirita. Diz Emmanuel que aquele que da' e' o que mais recebe. Por isso, o dever de gratidao, na verdade, cabe a mim, que, neste espaco, estou na condicao benfazeja de quem procura doar e que, portanto, e' quem mais tem recebido. A Internet, sem duvida, e' o mais aberto e livre campo de interacao humana da Historia. O computador deixou de ser apenas uma mega-maquina de calcular, para se tornar um aparelho de comunicacao e propiciar a fundacao de novo um espaco publico de relacionamento social, cuja configuracao ainda esta' sendo construida. Entretanto, a Internet ainda e' seletiva: feita para alfabetizados (nao raro poliglotas) e os melhor situados financeiramente. Talvez por isso se adeque tanto aos espiritas, que formam um movimento escolarizado e de classes medias e altas (embora, contraditoriamente, se relacione tanto com os pobres - o que pode indicar, de forma preocupante, que nossa caridade talvez ainda nos separe, mais do que una). Seria importante se os Centros Espiritas propiciassem, de alguma forma, a seus frequentadores o acesso `a Internet. Seria interessante se criassem diferentes atividades envolvendo o relacionamento dos espiritas com os diversos campos de conhecimento do mundo. Seria proveitoso, se nos interessassemos nao apenas por divulgar o Espiritismo, mas sobretudo por estabelecer esferas de relacionamento fraterno e aprendizado mutuo com os outros, contribuindo tanto para a difusao das ideias espiritas, quanto para seu aperfeicoamento. Que no's nos tornemos pessoas menos preocupadas com a pureza doutrinaria, em nome da qual `as vezes tanta violencia e tanta intolerancia e' operada, e mais interessadas no exercicio cotidiano da fraternidade e do amor. O mundo anseia por paz, por amor, por afeto autentico. Nenhuma doutrina ou instituicao respondera' a essa demanda das sociedades (nao sao as doutrinas e as instituicoes, mas as pessoas, as capazes de amar), senao aquelas que puderem admitir as crencas e instituicoes como meros lugares de fala, instrumentos a servico da felicidade. Isso porque a consecucao desse objetivo nao sera' obra dessa ou daquela filosofia ou movimento, mas uma realizacao concreta da convivencia pacifica e respeitosa de todas as filosofias e movimentos, porquanto apenas a relacao de afeto, empirica e verdadeiramente vivida, podera' instaurar a fraternidade no mundo. "Amar a Deus sobre todas as coisas, e ao proximo como a si mesmo. Nisto consiste toda a Lei e os Profetas" (Jesus) .--- .-- .--. .-- / -, /- /__/ /- `--' `--/ / `-- GRUPO DE ESTUDOS AVANÇADOS ESPÍRITAS .---------------------'''''--''--'''''''--'''''''''--'''''''''------. | . Boletim semanal de distribuição eletrônica | | . Homepage "The Spiritism Web" com informações espíritas em | | geral: livros eletrônicos, periódicos, boletins e | | inscrição no GEAE, etc e sobre o movimento espírita mundial: | | instituições, eventos, páginas espíritas na internet, etc. | | | | Conselho Editorial: | | - Ademir L. Xavier Jr. (Campinas - SP, Brasil) | | - Carlos A. Iglesia Bernardo (São Paulo - SP, Brasil) | | - José Cid (Rio de Janeiro - RJ, Brasil)| | - Raul Franzolin Neto (Pirassununga - SP, Brasil) | | - Sérgio A. A. 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