Ano 14 Número 504 2005



15 de Dezembro de 2005


"Fé inabalável é somente aquela que pode encarar a razão, 
face a face,
em todas as épocas da humanidade"

Allan Kardec



 ° EDITORIAL

A preciosidade da vida humana





 ° ARTIGOS

Em Defesa da Vida, Christiano Torchi, Brasil

Vendo o Invisível, Ademir L. Xavier Jr., Brasil




 ° HISTÓRIA & PESQUISA

Desencarnação de Eduardo C. Monteiro, Julia Nezu, Brasil


A intensidade de uma Vida, WGarcia, Brasil





 ° QUESTÕES & COMENTÁRIOS

Resposta à Pergunta sobre Êxtase da dupla vista, Mariza de Melo, Brasil





 ° PAINEL

Desencarna Miguel Pereira - Presidente do Grupo Os Mensageiros, Julia Nezu, Brasil


Instituições Espíritas Mobilizam-se a Favor da Vida, FEB, Brasil


Estudo aponta que trauma decorrente de aborto provocado dura mais tempo, FEB, Brasil







 ° EDITORIAL


A preciosidade da vida humana

Nos vastos salões do palácio de Augusto, assentado sobre uma das mais nobres colinas da velha cidade de Roma, podia-se admirar todo o esplendor da civilização clássica. Mármores dos mais variados tipos, madeiras e tecidos raros na forma de obras de arte, por onde caminhavam patrícios e representantes da nobreza de todo o vasto império. Império que Augusto restaurou através de uma política ardilosa porém bem sucedida. Anos de desentendimentos e guerras civis tinham sido substituídos por um período de paz e prosperidade inédito na história romana.

Nestes mesmos salões, aos olhos do observador mais arguto, viam-se também os sinais de que nem tudo estava tão bem quanto o célebre imperador desejava. Os altos padrões morais da família romana, que tinham permitido a pequena cidade estado vencer todas as agruras e transformar-se no centro do mundo mediterrâneo, já não mais resistiam à riqueza e ao poder. O próprio Augusto não pode evitar punir a própria filha pela conduta dissoluta que esta levava. Outra chaga maior ainda era a escravidão, instituição que degradou todas as sociedades que a adotaram, aviltando as relações humanas e desvalorizando o trabalho.

A escravidão não degrada apenas o escravo, degrada o escravizador, o transforma em um bruto, tira-lhe toda dignidade ao colocá-lo na condição de parasita dos seus irmãos. Tira dele, o escravizador, todo senso de sacralidade da vida, reduzindo-a a uma mercadoria que pode ser comprada, vendida ou desperdiçada a seu bel prazer.

E junto com a escravidão, talvez até como consequência da desacralização da vida, a sociedade que frequentava os nobres salões do Palatino praticava outro crime ainda mais estarrecedor, a indiferença social com a matança de inocentes. O "pátrio poder" permitia ao cabeça das famílias romanas decidir impunemente o destino de seus subordinados, fossem eles escravos, filhos ou esposa. E os recém nascidos indesejados podiam ser assassinados sem maiores problemas. A fina nobreza romana dos tempos de Augusto - e a bem dizer de todo o período prévio ao Cristianismo - não se pejava deste crime odiondo.

É por esta mesma época, no reinado de César Augusto, que um carpinteiro e sua jovem mulher, moradores de uma região pobre e tumultuada, trazem ao mundo uma criança diferente. Diferente porque sinais estranhos - hoje diríamos fenômenos mediúnicos - o prenunciaram e acompanharam. Diferente porque tão desprovida de bens materiais atraiu a ira de Heródes, o Grande, aliado de Augusto que temeu por seu trono. Outras tivessem sido as circunstâncias e a fibra moral de seus pais, talvez esta criança não tivesse escapado de seus inimigos e não tivesse tido oportunidade de morar em Nazaré, associando seu nome ao dela - Jesus de Nazaré - e a perpetuando na história da humanidade.

Jesus de Nazaré, o Rabi ambulante que aos poucos congregou discípulos fiéis com sua mensagem extraordinariamente simples e bela de que somos mais do que simples seres mortais. A "Boa Nova" do reino mobilizou corações e mentes, sobreviveu a sua execução pelas autoridades constituídas de sua época, já sobe o imperador Tibério, e reafirmada pela sua "ressurreição" espalhou-se pelo mundo.

A mensagem do homem de Nazaré, reconhecido por muitos como o enviado de Deus, o "ungido" (Messias), modificou os panoramas humanos. Confortou os pobres, deu novas esperanças aos sofredores, dignificou os homens abolindo as diferenciações entre senhores e escravos, elevou a dignidade humana a novas alturas, dando consciência ao homem que ele era acima de tudo herdeiro de Deus. A mulher pobre, a criança indefesa, o doente sem esperança e o fraco sem apoio, ganharam sob influência do Nazareno a proteção que as veneráveis tradições das velhas civilizações sempre tinham lhes negado.

O duro trabalho para a conquista do pão de cada dia, que o filho do carpinteiro deve ter também conhecido, foi elevado a novas alturas. Nos registros escritos sobre sua passagem pela Terra preservarem-se as referências elogiosas aos pequenos trabalhores de sua terra, nas roupagens dos agricultores que semeiam a terra, dos pescadores e de outras tantos citadas em parábolas e ensinamentos.

E a mensagem foi tão bela, tão diferente de tudo que o mundo mediterrâneo tinha conhecido até então, que seus primeiros discípulos enfrentraram toda série de incompreensões e perseguições que uma sociedade tão violenta poderia desferir. Foi assim que enquanto Nero, outro dos sucessores de Augusto, se comprazia com as festas de seu palácio. a "Domus Aurea", cristãos eram convertidos em tochas humanas e antepasto para as feras. Não entre gritos e pedidos de clemência que aquela alma perdida na ignorância esperava, mas entre cantos de louvor e a alegria da missão cumprida.

O Cristianismo dos primeiros séculos conquistou Roma pela grandeza de seus discípulos, o espetáculo daquelas almas iluminadas pela mensagem do Cristo (a transposição para o grego do "ungido"), abalou o orgulho milenar. Sua integridade moral e a certeza plena na vida espiritual, diante de um mundo onde tudo se desvanecia na busca do poder e da riqueza, chamou a atenção de Constantino, que fez do Cristianismo o principal pilar de seu projeto de governo.

Séculos e mais séculos se passaram desde que os últimos imperadores de Roma reinaram na cidade eterna. Os vastos salões dos palácios de Augusto, Tibério e Nero nada mais são que ruínas imponentes. Mesmo Constantinopla - a "Nova Roma" de Constantino - já não passa de escombros esparsos no meio da moderna Istambul. Meros vestígios que lembram aos turistas que a glória do mundo é transitória.

A mensagem de Jesus por outro lado continua, nas mais diversas vozes - inclusive as do plano espiritual desde as manifestações de Hydesville em 1848 - nos mais diversos idiomas e adaptadas as mais diversas culturas. O Caminho continua aberto, a Verdade continua acessível a quem se dispuser a procurá-la e a Vida eterna continua a ser o destino de todos nós.

Entre toda a decadência moral dos nossos dias - em que todos os valores parecem reduzidos ao que pode ser comprado e vendido - entre toda a violência e todo o desespero, entre a escravidão pelos prazeres do mundo e o desrespeito a vida que novamente é ameaçada desde o feto indefeso, os discípulos de Jesus são, como sempre foram desde as primeiras pregações no mar da Galiléia, a luz do mundo e o sal da terra.

Entre os discípulos de Jesus estamos nós, Espíritas. E conscientes disto devemos nos empenhar em trazer para nossas vidas tudo o que ele ensinou. A vida é uma preciosa oportunidade, ainda mais quando sabemos que ela é uma etapa educativa, parte da vida eterna. Não devemos desperdiçá-la nos queixando das circunstâncias da época em que vivemos, mas sim aproveitá-la na transformação interior e na atividade exterior aplicada no bem de todos.

E falando em discípulos de Jesus, no esforço para praticarmos o que ensinou, aproveitamos para prestar nossas homenagens a dois grandes Espíritas que retornaram recentemente ao plano espiritual. Eduardo Carvalho Monteiro e Miguel Pereira, completaram suas tarefas terrenas e devem estar neste momento amparados pelos amigos espirituais, recuperando-se para novos labores. Pois o verdadeiro espírita sabe que a morte não existe e a atividade no bem não cessa jamais.


Muita Paz e um Feliz Natal para todos,
Carlos Iglesia
editor@geae.inf.br

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 ° ARTIGOS

Em Defesa da Vida

 A Propósito das proposições que visam alterar a legislação sobre o aborto no Brasil

(Trecho do Artigo Aborto, de autoria de Christiano Torchi)

O ginecologista norte-americano, Dr. E. Nathanson, ex-diretor da maior clínica abortista do mundo, que praticou, pessoalmente, cerca de 5.000 abortos e supervisionou outros 60.000, felizmente, reconheceu o seu lamentável engano, confessando, inclusive, os métodos desleais com que eram manipuladas e fraudadas as pesquisas, nos Estados Unidos, para o efeito de sensibilizar a opinião pública e o Congresso, para obter a aprovação de leis abortivas.

Esse arrependimento se deu depois que ele se especializou em fetologia e pôde constatar, cientificamente, que o feto é uma criatura humana e não apenas um amontoado de carne. Com o desenvolvimento da Medicina, pela ecografia¹, foi possível realizar a filmagem do comportamento do feto, no momento da prática abortiva.

Graciela Fernàndez Raineri, no livreto “Deixe-me viver”, com base nas experiências narradas pelo Dr. Nathanson, descreveu a reação de um ser indefeso e encurralado no útero materno, no momento do aborto:

 “Vi o filme médico ‘O GRITO DO SILÊNCIO’, apresentado pelo doutor E. Nathanson, famoso médico ex-abortista norte-americano. Ele mostra, mediante uma ecografia realizada na mãe no momento do abortar, o que sucede com esse ser que - apenas agora se sabe com certeza científica - já tem todas as características próprias da vida humana: capacidade sensitiva à dor, ao medo e apego à vida. Ao vê-lo, acreditei ser uma OBRIGAÇÃO SOCIAL divulgá-lo, porque todos (sobretudo as mães) têm o direito de saber o que realmente sucede em um aborto.

Em instantes prévios à operação abortiva, se vê o feto (neste caso verídico, de doze semanas) com movimentos calmos, colocando o polegar na boca de vez em quando, totalmente tranqüilo nesse ambiente de paz, como é o claustro materno. Ao introduzir o abortista no útero o primeiro elemento metálico procurando a bolsa amniótica para seu rompimento, o novo ser perde seu estado de tranqüilidade. Seu coração se acelera enquanto tenta movimentos nervosos de mudança de lugar. A bolsa é rota e se introduz o instrumento de aspiração. É notório que nenhum dos elementos metálicos tocou ainda no feto e, no entanto, ele pressente algo anormal e terrível próximo a lhe suceder, porque agora muda de lugar em um ritmo enlouquecido para os lados e para cima, em um desesperado intento de escapar. Seu ritmo cardíaco se eleva mais ainda. Quando o metal já está quase a tocá-lo, encolhe todo o seu corpinho até o limite superior do útero e sua boca se abre desmesuradamente. Aqui é alcançado pela aspiradora, que desde suas extremidades inferiores o vai succionando e até o destroçando, até ficar somente a cabeça, que não passa pelo conduto de aspiração. Esta é triturada, então, com uma espécie de tenaz que vai retirando os pedaços do que foi um ser humano aterrorizado, que ainda mesmo sob tamanha desigualdade de condições, fez o impossível para não morrer e, no instante final, ABRINDO SUA BOCA AO MÁXIMO, como um último intento de expressão humana - ainda desconhecida e prematura, porém sem dúvidas com o instinto de sua natureza -, de pedir auxílio... A QUEM??

Eu, pessoa humana, que ascendi à maravilhosa realidade da vida e posso gritar e expressar minha vontade, empresto hoje minha voz a todos esses seres humanos que, ao serem abortados, quiseram gritar solicitando a vida, abrindo sua boca, porém... ainda não tinham voz! NÃO É UM ATITUDE PESSOAL SUBJETIVA. Investiguem vocês. É científica e humanamente real. Em nome de todos esses inocentes, eu peço a quem competir que projete este filme nos últimos anos secundários de todos os colégios de mulheres e homens, nas universidades etc..., a fim de que se faça conhecer por todos os meios isto que faz a própria essência da pessoa humana; seu inalienável direito à vida”. (Obra citada, 1a ed.. Capivari-SP: Editora Espírita Mensagem de Esperança, janeiro/95). Destaquei.

¹ Ecografia ou ultrassonografia é um exame complementar (auxiliar) no qual se visualisa os órgãos internos através de imagens indiretas. Funciona como um radar de sumarino ou avião. O aparelho emite sons de alta freqüência e os recebe de volta. Dependendo da distância e do tamanho dos elementos a serem examinados se obtém diferentes tons de coloração cinza ou colorido, conforme o tipo de aparelho utilizado.

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Vendo o Invisível
, Ademir L. Xavier Jr., Brasil

Uma revisão rápida de alguns métodos de se observar
o que não é acessível aos sentidos comuns

Parte II

(Continuação do Artigo iniciado no Boletim 503)


3 Radiações invisíveis (causas materiais)

Raio X

A 8 de Novembro de 1895, o professor alemão Wilhelm Conrad Röntgen (1845-1923), enquanto trabalhava em seu laboratório em Wurzburg, prestou atenção a irradiações luminosas que partiam de uma tela emulsionada com platinocianeto de bário, todas as vezes que ligava um dos seus "tubos de Crookes", um dispositivo de raios catódicos inventado por William Crookes (1832-1919). A tela estava localizada longe do tubo e sempre reluzia ainda que qualquer outro objeto fosse colocado na linha que a ligava ao tubo. Röntgen foi capaz de mostrar a propriedade de penetração desses raios, fornecendo ao mundo a primeira "radiografia" e um método eficaz de pesquisa médica e física.

A descoberta de Röntgen foi totalmente acidental pois os raios emitidos pelo tubo de Crookes são completamente invisíveis. Hoje sabemos que se devem à colisões de minúsculas partículas (elétrons) na parede do tubo que os gera. Na época de Röntgen a realidade dessas partículas (igualmente invisíveis) era absolutamente desconhecida. Atentando para o desenho da Fig. 3, vemos que a “realidade” (no sentido de sua impressão ao um sentido ordinário – a visão) foi inferida indiretamente por meio da placa emulsionada com o sal de bário que tem a propriedade de emitir luz toda vez que atingida pelos raios X. Acidentalmente também, Röntgen descobriu que esses raios não eram barrados por obstruções materiais. Trocando a placa por uma chapa fotográfica e o objeto por um membro do corpo humano, a radiografia médica estava inventada.


Fig. 3 Esquema da descoberta de Röntgen (Raios X)


Ondas de Rádio

A base teórica para compreensão e previsão da existência de ondas de rádio foi feita por James Clerk Maxwell em 1873 em seu artigo "A dynamical theory of the electromagnetic field" publicado na Royal Society. De acordo com [1], David Hughes em 1878 mostrou que sua balança de indução provocava ruídos em um telefone construído em casa por ele. Na época, sua descoberta foi desqualificada como sendo efeito de indução de correntes. Entre 1886 e 1888, Heinrich R Hertz validou a teoria de Maxwell por experimentação, demonstrando que a radiação gerada por ele tinha característica de ondas. No Brasil, o padre Landell de Moura conduziu experimentos por volta de 1893 sobre um dispositivo de rádio primitivo.

Na essência do experimento de Hertz estava a produção de um tipo de radiação invisível que não se poderia explicar usando o paradigma de indução de correntes (¹). Hoje sabemos que a indução de correntes pode ser usada na explicação da excitação elétrica provocada nas antenas de rádio mas acoplada à idéia da propagação das ondas eletromagnéticas. Na época a realidade dessas ondas não era conhecida, e muito menos que se tratava de um tipo de radiação da mesma natureza da luz.



Fig. 4 Esquema da demostração de Hertz sobre ondas eletromagnéticas (OEM).

A Fig. 4 traz um desenho muito simplificado do experimento de Hertz. Usando uma bobina de indução (semelhante a usada por Röentgen),  faíscas são geradas em dois terminais acoplados a um sistema capacitivo (que armazena eletricidade até ocorrer uma faísca). A faísca gera ondas eletromagnéticas que se propagam pelo espaço (ondas de rádio). Essas ondas são detectadas a distância por um outro dispositivo chamado resonador. O resonador produz faíscas cuja intensidade depende de sua distância da bobina. Com esse arranjo, Hertz foi capaz de mostrar a “natureza ondulatória” da radiação eletromagnética, demostrando, inclusive a existência de polarização nas ondas de rádio (²).

Além da possibilidade de “ver o invisível” presente em todo espectro eletromagnético (Fig. 5), para além do violeta e abaixo do vermelho, sistemas de comunicação eficientes foram desenvolvidos com considerável sofisticação na região das ondas de rádio. O esquema inferior da Fig. 5 (explicando a comunicação via rádio) pode ter todos os constituintes equivalentes da Fig. 2 plenamente evidenciados. Analisemos os experimentos de Röntgen e Hertz de acordo com a perpectiva de interação sensorial explícita na Fig. 2. Tanto o raio X como as ondas de rádio - que hoje sabemos ter a mesma natureza, a despeito da diferença de uma propriedade fundamental, o comprimento de onda - não geram fenômenos registráveis pelos sentidos descritos na Fig. 2. Houve uma longa cadeia de raciocínios e ponderações (com  consideráveis trabalhos teóricos) até que se concluísse serem os dois experimentos explicáveis por uma mesma causa. Não se pode dizer que os raios X ou as ondas de rádio tornaram-se conhecidas para nós por meio desses experimentos, sem levar em consideração os trabalhos teóricos da época. Podemos dizer que eles evidenciam hoje, diante de uma teoria consideravelmente aceita e bem desenvolvida - e de forma totalmente indireta aos nossos sentidos humanos - a existência de uma causa comum que nos é insensível. Esses arranjos experimentais (e outros mais sofisticados) são meios que nos possibilitam hoje interagir com radiações invisíveis, através de sistemas que geram sinais detectáveis por nossos sentidos ordinários.



Fig. 5 Espectro eletromagnético e uma explicação de como funciona o sistema de comunicação via rádio.

Referências

[1] http://en.wikipedia.org/wiki/Radio

¹ Diz respeito ao aparecimento de correntes em condutores devido a ação de outras correntes próximas ou magnetos em movimento.

² Fenômeno típico da radiação luminosa que se sabia, na época, ter origem na natureza ondulatória da luz.


Continua no próximo Boletim
                                                                                     
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° HISTÓRIA & PESQUISA

(Seção em parceria com a "Liga de Historiadores e Pesquisadores Espíritas")

Desencarnação de Eduardo C. Monteiro, Julia Nezu, Brasil


Prezados amigos,
 
Noticiamos a desencarnação de Eduardo Carvalho Monteiro, aos 55 anos de idade, hoje, dia 15/12/2005, às 8 horas, após uma internação de 70 dias, no Hospital Alvorada, na cidade e estado de São Paulo. Foi internado em estado bastante grave de diabetes, passou mais de 20 dias na UTI. Contou-nos que quando se encontrava em estado de coma teve uma experiência de quase-morte e que os Espíritos do lado de lá mandaram que ele retornasse para o lado de cá. Venceu essa fase difícil e estava em recuperação no quarto - nessa última semana não estava muito bem - e desencarnou motivado por uma parada cardíaca, na manhã de hoje. O velório será a partir das 16 horas de hoje no VELÓRIO DO CEMITÉRIO DO CAMPO GRANDE, na Av. Nossa Senhora do Sabará (altura do 1.300) , travessa da Av. Washington Luís, na cidade de São Paulo e será enterrado, nesse mesmo local, amanhã, dia 16/12/2005, às 10 horas.
 
Eduardo Carvalho Monteiro era psicólogo, bacharel em Turismo, historiador, escritor, jornalista, estudioso das ciências herméticas, com quase 40 livros publicados a respeito de História, Espiritismo, Maçonaria e Esoterismo em geral. É assessor pró-memória da União das Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo, assessoria instituída na gestão da presidência de Cesar Perri; Fundador e Coordenador geral do Centro de Cultura, Documentação e Pesquisa do Espiritismo, entidade criada para receber o seu acervo pessoal de documentação histórica do movimento espírita e mais de 35 mil livros - talvez o maior acervo histórico conhecido na atualidade -, autor de quase 40 livros. Articulista da Revista Internacional de Espiritismo, da Editora O Clarim, de Matão, do Jornal Correio Fraterno do ABC de São Paulo, da Revista Universo Espírita e de inúmeros outros periódicos do Brasil. Participou inúmeras vezes de programas da Rede Boa Nova de Rádio, foi entrevistado por diversos programas de TVs e revistas e jornais. Enfim, Eduardo foi um grande trabalhador na difusão da Doutrina Espírita, um pesquisador da memória do Espiritismo de Kardec aos nossos dias. Trabalhava dia e noite no escritório de sua casa rodeado por livros e documentos, por todos os lados, e dizia aos amigos mais próximos, que o tempo não lhe era suficiente para produzir tudo que tinha em mente.
 
A biografia acima é apenas uma pequena parte do que ele realizou. Depois, com um pouco mais de tempo reuniremos um material mais completo sobre as atividades por ele realizadas como uma referência para o movimento espírita do presente e do futuro.

Obrigada, Eduardo, pelo seu profícuo trabalho na Seara de Jesus. Obrigada, Eduardo, pela sua amizade e fraternidade.

Que Jesus, nosso mestre e amigo, esteja com você!

Livros espíritas de autoria do Eduardo Carvalho Monteiro, entre outros:
 
Livros não espíritas: (alguns que conheço)

Julia Nezu - São Paulo
Diretora de Comunicações da USE-SP
e Coordenadora do CCDPE

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A Intensidade de uma Vida, WGarcia, Brasil

Recife-PE

Dezembro, 15, 2005. Eduardo partiu hoje, pela manhã. Pela Júlia Nezu e outros amigos recebi a notícia. Estive com ele no Hospital Alvorada dia 29 de novembro, em companhia do amigo comum Maurício Ribeiro. Estava esperançoso de retomar as atividades normais, mas sabia-se em grandes dificuldades. As pernas sem movimento, a voz baixa e marcas de incisões nos braços e no corpo. Reclamou de não poder mudar de posição no leito. Fez-nos, emocionado, confidências particulares, confidências que a nós faziam sentido e tinham imenso valor. Por cerca de uma hora, conversamos amenidades e recordamos fatos passados. Enfim, o deixamos. Era a despedida de quem estava de retorno aos campos floridos de um espaço sideral deixado anos atrás, onde a vida tem outros sentidos mais e, certamente, novas e fortes emoções.

Este momento sereno me conduz a relembrar a trajetória que, juntos, fizemos. Ficaria eu bastante chateado se não tivesse tido a feliz idéia de visitar o Eduardo em seu leito hospitalar, poucos dias antes de sua partida. Era preciso que isso ocorresse. Por muitas razões, entre as quais a de que ele se fez presente em grande parte da minha vida, especialmente em momentos cruciais. Recordar, portanto, a nossa trajetória significa prestar um preito de gratidão a quem realizou um grande e despretencioso trabalho pela causa do Espiritismo, na qual acreditava com todas as forças.

O início de tudo

Conheci Eduardo em 1978. Por alguma indicação da qual não me recordo, ele nos procurou na Editora Correio Fraterno do ABC para oferecer o livro que havia concluído sobre a vida de Jésus Gonçalves. A editora, como tal, era nova. Havia lançado então apenas dois títulos: “O Besouro Casca-Dura e outros contos”, de Iracema Sapucaia, e “Eurípedes Barsanulfo, o Apóstolo da Caridade”, de Jorge Rizzini.

Provavelmente, Eduardo se motivou a nos procurar em vista deste último livro, pois, curiosamente, o seu copiava o título daquele: “Jésus Gonçalves, o Apóstolo da Caridade”. Ao entregar os originais, disse: “Faça uma revisão e o prefácio”.

Estávamos às vésperas do Carnaval. Coloquei os originais na mala e demandei com a família para minha cidade natal na Zona da Mata mineira. Ali, pus-me a ler com atenção o livro e procedi a diversas anotações, sugestões de mudanças e alguns cortes. Eduardo, então, já se mostrava um arguto pesquisador, mas carecia de melhores condições no preparo do texto e na organização das diversas partes do livro. Entre as minhas sugestões estava a de mudar o título para “A extraordinária vida de Jésus Gonçalves”, sob o argumento de que havia uma diferença fundamental entre a vida de um apóstolo e a de uma grande figura, na qual mais bem se encaixava o biografado. Eduardo resistiu um pouco mas, enfim, aceitou. Creio que cedeu por conta de desejar ver logo publicado aquele que seria o primeiro livro de sua copiosa produção literária.

O adjetivo extraordinário contido no título do livro logo se aplicou, também, à sua aceitação pelo público: em menos de três meses se esgotaram os seis mil exemplares da edição, edição logo sucedida por outras e outras mais, tornando-se, assim, um verdadeiro sucesso de venda.

Iniciava ali, também, uma longa convivência entre nós, convivência que se estenderia à vida privada de ambos, bem como nos levaria a produzir alguns livros em regime de co-autoria. A mim coube, também, publicar vários outros livros do Eduardo e alguns com o meu prefácio.

Passei a dividir com o Eduardo o cotidiano, conheci seus dramas familiares, a trajetória obsessiva pela qual passou, sua chegada ainda jovem a Uberaba pelas mãos de uma grande amiga, a relação com Chico Xavier e sua adesão incondicional ao Espiritismo. Sabia-se mudado profundamente após essa dura experiência que a obsessão lhe impusera.

Torcedor quase fanático do São Paulo Futebol Clube, tinha cadeira cativa no Morumbi e chegou a ser chefe de torcida organizada. Ao assumir o Espiritismo, não deixou de acompanhar o clube do seu coração nem de torcer freneticamente por ele, mas foi reduzindo sua presença nos estádios e substituindo o tempo ali gasto por atividades mais úteis ao ser humano e à sociedade.

Algum tempo depois do lançamento do seu livro sobre Jésus Gonçalves, Eduardo organizou um outro livro, com páginas psicografadas pelo médium Eurícledes Formiga, poeta premiado, de autoria do conhecido espírita Rubens Romanelli. Eduardo se afeiçoou a Formiga e tornou-se um de seus melhores amigos, acompanhado-o em suas atividades mediúnicas até o retorno de Formiga ao mundo invisível. O livro tem por título “Construções do Espírito”.

Psicólogo por formação acadêmica, mas sem exercer a profissão, Eduardo esteve conosco em 1982, no VIII Congresso Brasileiro de Jornalistas e Escritores Espíritas, na capital baiana, integrando-se desde então na comissão que assumiu naquele evento máximo do Espiritismo de então a responsabilidade de realizar em São Paulo o próximo congresso. Ali também tivemos contato pela vez primeira com o médium Edson Queiroz, com quem o famoso Espírito do médico alemão Doutor Fritz realizava cirurgias mediúnicas.

Muito bem impressionados com a destreza mediúnica do médium, combinamos levá-lo à capital paulista, para atendimento público. Como, na ocasião, eu dirigia, também, o jornal “O Semeador”, da Federação de São Paulo, obtive com o então presidente, João Batista Laurito, o necessário apoio material e institucional para Edson em São Paulo. Vale registrar que foi esta a primeira (e última) vez que aquela instituição promoveu em suas instalações um evento de tal natureza, rompendo por instantes com os limites impostos pelo preconceito em relação a fenômenos mediúnicos dessa natureza. Mas não saiu impune o presidente Laurito. E nós também. O registro dessa desafiadora ação está no livro de minha autoria de título “Sinal de vida na imprensa espírita”, Editora EME.

Eduardo participou de tudo isso, lado a lado comigo. A comissão encarregada de organizar em São Paulo o próximo congresso de jornalistas e escritores teve nele o principal esteio, seja para enfrentar o desafio de um cometimento de tal envergadura, seja nos conflitos que se estabeleceram por conta de uma oposição política cujo interesse estava centrado no insucesso do congresso. Trabalhou ele arduamente em todas as etapas, da organização do temário à definição dos oradores, da escolha do local aos acertos dos detalhes mais simples. A ele se deve uma das maiores parcelas do sucesso do XIX congresso realizado em 1986.

Logo nos primeiros tempos de organização do evento, propus ao Eduardo o desafio de escrevermos um livro sobre o patrono, Cairbar Schutel, com a finalidade de lançá-lo na abertura do congresso. Eduardo arregaçou mangas também aí e, juntos, passamos a fazer pesquisas, viajando diversas vezes a Matão, onde Cairbar realizou seu grandioso trabalho, bem assim a diversos outros lugares para entrevistas e levantamento de informações necessárias.

Valem alguns registros curiosos e interessantes. A franqueza com que os faço será, não tenho dúvida, apreciada pelo Eduardo. Se não o for, porém, será apenas mais um dos conflitos que vivenciamos em nossa relação de grande amizade e sentimentos recíprocos de afeto, conflitos que, se em alguns momentos nos distanciaram um do outro, não foram jamais suficientes para destruir uma amizade de longo tempo e muitas vidas.

Tinha eu a intenção de participar com o Eduardo das pesquisas e trabalhar no texto final do livro. Eduardo não comungava da idéia. Antes, havia guardado desde 1978 um certo ressentimento pelo fato de haver eu interferido em seu livro sobre o Jésus Gonçalves, em especial pelas supressões sugeridas e os acertos estéticos do texto.

Sem nada comentar a respeito no curso das pesquisas, ao aproximar o fim do prazo para entregarmos à Editora o livro, veio até mim com uma pasta e disse: “Aqui está a minha parte. Leia, mas vou logo avisando, eu não aceito nenhuma mudança”. Surpreso, também bati o pé. Silencio por silencio, eu ganho, pois sou mineiro. Não li a parte do Eduardo, apenas juntei o que havia escrito e entreguei tudo ao Aparecido Belvedere, da Editora O Clarim, para a edição do livro.

Um outro fato interessante. Eduardo e eu, na companhia do amigo comum e inesquecível companheiro Hélio Rossi, que também integrava a comissão do congresso, estávamos na sede da Editora O Clarim discutindo com os seus diretores a respeito de detalhes do livro que estava na fase de pesquisa. Havia algumas informações sobre o biografado que Eduardo, com minha aquiescência, julgava ser necessário registrar no livro. Éramos de parecer que uma biografia não deveria omitir detalhes, mesmo que algum deles não fosse totalmente positivo para o biografado. Era o caso. Os diretores não aceitaram, argumentando que não havia prova definitiva sobre o acontecimento em análise. O conflito se estabeleceu e foi por diversas vezes discutido. No final, prevaleceu o argumento da Editora.

Fica do fato uma revelação sobre a personalidade do Eduardo, sempre disposto a defender a verdade, independentemente das circunstâncias e contextos.

Enfim, em abril de 1986, o livro “Cairbar Schutel, o bandeirante do Espiritismo” foi lançado na sessão de abertura do XIX Congresso Brasileiro de Jornalistas e Escritores Espíritas, no Centro de Convenções Rebouças, em São Paulo. Deste congresso resultou ainda um outro livro, cuja autoria assumi, publicado em 2004 com apoio da Associação Brasileira de Divulgadores do Espiritismo (Abrade) e cujo título é “Espiritismo Cultural: Artes, Literatura e Teatro”.
 
Outros trabalhos

A experiência com a obra sobre a vida de Cairbar Schutel me levou a propor ao Eduardo outro desafio: registrar em livro a vida de uma figura que me era muito cara: Pedro de Camargo, mais conhecido por Vinicius. Eduardo aceitou. Juntos, demos início a uma série de viagens, entrevistas, localização de documentos, contatos com familiares e tudo o mais que uma atividade dessas exige.

Alguns percalços no caminho levaram ao Eduardo um certo desânimo, especialmente porque alguns parentes sonegaram informações e julgaram-nos sem a devida competência para o trabalho. De forma que as pesquisas foram paralisadas até que um dia, alguns anos mais tarde, propus ao Eduardo reunir tudo o que já havíamos levantado a respeito de Vinicius para verificar a possibilidade de concluir a biografia. Entregou-me ele o material em seu poder e deu-me inteira liberdade para fazer o uso que desejasse, uma vez que ele não teria tempo para prosseguir em vista de outros compromissos assumidos. Conclui o trabalho e assim surgiu mais um livro em co-autoria: “Vinicius – educador de almas”, lançado pelo selo EME/Eldorado.

Em maio de 1987, Eduardo fez-me uma proposta inusitada: convidou-me para ser maçom. Inusitada e surpreendente. Nunca pensara em me tornar maçom e sequer sabia que ele havia ingressado na Ordem. Eduardo insistiu, falou-me por alto do assunto, instigou minha curiosidade e saiu do meu escritório com o meu sim. Deixou-me um longo questionário de quatro páginas para ser preenchido e veio buscar pouco depois. Em seguida, veio ter comigo um senhor de nome Aluisio José de Freitas, proprietário da Sigbol, uma escola de corte e costura localizada na Vila Mariana. Pertencia ao quadro da Loja Maçônica Amphora Lucis e queria fazer uma entrevista comigo em continuidade ao questionário que o Eduardo havia entregado na Loja.

Confessou ter desejado conhecer-me em razões de algumas coincidências matemáticas que ele encontrou nas informações do questionário. De fato, eram no mínimo intrigantes as coincidências. Aluisio havia nascido no mesmo dia que eu, alguns anos antes. Sua esposa havia nascido no mesmo dia que minha esposa. Um de seus filhos nascera no mesmo dia do meu filho mais velho. E outras coincidências semelhantes havia.

Em pouco tempo, pouquíssimo tempo para os padrões de exigências maçônicas, tive o meu processo aprovado e em dezembro daquele mesmo ano fui iniciado na Ordem Maçônica. Mais tarde vim a saber que Eduardo e Aluisio haviam apressado o meu ingresso porque queriam a minha experiência profissional no quadro de colaboradores da revista “A Verdade”, da Grande Loja Maçônica de São Paulo. Aluisio era o diretor geral da revista e Eduardo se integrara no corpo de colaboradores com intensa atuação. Eles dois, praticamente, respondiam pela revista.

Foi assim que, mais uma vez, trilhei caminhos ao lado do Eduardo. Foi uma experiência que durou 14 anos e terminou em dezembro de 2001. Com o Eduardo e o novo amigo, Aluisio, mais o apoio do Grão-Mestre daquela potência maçônica, elaboramos um projeto de desenvolvimento da revista com o objetivo de torná-la uma das melhores do setor. Eduardo, com sua veia inata de pesquisador, produzia ótimos estudos. De minha parte, introduzi modificações técnicas necessárias e fui assumindo cada vez mais participação na revista. Aluisio, na condição de diretor, realizava um trabalho intenso de condução e manutenção das linhas do veículo.

Alguns anos depois, Aluisio viu-se na contingência de deixar a direção da revista. Instado pelo então Grão-Mestre a assumir sua direção, sugeri fosse o convite feito ao Eduardo, reconhecendo nele maior competência para o metier. Eduardo aceitou, muito feliz, porém ficou no cargo apenas alguns meses. Pediu demissão tão-logo se viu confrontado pelo então diretor de Relações Internas da Grande Loja, a quem competia responder pela revista perante a administração, em vista de uma matéria sobre economia a ser publicada.

O episódio deixou suas marcas. Eduardo entendeu que eu deveria segui-lo. Divergimos sobre os motivos de sua demissão e sobre o próprio ato. Eduardo jamais voltou a colaborar com a revista e aliou-se, desde aquela época, à oposição política na Grande Loja.

Eduardo era dado a extremos. Passamos horas inúmeras conversando sobre estes fatos, mas ele entendia que quando tomava uma decisão, era definitiva.

Um pouco antes desses acontecimentos, ou seja, em 1994, havia eu concluído um novo livro com material sobre o período de mais de uma década de participação na equipe do Correio Fraterno do ABC, quando ele me informou que estava concluindo um texto histórico sobre os 70 anos da imprensa espírita no estado de São Paulo. Material pertinente ao livro. Foi assim que publicamos, em 1994, o nosso terceiro livro de parceria, intitulado “Sinal de vida na imprensa espírita”.

Os conflitos fazem parte do dia-a-dia humano. A boa ética nos ensina a conviver com os conflitos para superá-los através do entendimento. Nem sempre, porém, conseguimos nos equilibrar entre os extremos que os conflitos oferecem. Na Loja Maçônica Amphora Lucis, continuamos lado a lado, Eduardo e eu. Até o final de 2001. Entrei pelas mãos dele e pelas mesmas mãos saí, quando o conflito político-institucinal atingiu um clímax insuperável.

Nosso caminhos, porém, nos permitiram construir tantas e tantas obras juntos que um afastamento definitivo era humanamente impossível. Vivêramos intensamente emoções tão marcantes que jamais poderíamos imaginar, sequer, uma vida distante.

Aqui é preciso fazer uma digressão.

Eduardo sofrera intensamente com a situação familiar. Em certa altura da vida, tornou-se o amparo de sua mãe, padecendo com seus padecimentos e velando por sua constituição física, moral e espiritual. Os desencontros familiares marcaram-na profundamente e atingiram o Eduardo. O conhecimento espírita tornou-se a alavanca moral de sua atuação no lar, junto ao coração materno. Em grande medida, foi ele, também, uma presença marcante de um verdadeiro pai na educação de seu sobrinho, quando sua querida irmã viveu dias de desencontros. A desencarnação da mãe atingiu-o de modo muito particular, mas constitui-se no termo de um sofrimento que muito o angustiava. Ao conduzir seu corpo ao túmulo, ele se despediu de alguém por cuja felicidade lutou bravamente, enquanto pôde.

Compartilhei com ele muitos desses momentos. Em contrapartida, ele vivenciou comigo na posição de amigo incondicional diversos revezes. Em 1991, em plena madrugada de uma noite de novembro, fui internado às pressas, com um princípio de infarto. Eduardo, naquele mesmo dia, estava entrando em um período de merecidas férias. Ao tomar conhecimento do que me havia acontecido, correu ao Pronto Socorro onde eu havia sido recolhido e assumiu a condução das providências, dando um apoio incalculável à minha família. Providenciou UTI, ambulância para locomoção, assumiu despesas financeiras, procedeu ao meu encaminhamento à Beneficência Portuguesa para os exames de cateterismo e providenciou a internação no mesmo hospital quando os exames indicaram a necessidade de intervenção cirúrgica. Desentendeu-se, inclusive, com a equipe médica encarregada do meu caso quando esta apresentou a cobrança de um pagamento “extra-contábil”. Mais tarde, ainda revoltado, me contou o fato. Todo esse processo, do instante da internação no Pronto Socorro até a alta hospitalar após a cirurgia demandou exatos 30 dias. Estas foram as férias do Eduardo.

Como afirmei anteriormente, Eduardo era de extremos.

Em todas as obras a que se ligava, assumia integralmente a responsabilidade e se lançava ao trabalho. Um grande amigo me ensinou, um dia, que quem trabalha tem o direito de falar. Eduardo, da mesma forma que trabalhava intensamente por aquilo em que acreditava, exigia dos seus companheiros uma doação igual. E total lealdade. Tinha ele uma visão muito particular de lealdade e isso o fez sofrer muito. Queria uma lealdade incondicional, igual à que daria, na justiça e na injustiça. Mas cada indivíduo tem sua medida e suas noções sobre lealdade. Algo assim como o bom-senso de Descartes.

Se Eduardo dissesse “estou com você”, podia-se acreditar cegamente nele. Em tudo era ele intenso e total. Quando realizava uma pesquisa qualquer, dedicava-se ao máximo e não descansava jamais, porque com o Eduardo as pesquisas jamais têm fim. O seu primeiro livro – “A extraordinária vida de Jésus Gonçalves” – deu frutos pela vida toda. Uma vez que ele puxasse o primeiro fio da meada, não o largaria em tempo algum. É possível que se perdesse em algum labirinto, mas então o fio preso em suas mãos o trazia de volta. Quem quer que vá aos seus arquivos de milhares de livros e documentos, por certo encontrará material inédito não apenas sobre Jésus Gonçalves, mas sobre qualquer assunto de qualquer de seus livros publicados.

Foi com a mesma dedicação que ele integrou-se no trabalho junto aos hansenianos e viajou pelo Brasil inteiro por conta das lutas para mudar o paradigma dessa doença que tantas e tantas vidas segregou da sociedade. A causa hanseniana era uma entre tantas a que se filiou, um exemplo claro do modus operandi do Eduardo. Ela gerou o livro sobre Jésus Gonçalves, pontificou a assistência material permanente no Sanatório Pirapitingüi do interior de São Paulo, conduziu aos desafios políticos da mudança na legislação, enfim, estendeu-se para além, muito além dos limites visíveis.

De igual modo e com a mesma energia, Eduardo assumiu outros muitos compromissos que lhe pareciam justos e honestos. Em 1991, reuniu um grupo de amigos, eu entre eles, para anunciar que havia recebido a oferta de doação de uma chácara no Bairro de Eldorado, na divisa da capital paulista com Diadema. Era uma chácara muito bonita, com algumas construções em alvenaria e cerca de 10 mil metros quadrados de área total. Para fazer a doação, o proprietário exigiu que fosse feito um trabalho social no local.

Decidimos pela fundação da Sociedade Espírita Anália Franco, numa homenagem à grande batalhadora da educação. Eduardo assumiu a presidência, fiquei eu com a vice e a obrigação de constituir uma editora para  gerar receitas à obra. A sociedade assumiu o terreno, implantou rapidamente algumas atividades e preparou-se para receber a doação. Esta, porém, não se concretizou, então. O proprietário passou a fazer novas exigências, do que decorreram inúmeros conflitos. A Sociedade Anália Franco, porém, prosseguiu, ocupando apenas parte do terreno, tendo em vista a solidificação de suas atividades espíritas e assistenciais. A editora projetada para sustentação financeira da obra saiu do papel e editou vários livros. O primeiro deles um trabalho de pesquisa do próprio Eduardo, intitulado “Anália Franco, a grande dama da educação brasileira”.

Alguns anos mais tarde, a chácara foi doada à Grande Loja Maçônica de São Paulo, cabendo à Sociedade Anália Franco uma pequena parte do terreno, onde ainda se encontra.

Turrão e amigo, amoroso e ácido. Eduardo era capaz de fazer os maiores elogios a você e, da mesma maneira, condenar face-a-face as atitudes das quais discordasse. Certa ocasião, viajamos em seu carro esportivo, um Puma que ele mantinha com certo desleixo, para compromissos no interior do estado de São Paulo. Araraquara, a primeira parada. Em instituição espírita local, ele fez uma comovida palestra sobre uma personalidade do movimento, que estava pesquisando. Quando retomamos a estrada para prosseguir a viagem, perguntou-me: o que você achou da palestra. Disse-lhe que ele não precisava imitar o Divaldo Franco, mas deveria assumir a própria personalidade, pois se daria melhor. Ficou furioso comigo. Mas entendeu. Na cidade seguinte, não mais utilizou aquele estilo eloqüente consagrado pelo orador baiano.

* * *

Quando fui visitar o Eduardo no seu leito hospitalar na companhia do Maurício Ribeiro, entendi que ele estava indo embora. Dormia ligeiramente quando chegamos, mas logo abriu os olhos e um leve sorriso apareceu em seus lábios. Começou a contar sua experiência de quase-morte, as visões que havia tido, o mundo novo que se lhe descortinava. O corpo imobilizado impedia-lhe de demonstrar a intensidade natural ao seu ser, mas era visível como aquilo lhe gratificava.

Em certo momento, espontaneamente, revelou-nos algo muito íntimo. Disse Eduardo:

- Sabe, eu aprendi muito nestes dias. Aprendi que a gente guarda muitas mágoas, elas se acumulam e acabam um dia fazendo um mal imenso.

Olhando-nos fixamente, demonstrando relativa tranqüilidade, prosseguiu:

- Eu guardei muitas mágoas e não percebi isso. Elas foram me corroendo por dentro, me conduzindo a atitudes injustas. Eu estou mudando. Quando eu retomar a vida normal, vou rever minha agenda. Não vou fazer mais as coisas da maneira como vinha fazendo. Toda essa pressa, toda essa loucura não vale a pena. As coisas não podem ser dessa forma.

A vida normal para Eduardo, ali prostrado, era a dos milhares de dezenas de anotações, o convívio com os amigos e as pesquisas quase intermináveis. A intensidade é que mudaria.

Eduardo mudou. Mudou-se. Foi reencontrar-se com as centenas de almas por quem lutou e a mãezinha saudosa. Os amigos lhe desejam breve retorno.


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 ° QUESTÕES & COMENTÁRIOS

Resposta à Pergunta sobre Êxtase da dupla vista, Mariza de Melo, Brasil

Pergunta formulada por Fernando Moreira no Boletim 503


Caros amigos do GEAE.

Tentando responder a pergunta de Fabiano.

2) Em êxtase o Espírito apenas vê estes mundos ou penetra neles. Se o faz, que modificações acontecem no seu perispírito para que possa
penetrar nestes neles? Gostaria de esclarecer para buscar a sabedoria: "A sabedoria tem dúvidas, só a ignorância tem certezas."

** Em êxtase o Espírito penetra em um mundo desconhecido, o dos Espíritos etéreos e entra em comunicação com eles. Êxtase é o sonambulismo mais apurado, pois a alma do êxtase é mais independente. Quanta a modificação do perispírito deve ocorrer, da mesma forma que se passa se vamos a mundos inferiores, deixo em aberto aos companheiros.

** Acrescentando a explicação sobre "Desdobramento" que Kardec chama de "Dupla Vista" ou segunda vista-----> que são as faculdades de ouvir, ver, que vai além dos limites da matéria.

Além do livro "Nos Domínios da Mediunidade", referido pela companheira Jussara Korngold,vemos estas explicações nos livros de Kardec, Livro dos Médiuns, O Espiritismo Perante a Ciência de Gabriel Delane, Magnetismo Espiritual de Michaelus,etc.

E fato "mediúnico" se durante a emancipação da alma o Espírito recebe instruções dos Espíritos. Se as informações são fornecidas pelo própio Espírito do médium------> fato "anímico".

Com carinho

Mariza De Melo
Emmanuel Spiritist Center of Philadelphia

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° PAINEL

Desencarna Miguel Pereira - Presidente do Grupo Os Mensageiros,
Julia Nezu, Brasil


Prezados amigos,

Noticiamos a desencarnação de Miguel Pereira, aos 64 anos de idade, ontem, dia 12 de dezembro de 2005, às 17 horas, motivado por infarto fulminante e está sendo velado desde esta manhã no velório da Vila Alpina até às 16h30, quando o corpo será cremado.
 
Miguel Pereira foi trabalhador durante décadas na Casa Transitória Fabiano de Cristo, da FEESP, é Presidente desde 1.974, do Grupo Os Mensageiros (fundado pelo Sr. José Gonçalves Pereira), que distribui atualmente 10 milhões de mensagens espíritas por mês, para todo o Brasil e para o exterior em 6 idiomas (inglês, espanhol, francês, italiano, alemão e esperanto).
 
É autor de 4 livros, sendo 2 em homenagem ao Fundador da Casa Transitória Fabiano de Cristo, da FEESP, José Gonçalves Pereira, com quem trabalhou por muitas décadas, um livro de álbum de fotos e um recente sobre a história do Grupo Os Mensageiros. Durante 10 anos consecutivos, a pedido de Chico Xavier, cantou nos eventos que tiveram a presença de Chico, de quem foi amigo muito próximo. Gravou diversos CDs entre eles "Canções do Infinito".
 
Na Rede Boa Nova de Rádio apresentava o programa "Coração Seresteiro".
 
Desejamos ao querido amigo que retorna ao mundo espiritual, após um encarnação de profícuo trabalho na seara de Jesus, um feliz regresso, com as bênçãos de Jesus.  Deixará muitas saudades entre nós que ficamos, mas certamente, do lado de lá, os amigos seus estão em festa, pois o Miguel é um exemplo do Homem de Bem.
 
Julia Nezu - São Paulo
Diretora de Comunicações da USE-SP

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Instituições Espíritas Mobilizam-se a Favor da Vida, FEB, Brasil


Deputados, senadores, ministros e procuradores da República
receberam documentos sobre a questão do aborto


As proposições que visam alterar a legislação sobre o aborto estão sendo alvo de uma ação organizada do Movimento Espírita brasileiro. Com vistas a esclarecer parlamentares, médicos, juízes, procuradores e membros do Poder Executivo, dois documentos foram elaborados e distribuídos pela Associação Médico-Espírita do Brasil (AME) e pela Associação Brasileira dos Magistrados Espíritas (Abrame).

A AME elaborou o documento A Vida contra o Aborto – Dez Perguntas e Respostas sobre a Origem da Vida e a Natureza do Embrião, que apresenta a visão científica do abortamento. Segundo a Presidente da Associação Médico-Espírita do Brasil, Marlene Nobre, a vida é um bem indisponível cuja formação não pode ser atribuída ao acaso e que, mesmo em estágio inicial, demonstra profunda complexidade e total independência em relação ao corpo materno.

A Abrame utilizou-se de argumentos jurídicos no livreto O Direito à Vida no Ordenamento Jurídico Brasileiro. O destaque é a alegação de que todas as proposições que tramitam no Congresso Nacional visando descriminalizar o aborto são inconstitucionais, uma vez que a Constituição Federal de 1988 garante o direito à vida em todas as circunstâncias. O texto foi distribuído pela Abrame a todos os juízes brasileiros.

Durante o mês de junho, os Presidentes da Federação Espírita Brasileira (FEB), Nestor Masotti; da AME, Marlene Nobre; e da Abrame, Zalmino Zimmermann, entregaram exemplares das três publicações para o Presidente do Congresso, Senador Renan Calheiros; para o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Ministro Edson Vidigal; além de diversos Procuradores Federais, entre eles o procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza; Senadores e Deputados Federais. Nas visitas à Procuradoria Geral da República e ao STJ, os dirigentes espíritas foram acompanhados pelo Ministro Costa Leite, do Superior Tribunal de Justiça.

A FEB também produziu a cartilha "Família, Vida e Paz", com vistas a dar subsídios para a implementação das Campanhas "Em defesa da Vida", "Viver em Família" e "Construamos a Paz Promovendo o Bem" e um texto A Visão Espírita sobre o Aborto, que foi encartado na revista Reformador do mês de julho.

Milhares de cartazes e folhetos sobre a campanha Em Defesa da Vida foram impressos pela FEB e estão sendo distribuídos gratuitamente para instituições espíritas de todo o Brasil. Para receber, basta escrever para relacionamento@febrasil.org.br e indicar nome e endereço da instituição.

Participe da enquete sobre a ação dos espíritas a favor da vida, clicando aqui.

Mais informações, fotografias em alta resolução e vídeos:
Assessoria de Comunicação da FEB
Sonia Zaghetto
Stela Bertolino
(61) 3224-5575

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Estudo aponta que trauma decorrente de aborto provocado dura mais tempo

Um novo estudo de pesquisadores da Universidade de Oslo (Noruega) demonstra que abortos voluntários podem resultar em traumas psicológicos que levam pelo menos cinco anos para serem superados. O resultado da pesquisa foi publicado nesta segunda-feira na revista acadêmica online BMC Medicine (www.biomedcentral.com/1741-7015/3/18/abstract).

A equipe de cientistas da Universidade de Oslo comparou 40 mulheres que tiveram abortos espontâneos com outras 80 que optaram pela interrupção da gravidez. Concluíram que o trauma psicológico de aborto 'pode durar 5 anos'
 
 Aquelas que perderam os bebês em razão de problemas no parto sofreram estresse mental nos seis meses subsequentes. Já as mulheres que praticaram abortos de vontade própria enfrentaram efeitos negativos de duração maior.

O novo estudo faz cair um dos principais argumentos dos ativistas que militam pelo direito ao aborto: o que diz não haver provas ligando diretamente aborto provocado a trauma psicológico.

Os pesquisadores noruegueses disseram que os resultados reforçam a importância de se oferecer às mulheres informações sobre os efeitos psicológicos da perda de um filho, seja naturalmente, seja por aborto premeditado.

A equipe constatou que, dez dias após o aborto, 47,5% das mulheres que tiveram aborto espontâneo apresentaram sinais de algum tipo de sofrimento mental, contra 30% das que se submeteram a abortos.

O total de mulheres psicologicamente abaladas pelo aborto espontâneo caiu com o passar do tempo – 22,5% delas após seis meses e apenas 2,6% passados dois anos e cinco anos.

Já no grupo das mulheres que abortaram por escolha própria, 25,7% ainda sofriam sequelas psicológicas depois de seis meses, e 20% delas continuavam com problemas mentais relacionados ao aborto cinco anos mais tarde.

"Sempre considerou-se isso, e este estudo também mostra, que a decisão de interromper uma gravidez pode trazer sentimentos de ansiedade e culpa por longa data", disse Richard Warren, do Royal College of Obstetricians, da Grã-Bretanha.

"Embora a maioria das mulheres sejam capazes de lidar com esses sentimentos, a necessidade de apoio e aconselhamento deve ser reconhecida e a ajuda apropriada deve ser oferecida."

In FEB Notícias - Trauma do Aborto Dura 5 Anos

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GRUPO DE ESTUDOS AVANÇADOS ESPÍRITAS

O Boletim GEAE é distribuido por e-mail aos participantes do Grupo de Estudos Avançados Espíritas
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