Grupo de Estudos Avançados Espíritas

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Fundado em 15 de outubro de 1992
Boletim Quinzenal de Distribuição Eletrônica

"Fé inabalável é somente aquela que pode encarar a razão, face a face, em todas as épocas da humanidade", Allan Kardec


Ano 09 - Número 413 - 2000            20 de março de 2001

Conteúdo
Editorial Textos Comentários Perguntas Painel

Editorial
Reiterando Agradecimentos


 
    Mais uma vez sentimo-nos impelidos a usar este espaço para agradecer pelo grande número de colaborações que temos recebido. Graças ao esforço sincero e a dedicação desinteressada de muitos dos seus membros, é que o GEAE pode promover o estudo fraterno da Doutrina Espírita, de uma forma dinâmica e participativa.

    Neste salutar intercâmbio de troca de idéias e pontos de vista é que conseguimos aprofundar os nossos conhecimentos acerca de temas e assuntos, os quais muitas vezes conhecemos apenas na superfície. Assim vamos ampliando o nosso entendimento acerca das verdades trazidas ao nosso mundo através desta maravilhosa Doutrina Consoladora.

     Da mesma forma sentimo-nos também na obrigação de pedir desculpas e apelar para a compreensão de muitos companheiros, no tocante ao aspecto da impossibilidade de veicular todas as colaborações a nós enviadas, por absoluta falta de espaço. Muitas vezes sentimos mesmo uma ponta de frustração por não ser possível superar o problema da nossa limitação de espaço, especialmente quando recebemos textos longos cuja publicação demandaria vários números do boletim.

    Salientamos também que todo material a nós enviado e posteriormente publicado no boletim, não pode ser encarado como algo completamente acabado e intocável, uma vez que sabemos que nenhum de nós é detentor da verdade absoluta, sob nenhum ponto de vista. Com isto queremos estimular a todos os membros do grupo à participação efetiva, o que poderá ser feito tanto através da elaboração de materiais inéditos, bem como a complementação em forma de comentários aos textos publicados, e ainda via questionamento acerca de determinados temas, assim como resposta às perguntas aqui veiculadas.

    Dentro deste raciocínio é que apelamos para os que se decidem em cooperar conosco, para que sejam receptivos no tocante as participação que nos chegam em forma de comentários adicionais, questionamentos e até mesmo críticas construtivas relacionadas aos textos e comentários veiculados. Evidentemente que não podemos perder de vista que é fundamental que sejamos coerentes com os postulados da Doutrina Espírita. Assim, no exercício deste direito de participação, jamais devemos nos exaltar em expor os nossos pontos de vistas, mantendo um alto nível de respeito e acima de tudo praticando a caridade e o amor, que em última análise é o que nos une e nos faz participar deste fraterno grupo de estudos.

    Finalmente gostariamos de informar que estamos, neste boletim, corrigindo um pequeno equívoco que foi perpetrado no número anterior, com relação à publicação em partes do texto “História do Cristianismo”. Muito embora tenhamos inserido no cabeçalho do boletim o Capítulo V, no corpo deste publicamos na verdade o Capítulo VI. Assim é que desta feita, no presente boletim, estamos publicando o Capítulo V, para manter a sequência na publicação.  Aproveitamos a oportunidade para agradecer a todos os membros que perceberam o equívoco e prontamente nos enviaram mensagem alertando-nos com relação ao fato.

    Que possamos continuar unidos neste estimulante propósito de ampliar os nossos conhecimentos na busca da Verdade, e que Deus nosso pai nos ilumine a todos.

    Conselho Editorial do GEAE




Textos
História do Cristianismo V, Maurício Júnior, Brasil

(Seqüência do texto publicado no Boletim 412)

AULA 5 - A MORAL CRISTÃ E OS EVANGELHOS

Os Evangelhos: Origem e Autenticidade
 Fontes não Bíblicas sobre Jesus
 Características da Moral Cristã
 Os Ensinamentos de Jesus


 


1 - OS EVANGELHOS: ORIGEM E AUTENTICIDADE

    O Cristo nada escreveu. Suas palavras, disseminadas ao longo dos caminhos, foram transmitidas de boca em boca e, porteriormente, transcritas em diferentes épocas, muito tempo depois de sua morte. Uma tradição religiosa popular formou-se pouco a pouco, tradição que sofreu constante evolução até o séc. IV.

    Durante esse período de trezentos anos, a tradição cristã jamais permaneceu estacionária, nem a si mesma semelhante. Afastando-se do seu ponto de partida, através dos tempos e lugares, ela se enriqueceu e diversificou. Efetuou-se poderoso trabalho e acompanhando as formas que revestiram as diversas narrativas evangélicas, segundo a sua origem, hebraica ou grega, foi possível determinar com segurança a ordem em que essa tradição se desenvolveu e fixar a data e o valor dos documentos que a representam.

    Não é senão do ano 60 ao 80 que aparecem as primeiras narrações escritas, a de Marcos a princípio, que é a mais antiga, depois as primeiras narrativas atribuídas a Mateus e Lucas, todas escritos fragmentários e que se vão acrescentar de sucessivas adições, como todas as obras populares. Aliás, A. Sabatier, diretor da seção dos Estudos Superiores, na Sorbona, em “Os Evangelhos Canônicos”, pag.5,  menciona que a Igreja sentiu dificuldade em encontrar novamente os verdadeiros autores dos Evangelhos, daí a fórmula por ela adotada: Evangelho segundo ...

    Foi somente no fim do séc. I, de 80 a 98, que surgiu o evangelho de Lucas, assim como o de Mateus, o primitivo, atualmente perdido; finalmente, de 98 a 110, apareceu, em Éfeso, o evangelho de João.

    O propósito dos Evangelhos é, antes de mais nada, proclamar e suscitar a fé, que não teria origem em si mesma, mas viveria da realidade histórica de Jesus de Nazaré. Os evangelistas contam uma “história” não para descrever quem era Jesus outrora, mas para proclamar quem é Jesus agora. Justamente por isso, apresentam divergências cronológicas e geográficas relevantes aos olhos do historiador. As indicações de tempo limitam-se a formulas genéricas (“depois”,  “naquela ocasião”,  “então”,  “poucos dias depois”), assim como as referências aos lugares (“no caminho”,  “de lá partiu”,  “casa”,  “lago”,  “montanha”...), usadas nos Evangelhos de maneira diversa e discrepante. Essa ausência de preocupação histórica e crítica aparece também nas palavras e sermões de Jesus. Na medida em que o Jesus terreno é, para a Igreja, também o Senhor ressuscitado, a sua palavra assume, na tradição, as características do presente. Desse modo, ao lado de uma indiscutível fidelidade à mensagem de Jesus, pode-se notar uma espantosa liberdade na reprodução de suas palavras históricas. Cada palavra e cada gesto de Jesus, relatados nos Evangelhos, refletem, antes de mais nada, o ponto de vista teológico das próprias testemunhas.

    Se os Evangelhos são aceitáveis em muitos pontos, é, todavia, necessário submeter o seu conjunto à inspeção do raciocínio. Todas as palavras, todos os fatos que neles estão consignados não poderiam ser atribuídos ao Cristo.

    Ao lado desses evangelhos, únicos depois reconhecidos pela Igreja, grande número de outros vinha à luz. No séc. III, Orígenes os citava em maior número. Lucas faz alusão a isso no primeiro versículo da obra que traz o seu nome.

    Por que razão foram esses numerosos documentos declarados apócrifos e rejeitados?  Muito provavelmente porque se haviam constituído num embaraço aos que, nos séculos II e III, imprimiram ao Cristianismo uma direção que o devia afastar, cada vez mais, das suas formas primitivas. Acrescentemos a estas tão grandes dificuldades as que provinham da fragilidade dos pergaminhos, numa época em que a imprensa era desconhecida; a falta de inteligência de certos copistas, todos os males que podem fazer nascer a ausência de direção e de crítica, e facilmente compreenderemos que a unidade de crença e de doutrina não tenha podido manter-se em tempos assim tormentosos.

    Os três Evangelhos sinóticos (o de Marcos, Lucas e Mateus), acham-se fortemente impregnados do pensamento judeu-cristão dos apóstolos, mas já o evangelho de João se inspira em influência diferente, talvez gnóstica. Nele se encontra um reflexo da filosofia grega, rejuvenescida pelas doutrinas da escola de Alexandria. Em fins do séc.I, os teoristas gregos sentiram-se impressionados pela grandeza e elevação moral do Cristianismo. Daí uma aproximação, uma penetração das doutrinas, que se produziu em certos pontos. O Cristianismo nascente sofria pouco a pouco a influência grega, que o levava a fazer do Cristo o verbo, o Logos de Platão.

    Os Evangelhos, escritos em meio das convulsões que assinalam a agonia do mundo judaico, depois sob a influência das discussões que caracterizam os primeiros tempos do Cristianismo, se ressentem das paixões, dos preconceitos da época e da perturbação dos espíritos. Cada grupo de fiéis, cada comunidade, tem seus evangelhos, que diferem  mais ou menos dos outros.

    A fim de por termo a essas divergências de opinião, o papa Damaso confia a Jerônimo, em 384, a missão de redigir uma tradução latina do Antigo e do Novo Testamento. Esse trabalho oferecia enormes dificuldades. Jerônimo achava-se, como ele próprio o disse, em presença de tantos exemplares quantas cópias. Essa variedade ilimitada de textos o obrigava a uma escolha e a retoques profundos. Desta forma, preocupado com a magnitude da tarefa e com suas consequências, expõe ele ao papa: “De velha obra me obrigais a fazer obra nova. Quereis que, de alguma sorte, me coloque como árbitro entre os exemplares das Escrituras que estão dispersos por todo o mundo, e, como diferem entre si, que eu distinga do que estão de acordo com o verdadeiro texto grego. É um piedoso trabalho, mas é também um perigoso arrojo, da parte de quem deve ser por todos julgado, julgar ele mesmo os outros, querer mudar a língua de um velho e conduzir à infância o mundo já envelhecido.

    Essa tradução oficial, que devia ser definitiva segundo o pensamento de quem ordenara a sua execução, foi, entretanto, retocada em diferentes épocas, por ordem dos pontífices romanos. O que havia parecido bom, do ano 386 a 1586, o que fora aprovado em 1546 pelo concílio ecumênico de Trento, foi declarado insuficiente e errôneo por Sixto V, em 1590. Fez-se nova revisão por sua ordem; mas a própria edição que daí resultou, e que trazia o seu nome, foi modificada por Clemente VIII em uma nova edição.

    Entretanto, a despeito de todas essas vicissitudes, não se hesita em admitir a autenticidade dos Evangelhos em seus primitivos textos. Ao lado, porém, dessa potente destra, a frágil mão do homem se introduziu nessas páginas, nelas enxertando débeis concepções, ligadas bem mal aos primeiros pensamentos e que, a par dos arroubos da alma, provocam a incredulidade.

    Para muitos, a história de Jesus não passaria de um drama poético, representando o nascimento, a morte, a ressurreição da  idéia libertadora no seio do povo hebreu escravizado, de tal modo dando um corpo para satisfazer a tradição que anunciava um salvador, um Messias. Aceita semelhante tese, os Evangelhos deveriam ser considerados fábulas, invenções. Quais seriam, então, os verdadeiros fundadores do Cristianismo? Os apóstolos? Eram incapazes de tais concepções. Com exceção de Paulo, que encontrou uma doutrina já constituída, a incapacidade deles é evidente. A personalidade de Jesus se destaca, vigorosamente, do fundo da mediocridade dos seus discípulos. A menor comparação faz sobressair a impossibilidade de semelhante hipótese. Assim é que, se as Escrituras não fossem, em seu conjunto, um amontoado de alegorias, uma obra de imaginação, a doutrina de Jesus não teria podido manter-se através dos séculos, em meio das correntes opostas que agitaram a sociedade cristã.

2 - FONTES NÃO BÍBLICAS SOBRE JESUS

    A história de Jesus não está registrada em anais, nem nas atas oficiais do Estado romano, nem tampouco numa obra de história judaica. As fontes não bíblicas que o mencionam são poucas e lacônicas. A mais importante é uma notícia de Tácito, historiador romano do início do séc. II, nos seus Annales. Referindo-se à primeira perseguição aos cristãos, sob o imperador Nero (64 d.C.), Tácito dá a seguinte explicação à palavra “cristãos”:  “Este nome lhes vem de Cristo, que, sob o principado de Tibério, o procurador Pôncio Pilatos havia condenado ao suplício” (Annales 15, 44). Na Vida do Imperador Cláudio, o biógrafo imperial Suetônio (séc. II d.C.) diz que “Cláudio expulsou de Roma os judeus que, por instigação de Crestos (Cristo?), não cessavam de provocar tumultos” (Cláudio 25, 4). Trata-se de uma notícia duvidosa. Plínio, o moço, numa carta ao imperador Trajano (110 d.C.), fala dos cristãos como representantes de grosseira superstição e conta, entre outras coisas, que eles se reuniam num determinado dia e cantavam um “hino à glória de Cristo, como em honra de um Deus”.  Em Flávio Josefo, cuja extensa obra Antiguidades Judaicas apareceu por volta do ano 90 d.C., Jesus é mencionado apenas numa nota ocasional, a propósito do processo e do apedrejamento de “Tiago, irmão de Jesus, o assim chamado Cristo” (XX, 9, 1). Finalmente, o Talmud babilônico fala de Jesus como de um mago, um sedutor e agitador público, que zombou das palavras dos sábios, teve cinco discípulos e foi enforcado na véspera da Páscoa.

    Todos esses textos não acrescentam nada ao nosso conhecimento da história de Jesus. Confirmam apenas um fato: que os documentos redigidos na época da Igreja primitiva, mesmo quando falam de Jesus, não o consideram um acontecimento de alcance histórico, embora não neguem que ele tenha existido.

3 - CARACTERÍSTICAS DA MORAL CRISTÃ

    A moral cristã está centrada em um núcleo de amor, ao redor do qual gravitam virtudes essenciais que, se conseguidas, levam inevitavelmente à fraternidade e à paz de espírito: ser humilde, porque com humildade saberemos relevar as dificuldades e aflições dos outros; perdoar as ofensas, porque aquele que perdoa se eleva, implantando o reino da harmonia; ser caridosos, preocupados com o bem-estar alheio, como se fosse o nosso.

    Toda a moral de Jesus, assim,  se resume na caridade e na humildade, isto é, nas duas virtudes contrárias ao egoísmo e ao orgulho. Em todos os seus ensinos, ele aponta essas duas virtudes como sendo as que conduzem à eterna felicidade. Orgulho e egoísmo, eis o que não se cansa de combater. E não se limita a recomendar caridade; põe-na claramente e em termos explícitos como condição absoluta da felicidade futura.

    Sendo caridosos e humildes estaremos vivenciando o Cristianismo no seu sentido mais amplo que é a prática da lei do amor. A prática da caridade significa benevolência para com todos, indulgência para as imperfeições dos outros e perdão das ofensas.

    A caridade, segundo Jesus, não se restringe à esmola, abrange todas as relações em que nos achamos com os nossos semelhantes, sejam eles nossos inferiores, nossos iguais, ou nossos superiores. Ela nos prescreve a indulgência, porque de indulgência precisamos nós mesmos, e nos proíbe que humilhemos os desafortunados.

4 - OS ENSINAMENTOS DE JESUS

    A atividade pública de Jesus, segundo o Evangelho de Lucas, iniciou-se no décimo quinto ano do reinado do imperador Tibério, o que corresponde ao ano 28, quando Jesus teria 32 anos de idade. Sua pregação foi antecipada por João Batista,  homem de vida ascética, ao qual muitos iam ouvir falar no deserto. O ensino de Jesus está narrado nos Evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas, chamados Sinóticos (synoptykós, ‘visto como um todo’, em conjunto, paralelo) e também no de João, que é diferente e pode ter fontes gnósticas.

    Baseavam-se os ensinamentos de Jesus na tradição judaica do monoteísmo. De modo algum contradisse Ele as crenças religiosas sancionadas pelo Antigo Testamento. Como os profetas que o antecederam, não mudou a Lei, mas chamou os homens a honrarem nela o espírito, e não meramente a letra.

    Sua mensagem, contudo, não era a mesma dos antigos profetas e a diferença foi suficiente para fornecer a base de uma nova religião. O que tornou único o ensinamento de Jesus foi a importância suprema que Ele deu ao amor. Nunca antes fora o amor feito base de um sistema de ética, aspecto essencial da boa vontade de Deus para com os homens, nem seu sentido se mostrara tão amplo. Pois o amor, como Jesus o entendia - ou caridade, ou fraternidade, ou bondade, que são outros nomes para mesma virtude - não era um dever medido, mas uma dádiva alegre e total de cada ato, feita a Deus e aos demais homens. Tal amor exigia que cada qual abandonasse todo pensamento de si mesmo e submergisse o próprio ser a serviço dos outros.

    Essa concepção do amor era o que se encontrava por trás do ensinamento de Jesus, de que todos os homens são irmãos e de que o amor de Deus tanto se dirige aos pecadores como aos justos. Assim, Jesus elevou os pobres e desprezados, dignificando-os como filhos de Deus e abençoando-os como os mais capazes de entrar nos Céus.

    O verdadeiro amor não tem espaço justificado para o egoísmo e não conhece reservas, nem mesmo diante do inimigo. Porque Deus é pai “dos maus e dos bons, dos justos e dos injustos” (Mateus 5, 45;21, 28-32). A afirmação do amor sem limites entre os homens desperta a consciência do valor absoluto da pessoa humana e serve de base para a crítica e a contestação de situações sociais injustas e para a construção de um mundo verdadeiramente fraterno.

    Sendo o amor o primeiro e o maior dos Mandamentos, a moralidade (ou o modo de vida baseado no amor aos demais) era bem mais importante do que os ritos de culto. Uma exibição exterior de religião sem o íntimo devotamento ao princípio de caridade não passava de hipocrisia, e esta era um dos piores pecados.

    Àqueles que o ouviam, Jesus trouxe a mensagem de que o Reino de Deus estava próximo e de que Ele próprio era o seu arauto. Ensinou que este mundo de pecado e aflições em breve chegaria ao fim e que os filhos de Deus entrariam num novo reino de justiça e paz, onde estariam na própria presença de Deus. A morte e a ressurreição de Jesus pareceram a seus seguidores simbolizar a salvação dos homens e a transição para a nova era de bem-aventurança.

    O ensino de Jesus ainda estava circunscrito ao quadro tradicional do Judaísmo. Foi-lhe possível falar, segundo um costume liberal judeu, nas sinagogas. Mas Jesus ao mesmo tempo introduz uma nova realidade, que o indispõe com as autoridades e, algumas vezes, com o próprio povo. Ao referir-se à Lei antiga dos judeus, acrescenta um elemento desafiador: “Eu, porém, vos digo”.

    Através de discursos, e principalmente parábolas, Jesus usa uma série de imagens para estabelecer o que entende pelo reino. São parábolas, pequenas histórias, com o objetivo de levar o ouvinte a tomar decisão. Nas ‘parábolas do reino’ (Mt 13) , Jesus anuncia um reino diferente do do ideal político. Destaca-se o processo da ação divina, a que o homem teria que se submeter, cooperando. O reino  não depende de valores morais que o homem constrói. Antes é como a semente que cresce secretamente, sem assistência humana, e se transforma numa árvore. Ou como o fermento que leveda toda a massa. Ou, ainda, o tesouro oculto que um homem encontra escondido num campo. As metáforas sempre se reportam a uma ação misteriosa que produz libertação e poder, revelando um mundo novo. Esse mundo novo contrasta com o reino de Satanás, que simboliza todas as formas de opressão que circundam a situação humana, tanto em caráter individual, quanto como povo. Supera a toda imaginação humana, e nesse sentido é supranatural e supra-histórico.

    O ensino de Jesus, tão diferente da mentalidade do homem de seu tempo, entra em choque com as autoridades constituídas. Ao compromisso religioso-moralista opõe uma vida real, uma justiça maior. Aos que temem o futuro e a morte, ele mostra os lírios do campo e as aves do céu. Para garantir o seu presente, o homem cerca-se de riquezas e ansiedades. Mas é inútil encher os celeiros de toda sorte de bens, porque naquela noite mesma “a tua vida será tomada” (Lc 12,16-20). É inútil conservar a aparência das coisas, escondendo sob capa de moralidade ou comportamento formal a injustiça:  “Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas, que pagais o dízimo da hortelã, do funcho e do cominho, mas transgredis os pontos mais importantes da Lei: a justiça, a misericórdia e a fidelidade” (Mt 23,27). Desse modo, o reino inverterá os critérios e os papéis estabelecidos, o que já era anunciado profeticamente no Magnificat: “Derrubou de seus tronos os poderosos e elevou os humildes, saciou de bens os famintos e aos ricos despediu de mãos vazias”.

TEXTOS EXTRAÍDOS DE:

SAVELLE, Max. História da Civilização Mundial, vol. 1.
DENIS, Léon. Cristianismo e Espiritismo.
Atlas da História Universal.
Apostila da FEB. Aspecto Religioso.
Curso de Aprendizes do Evangelho - vol. I - FEESP
Enciclopédia Britânica.


Os Trabalhadores da Última Hora, Silvio Seno Chibeni, Brasil

(Artigo a ser publicado na revista Mundo Espírita)
1. Introdução

    Como todo estudioso do Espiritismo sabe, o título do presente artigo é o título dado por Allan Kardec ao capítulo 20 de O Evangelho Segundo o Espiritismo. O que poucos talvez tenham notado é que esse é o único capítulo do livro que não possui comentários do próprio Kardec: à transcrição da passagem evangélica – a intrigante parábola dos trabalhadores da última hora – seguem-se imediatamente as Instruções dos Espíritos, em número de quatro. Isso, porém, não passa de detalhe curioso, já que os textos de Kardec e os dos Espíritos expressam um pensamento uno, não sendo raro que os primeiros superem os segundos em alcance, clareza e precisão. O que mais importa são os ensinamentos contidos no capítulo. Iremos, por economia de espaço, restringir nossa análise à parábola e ao primeiro texto escolhido por Kardec para comentá-la, de autoria de Constantino, Espírito Protetor, recebida em Bordeaux em 1863.

2. A parábola

    Para comodidade do leitor, transcreveremos agora todo o texto da parábola citado por Kardec. Notemos, desde já, que se trata de uma das muitas ocasiões em que Jesus procura ensinar algo sobre Deus e as leis divinas – “o reino dos céus” – por meio de uma comparação com uma estória envolvendo coisas e situações ordinárias. Eis a parábola, registrada em Mateus 20:1-16:

O reino dos céus é semelhante a um pai de família que saiu de madrugada, a fim de assalariar trabalhadores para a sua vinha. – Tendo convencionado com os trabalhadores que pagaria um denário a cada um por dia, mandou-os para a vinha. – Saiu de novo à terceira hora do dia e, vendo outros que se conservavam na praça sem fazer coisa alguma, – disse-lhes: Ide também vós outros para a minha vinha e vos pagarei o que for razoável. Eles foram. – Saiu novamente à hora sexta e à hora nona do dia e fez o mesmo. – Saindo mais uma vez à hora undécima, encontrou ainda outros que estavam desocupados, aos quais disse: Por que permaneceis aí o dia inteiro sem trabalhar? – É, disseram eles, que ninguém nos assalariou. Ele então lhes disse: Ide vós também para a minha vinha. – Ao cair da tarde disse o dono da vinha àquele que cuidava dos seus negócios: Chama os trabalhadores e paga-lhes, começando pelos últimos e indo até aos primeiros. – Aproximando-se então os que só à undécima hora haviam chegado, receberam um denário cada um. – Vindo a seu turno os que tinham sido encontrados em primeiro lugar, julgaram que iam receber mais; porém, receberam apenas um denário cada um. – Recebendo-o, queixaram-se ao pai de família, – dizendo: Estes últimos trabalharam apenas uma hora e lhes dás tanto quanto a nós que suportamos o peso do dia e do calor. – Mas, respondendo, disse o dono da vinha a um deles: Meu amigo, não te causo dano algum; não convencionaste comigo receber um denário pelo teu dia? – Toma o que te pertence e vai-te; apraz-me a mim dar a este último tanto quanto a ti. – Não me é então lícito fazer o que quero? Tens mau olho, porque sou bom? – Assim, os últimos serão os primeiros e os primeiros serão os últimos, porque muitos são os chamados e poucos os escolhidos.
3. Começando a entender...

    Das parábolas evangélicas, algumas são de compreensão relativamente fácil, como a do bom samaritano (Lc 10:25-37) e a dos talentos (Mt 25:14-30). Outras, porém, trazem dificuldades interpretativas consideráveis, exigindo mais meditação e maior familiaridade com o conjunto da doutrina cristã para que um sentido razoável seja alcançado. Dissemos um sentido, porque a riqueza alegórica dessas estórias contadas pelo Mestre em geral deixa aberta a possibilidade de diversas interpretações.
A parábola dos trabalhadores da última hora seguramente pertence à classe das parábolas “difíceis”, já que compara o reino dos céus, onde tudo é justiça, com uma situação aparentemente injusta: a remuneração igual a jornadas de trabalho desiguais.
Não obstante essa dificuldade central, a parábola contém, felizmente, alguns pontos mais ou menos claros, com os quais devemos principiar nossos esforços interpretativos. Trata-se de várias “pontes” que ligam os elementos da estória com o reino dos céus:

o pai de família – Deus
a vinha – o Universo
os trabalhadores – os seres humanos
o trabalho na vinha – o trabalho no bem
as horas – qualquer período de tempo
o salário – a felicidade

    Embora nem todas as ligações sugeridas sejam triviais, acreditamos que sejam as que mais naturalmente ocorrem a quem se dedique a entender o texto evangélico. O sentido geral do ensinamento é que é difícil de apreender, dado o aparente conflito da idéia de um Deus justo com o modo pelo qual o senhor da vinha remunerou os trabalhadores. Logicamente, só temos duas opções para eliminar o conflito: ou supomos que Jesus de fato pretendeu caracterizar Deus como injusto; ou revemos nossa impressão inicial, de que o comportamento do senhor da vinha foi injusto. Ora, como a primeira alternativa é insustentável, face ao conjunto dos ensinamentos cristãos, temos de desenvolver a segunda opção. Para tanto, comecemos atentando para o seguinte:

a) O pai de família pagou aos trabalhadores da primeira hora exatamente o valor combinado, de modo que não os prejudicou, como ele mesmo lembrou quando eles se queixaram;
b) Quanto aos demais, a parábola nada diz sobre acerto de salário, sugerindo-nos que os trabalhadores aceitaram a oferta de trabalho sem pré-condições;
c) O próprio senhor da vinha justifica sua ação, dizendo que foi um ato de bondade: o denário que mandou dar aos que foram convocados mais tarde seria, pois, parte remuneração pelas horas que trabalharam e parte auxílio espontâneo.
    Assim, quando consideramos os casos separadamente vemos que em suas relações com cada grupo de obreiros o senhor nada fez de errado.

    Mas mesmo nos termos em que a questão é colocada no item (c), ficamos incomodados com o fato de que o senhor distribuiu o benefício-extra desigualmente: quanto mais tarde chegaram, menor a parcela do denário correspondente à remuneração, e portanto maior a que representaria o auxílio.

    Talvez seja útil transpor a questão para situações de nosso dia-a-dia. Quando saímos pela rua e damos esmolas desiguais a dois pedintes estaremos sendo injustos? Quando contribuímos, em trabalho ou dinheiro, com duas instituições de caridade, porém em maior medida a uma do que à outra, é injustiça?

    Nossas reflexões sobre esse problema podem ser auxiliadas pelas considerações expendidas por Constantino na mencionada instrução. Passemos, pois, a ela.

4. Recorrendo a Constantino...

O texto de Constantino compõe-se de quatro parágrafos, que passam gradativamente aos níveis interpretativos mais alegóricos da parábola. O curto parágrafo inicial atém-se ainda de forma quase que exclusiva ao sentido literal do texto evangélico:

[§ 1] O obreiro da última hora tem direito ao salário, mas é preciso que a sua boa-vontade o haja conservado à disposição daquele que o tinha de empregar e que o seu retardamento não seja fruto da preguiça ou da má-vontade. Tem ele direito ao salário, porque desde a alvorada esperava com impaciência aquele que por fim o chamaria para o trabalho. Laborioso, apenas lhe faltava o labor.
    Vemos que o Espírito destaca alguns aspectos importantes que ainda não havíamos considerado. Há uma condição para o recebimento do denário: a disposição permanente para o trabalho. Aqueles que foram contratados à terceira, sexta, nona e undécima hora tinham boa-vontade, ansiavam por trabalhar. Faltou-lhes, porém, a oportunidade. Quando o senhor da vinha os convocou, aceitaram pressurosamente e, segundo se depreende, sem sequer inquirir pela remuneração.

    Visando a realçar esse ponto, no segundo parágrafo Constantino estende a parábola para uma hipotética situação contrastante:

[§ 2] Se, porém, se houvesse negado ao trabalho a qualquer hora do dia; se houvesse dito: “tenhamos paciência, o repouso me é agradável; quando soar a última hora é que será tempo de pensar no salário do dia; que necessidade tenho de me incomodar por um patrão a quem não conheço e não estimo! quanto mais tarde, melhor”; esse tal, meus amigos, não teria tido o salário do obreiro, mas o da preguiça.
    As disposições positivas dos trabalhadores da última hora podem, assim, ser entendidas como fatores que sensibilizaram o pai de família, induzindo-o ao gesto de generosidade.

    Ademais, vale lembra que ao perguntar, no item 930 de O Livro dos Espíritos, acerca da situação das pessoas que se vêm impossibilitadas de trabalhar por causas independentes de sua vontade, Kardec obtém a observação de que “Numa sociedade organizada segundo a lei do Cristo ninguém deve morrer de fome”. E, explicando o ponto, os Espíritos acrescentam: “Com uma organização social criteriosa e previdente, ao homem só por culpa sua pode faltar o necessário.” É, pois, uma clara alusão à solidariedade que os homens devem se esforçar por implantar no mundo.

    Felizmente, notamos que esse pensamento, de vanguarda para a época, já vem se difundindo entre as lideranças mais lúcidas de nossa sociedade, tanto assim que em muitos países já existe o seguro-desemprego, para acudir aos trabalhadores que contingencialmente se encontrem sem oportunidade de emprego. Nenhuma pessoa sensata classificaria de injusto esse dispositivo, muito pelo contrário.

    Ora, nessa perspectiva o senhor da parábola seria alguém que, mesmo naqueles tempos primitivos, teria sido tocado pela dificuldade daqueles homens que impacientemente esperavam pela oportunidade de ganhar seu pão, solidarizando-se com eles por meio, primeiro, da oferta de trabalho e, depois, pelo auxílio pecuniário adicional.

    Afastando-nos agora um pouco do sentido literal da estória, ensaiemos a sua interpretação em termos do “reino dos céus”. Com base no que foi visto até aqui, infere-se que com a parábola Jesus procurou salientar a virtude da boa-vontade e da disposição para o trabalho. Num plano mais amplo, o trabalho não deve, é claro, ser entendido unicamente como o trabalho ordinariamente assim considerado, as atividades braçais e intelectuais passíveis de remuneração. “Toda ocupação útil é trabalho”, conforme a resposta à questão 675 de O Livro dos Espíritos. Tudo o que concorra para o desenvolvimento próprio, do semelhante e, em geral, da criação, é trabalho, nessa conceituação estendida.

    A mensagem mais evidente da parábola é, pois, a importância de nosso engajamento nas atividades da “vinha” universal. Ele traz para nós o “salário” da felicidade: o bem-estar físico, a satisfação intelectual, o prazer do cultivo do Belo, a tranqüilidade moral.

    A diversidade dos grupos de trabalhadores da parábola indica a diversidade dos seres criados e das tarefas a desempenhar em cada estágio de sua evolução. Deus reconhece essa diversidade, convocando cada um a seu tempo para as tarefas adequadas ao momento. E contanto que haja disposição para o trabalho, todos recebem o fruto de seus labores, por mais modestos que sejam. Não espera o Senhor que, num dado “dia” todos desempenhem as mesmas tarefas. A meta de todos deve ser a de colaborar cada vez mais na obra divina, mas a convocação divina leva em conta a capacidade presente de cada um. A nós cabe estar permanentemente dispostos ao labor, para que não sejamos como os servos imaginados por Constantino, que receberam somente o “salário da preguiça”, ou seja, a estagnação evolutiva.

    Não somente a preguiça e a indiferença têm de ser evitadas, mas também a afoiteza e a precipitação. Por falta de bom-senso, arriscamo-nos freqüentemente em tarefas para as quais não estamos, presentemente, preparados. Pior ainda: movidos pelo orgulho lançamo-nos em empreendimentos que se nos afiguram “grandes”, não pelo bem que deles decorra, mas pela evidência em que nos coloquem. O malogro parcial ou total, e a dura decepção de nossa vaidade é o resultado inevitável de tais iniciativas.

    A igualdade dos “pagamentos” que cada trabalhador de boa-vontade recebe reflete a bondade divina, que valoriza tudo aquilo que venhamos a fazer na obra do bem. Não ressaltou Jesus esse ponto na expressiva passagem do óbolo da viúva? (Ver Mc 12:41-44 e Lc 21:1-4, bem como os comentários de Kardec a essa passagem no item 6 do capítulo 13 de O Evangelho Segundo o Espiritismo.)

    Outra virtude veladamente evocada pela parábola é o desinteresse. Conforme já notamos, os trabalhadores da última hora e todos os demais que foram convocados depois do início do dia aceitaram a oferta de trabalho sem perguntar quanto ganhariam. Do mesmo modo, nossa meta é fazer o bem pelo bem, tão logo a ocasião apareça, e não “por cálculo”, contabilizando os benefícios que dele nos advenham. Kardec sabiamente inseriu um estudo sobre esse ponto logo após o referente ao óbolo da viúva, nos itens 7 e 8 do capítulo 13 de  O Evangelho Segundo o Espiritismo. Todo esse capítulo, aliás, contém reflexões valiosas sobre o assunto, complementando as fundamentais elucidações contidas na seção inicial do capítulo “Da perfeição moral” de O Livro dos Espíritos.

    Por fim, além da indolência e do interesse, mais um vício parece ser exprobrado na parábola: a inveja (“Tens mau olho, porque sou bom?”). Vendo o gesto de generosidade do pai de família, os trabalhadores da primeira hora queixaram-se, muito embora no que lhes dissesse respeito ele houvesse agido com correção. Aproveitando uma sugestão interpretativa feita anteriormente, seria mais ou menos como se nos queixássemos do governo por conceder auxílio-desemprego a um colega provisoriamente desempregado. Além de injustificável inveja, faltaríamos com a solidariedade, que deve reinar entre os homens em geral. (Questão deixada para o leitor: Quem os trabalhadores da primeira hora poderiam simbolizar?)

5. Ainda com Constantino...

    Após ter comentado, assim, a situação dos preguiçosos e indiferentes, Constantino prossegue, penúltimo parágrafo da mensagem:

[§ 3] Que dizer, então, daquele que, em vez de apenas se conservar inativo, haja empregado as horas destinadas ao labor do dia em praticar atos culposos; que haja blasfemado de Deus, derramado o sangue de seus irmãos, lançado a perturbação nas famílias, arruinado os que nele confiaram, abusado da inocência, que, enfim, se haja cevado em todas as ignomínias da Humanidade? Que será desse? Bastar-lhe-á dizer à última hora: Senhor, empreguei mal o meu tempo; toma-me até ao fim do dia, para que eu execute um pouco, embora bem pouco, da minha tarefa, e dá-me o salário do trabalhador de boa vontade? Não, não; o Senhor lhe dirá: “Não tenho presentemente trabalho para te dar; malbarataste o teu tempo; esqueceste o que havias aprendido; já não sabes trabalhar na minha vinha. Recomeça, portanto, a aprender e, quando te achares mais bem disposto, vem ter comigo e eu te franquearei o meu vasto campo, onde poderás trabalhar a qualquer hora do dia.”
    Agora não se trata mais da indolência do servo que despreza o trabalho, mas da ação destrutiva daquele que, ao invés de ajudar, atrapalha a obra divina. A extensão dos comentários de Constantino para esse tópico é particularmente relevante para nós, Espíritos ligados à Terra. A observação dos fatos confirma a classificação de Kardec na seção “Destinação da Terra – Causas das misérias humanas”, do capítulo 3 de O Evangelho Segundo o Espiritismo, da Terra como planeta especialmente destinado ao abrigo de Espíritos desajustados com as leis divinas. Como reafirmaria depois Emmanuel, “todas as entidades espirituais encarnadas no orbe terrestre são Espíritos que se resgatam ou aprendem nas experiências humanas, após as quedas do passado, com exceção de Jesus-Cristo...” (O Consolador, questão 243).

    Também sabemos, à luz dos ensinos cristãos e espíritas, que nossa interferência indébita na harmonia universal traz para nós conseqüências negativas, sofrimentos e tribulações que visam a impor limites à nossa ação maléfica, despertando-nos para o bem. Não desenvolveremos esse tema aqui, por sobejamente explorado na boa literatura espírita.

    Centremos nossa atenção nas singulares palavras de Constantino. Como entender a reação atribuída ao Senhor, diante do servo mau: “Não tenho presentemente trabalho para te dar...” ? Tolher-nos-ia Deus a oportunidade do trabalho depois que falimos? Sabemos, por outro lado, que é somente pelo trabalho no bem que repararemos nossos erros, apagando suas repercussões. (Ver o “Código penal da vida futura”, no capítulo 7 da primeira parte de O Céu e o Inferno.)

    Inspecionando mais atentamente o texto, vemos que o Senhor não impede para sempre o servo “cevado em todas as ignomínias” de trabalhar em sua vinha. Depois que reaprender a trabalhar construtivamente, ser-lhe-á novamente franqueado o vasto campo de ação na vinha.

    Mas por que esse impedimento temporário? É que a prática do mal pode de tal forma destrambelhar-nos que, por algum tempo, naturais limitações nos advirão. Seria como um motorista insensato, que provoca um acidente e vai hospitalizado. Enquanto permanecer internado, não poderá desenvolver todas as atividades para as quais estaria em princípio capacitado. É um período de recomposição.

    Do mesmo modo, aos nossos desatinos espirituais sobrevém um estágio de reequilíbrio, de aprendizado pela dor, de reflexão. Se, porém, esse estágio no “hospital” divino nos limita em alguns aspectos – as idiotias, as paralisias, as enfermidades degenerativas incuráveis, a miséria extrema, etc. – sempre resta-nos a possibilidade de agir no bem pela paciência e resignação, pelos esforços para corrigir-nos, pela gratidão a quem nos auxilie, pelo sorriso de esperança, e por tantas outras formas.

6. Seriam os espíritas os trabalhadores da última hora?

    Concluindo este nosso estudo, vejamos agora o último parágrafo do texto de Constantino. Com base nele, bem como numa passagem da Instrução que o segue, de Henri Heine, difundiu-se no meio espírita a idéia de que “os espíritas são os trabalhadores da última hora”. Não é raro vermos esse pensamento exposto até mesmo com uma certa ponta de orgulho. Afinal, na parábola os trabalhadores da undécima hora são aqueles que mais se beneficiaram da magnanimidade do senhor. Estaríamos todos, então, admitidos à vinha, com salário integral e tudo.

    Será isso o que os Espíritos escreveram, ou deram a entender? Examinaremos aqui apenas o que diz Constantino, pois a mensagem de Heine parte de uma perspectiva diferente e requereria outro artigo. Eis o parágrafo:

[§ 4] Bons espíritas, meus bem-amados, sois todos obreiros da última hora. Bem orgulhoso seria aquele que dissesse: Comecei o trabalho ao alvorecer do dia e só o terminarei ao anoitecer. Todos viestes quando fostes chamados, um pouco mais cedo, um pouco mais tarde, para a encarnação cujos grilhões arrastais; mas há quantos séculos e séculos o Senhor vos chamava para a sua vinha, sem que quisésseis penetrar nela! Eis-vos no momento de embolsar o salário; empregai bem a hora que vos resta e não esqueçais nunca que a vossa existência, por longa que vos pareça, mais não é do que um instante fugitivo na imensidade dos tempos que formam para vós a eternidade.
    A leitura atenta deste trecho não parece corroborar a referida interpretação. Primeiro, a frase inicial qualifica os espíritas: “Bons espíritas...”. O adjetivo ‘bons’ em geral passa despercebido! Logo, a frase não diz respeito aos espíritas em geral, mas aos bons espíritas. E todos conhecemos a impressionante lista de qualidades dos bons espíritas, que Kardec registrou no capítulo 17 do Evangelho Segundo o Espiritismo, seções “O homem de bem” e “Os bons espíritas”.

    Além disso, a frase não tem o artigo definido ‘os’ antes de ‘obreiros da última hora’, como normalmente se diz. A inclusão do artigo emprestaria ao pensamento um ar de sectarismo e orgulho incompatível com a índole da doutrina espírita. Os bons espíritas não são os obreiros da última hora, com a implícita exclusão dos outros homens, mas simplesmente obreiros da última hora. Eles são aqueles que passaram, numa “hora” relativamente recente da história da humanidade, a trabalhar, ao lado de tantos outros, na vinha do Senhor.

    E mais: nem mesmo entendida corretamente a comparação de Constantino serviria de fundamento a qualquer sentimento ufanista no meio espírita. Afinal, os trabalhadores da última hora não tiveram nenhum mérito relativamente aos da primeira hora. Simplesmente são aqueles para quem, por uma razão ou por outra, a tarefa chegou um pouco mais tarde.

    Prosseguindo, o Espírito modifica um pouco a alegoria, ao salientar que mesmo estes em geral ignoraram durante séculos os apelos do Senhor para o trabalho na vinha! A rigor, então, os bons espíritas não deveriam se orgulhar nem mesmo de terem sempre estado aguardando ansiosamente o chamado para a obra divina. Estão, via de regra, na condição geral da humanidade terrena, de Espíritos que fizeram mau uso de seu livre-arbítrio em passado próximo ou distante.

    No entanto, o que os caracteriza – sem a exclusão de outros, repetimos – é que agora já superaram aquele período de “hospitalização”, e reaprenderam a trabalhar no bem. Esse o seu maior salário: a bênção de já poderem trabalhar na construção de sua felicidade, mediante o amor ativo ao próximo e a si mesmos.

    Que dizer agora dos espíritas que ainda não podem ser ditos bons? Esses são os que, não obstante terem as luzes dos princípios espíritas ao seu alcance, ainda resistem indolentemente a trabalhar, ou a trabalhar tanto quanto sua condição permitiria; ou aqueles, em condição mais lastimável ainda, que ainda se “cevam nas ignomínias” morais, sem envidar esforços para emendar-se.

    É claro que essa classificação não é nítida, ou seja, não há apenas dois grupos de espíritas. Há uma gradação contínua, começando naqueles francamente retardatários e terminando nos que já entendem e vivenciam plenamente as diretrizes divinas para os homens. Caberá a nós determinar, pelo exame isento de nossos pensamentos e atos, nossa posição nessa escala, e incessantemente procurar galgar posições cada vez mais avançadas, pela reparação de nossos erros, pela superação de vícios e conquista de virtudes.

Referências bibliográficas

EMMANUEL.  O Consolador. (Médium Francisco Cândido Xavier.) 8a ed., Rio de Janeiro, Federação Espírita Brasileira, 1940.
KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. Trad. de Guillon Ribeiro. 43a ed., Rio de Janeiro, Federação Espírita Brasileira, s.d.
–––. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Trad. de Guillon Ribeiro. 111a ed., Rio de Janeiro, Federação Espírita Brasileira, s.d.
–––. O Céu e o Inferno. Trad. de Manuel Quintão. 28ª edição, Rio de Janeiro, Federação Espírita Brasileira, s.d.



Comentários
Depressão e Suicídio, Maria do Carmo, Brasil


Amigose irmãos, muita paz!

    Pedi os boletins anteriores do GEAE, pois não os tinha, e deparei-me, no de número 401, com um relato, sem identificação, de alguém que perdeu o filho aos 25 anos, por suicídio, depois de um período de depressão. Esta pessoa está, naturalmente, muito triste e parece-me que muito desiludida. Gostaria que vocês pudessem enviar a ela o texto a seguir, que eu escrevi em abril de 2000. Meu único filho também é suicida. Só que ele tinha 14 anos e não estava deprimido. Até hoje não sei o que o levou ao suicídio. Li "Memórias de um Suicida" e chorei diversas vezes, pensando que ele poderia estar passando por tudo aquilo.

    Irmão ou irmã, o Vale dos Suicidas é o único lar possível àqueles irmãos que são culpados do maior crime: matar-se! E, mesmo assim, Maria de Nazaré não os abandona. Ela está sempre cuidando de cada um deles: conhece-os pelo nome e sabe o que os levou a este ato tão condenável. Há equipes especializadas em socorrê-los. Mas só no momento certo. Não adiantaria nada o auxílio se eles não estivessem preparados para ele.

    Irmão, irmã! Viva a sua vida, continue na Doutrina, pois foi ela que me salvou da depressão (o mesmo não posso dizer de outros parentes muito amados). Escrevi muitas outras coisas depois deste texto. Mas ele foi o primeiro. Tenho sido amparada por amigos espirituais e meu Anjo da Guarda, pois entreguei-me aos seus cuidados tão logo o meu filho desencarnou. Creiam-me, até hoje estou nos braços desses Amigos tão queridos, que não medem esforços para nos ajudar quando nós realmente nos deixamos ajudar por eles!

Fiquem todos na paz do Senhor, nosso Deus, e de Jesus, nosso Mestre amado!
Maria do Carmo

Depoimento

    Há oito meses, meu único filho, um rapaz de 14 anos, voltou ao lar espiritual de onde todos nós saímos um dia, para vir a este planeta com o fim de cumprir tarefas destinadas ao nosso crescimento espiritual. São muito importantes as conseqüências de seu desencarne nas vidas de tantos quantos o conheceram e amaram. Sim, porque todo e qualquer ser humano sempre deixa laços e marcas profundas nas pessoas que conheceram na Terra, quando de sua volta ao plano espiritual. Estas marcas, no entanto, serão de amor e ternura ou revolta e desespero, dependendo da forma como se encara a morte de seres muito queridos.

    Muitos parentes próximos, bem como amigos queridos, não entenderam e não aceitam o que aconteceu, achando que ele nos deixou muito cedo. O quadro que se forma é, pois, de mágoa, sofrimento, inconformismo, não-aceitação. A depressão atinge estas pessoas em cheio, deixando-as chorosas, acabrunhadas, desiludidas, doentes. Seu espírito e seu corpo sofrem por não entenderem que, na verdade, aquela criatura de Deus voltou ao lar paterno, onde os sofrimentos terrenos não existem.
Há, por outro lado, pessoas que encaram tudo isto como um alerta: quão pequenas são nossas dores neste mundo e quão importante é estarmos unidos e trabalhando em harmonia! O trabalho conjunto alivia as dores e traz um ânimo novo aos nossos corações.

    Para mim, a situação serviu como uma prova bem dura. Passado o primeiro momento de choque e, porque não dizer, de desespero, entreguei-me nas mãos de Deus. Pedi-lhe que me amparasse porque, sem Ele, seria quase impossível para mim suportar aquela dor. Ele, é claro, atendeu-me a súplica e eu passei os primeiros meses em seus braços paternos. Senti-me como no poema: ao olhar para trás, só via um par de pegadas na areia; e eu garanto que não era o meu. O nosso Pai, bom e generoso, que não entrega a nenhum de seus filhos uma cruz mais pesada do que ele possa suportar, aliviou-me a carga com tanta ternura, que foi-me relativamente fácil suportar aquele sofrimento e continuar com minhas tarefas. Agradeço a este Pai tão bondoso a dádiva destes 14 anos de convivência com este espírito ao qual dei, e continuo dedicando, meu amor e minha afeição. Tal amor, hoje, expressa-se por momentos de oração e "conversas" carinhosas de mãe saudosa...

    Guardo em meu coração duas certezas: meu filho está bem, sendo acompanhado e orientado e terá, tenho fé, outra encarnação para completar os ajustes que se fizerem necessários. Afinal, como alma boa, gentil, honesta e com grande senso de justiça que era (embora teimoso, bagunceiro, avesso aos estudos) sei que terá grandes lições para extrair dos momentos que aqui viveu.

    Outra certeza que trago comigo é de que a lição que todos nós recebemos vai calar fundo em nossas vidas que, definitivamente, não serão mais as mesmas depois de tudo. Fortaleceram-se laços de amizade, novas amizades se formaram, intensificaram-se os vínculos familiares.

    Trago aqui este depoimento, especialmente destinado às mães que "perderam" seus filhos, pois sei o que significa a falta dos carinhos, afagos, beijos e abraços. Sei, também, que a lacuna que fica é quase impossível de ser preenchida; que tudo que sonhamos para eles de repente perdeu a razão de ser; que o dia-a-dia fica vazio e certas coisas já não fazem mais sentido; que o futuro fica incerto e traz a angústia da solidão; que às vezes temos inveja das mães que têm seus filhos junto de si. Compartilho com todas estes sentimentos, mas sei que devemos lutar contra eles, pois que eles são armadilhas das quais não sairemos se delas não nos afastarmos! Esqueçam este caminho de tristeza e dor e entreguem-se de corpo e alma ao amor de Cristo, pois Ele proverá todas as suas necessidades.

    Aquele amor, dedicado a uma só pessoa, pode agora ser dividido, repartido e compartilhado com tanta gente... Tantas pessoas se beneficiarão de nosso amor! Façam de todos aqueles que lhes estão próximos e lhes são caros os depositários deste sentimento puro que brota de um coração de mãe... Em troca, vocês receberão em sua vida paz e harmonia, luz e felicidade!

    Acima de tudo, lembrem-se: não estamos sós. Além das pessoas que nos cercam e nos querem bem, há inúmeros amigos espirituais prontos a nos ajudar. Não fechem seus corações a eles! Sintonizem-se com as ondas de bondade e amor, resignação e aceitação, humildade e conformação. Mas, o mais importante de tudo, não se esqueçam jamais de ter sempre FÉ!

Maria do Carmo


Cara Maria,

    Quando publicamos o primeiro texto sobre depressão e suicidio ignoravamos a extensão do problema. Naturalmente sabiamos da gravidade da questão, mas a quantidade de e-mails que recebemos relatando experiências dramáticas nos surpreendeu. Mais ainda, ficamos surpreendidos com a delicadeza da situação de explicar a visão espírita do suicidio para pessoas que tinham perdido entes queridos - nunca antes tinhamos percebido tão diretamente o que significava o vale dos suícidas e as reencarnações necessárias para o reequilibrio do espírito.

    Publicaremos seu texto e agradecemos imensamente a contribuição, tão importante para todos.

    Muito Obrigado,
    Carlos Iglesia


Experiência sobre Apometria, Maria Ignez, Brasil

Caro irmão,

    Venho aqui relatar um pequeno comentário sobre minha recente experiência sobre Apometria.

    A Apometria é o resultado de estudos feitos na cidade de Porto Alegre pelo Dr. José Lacerda de Azevedo, conseguiu uma desobsessão cientifica por métodos de indução do médium ao despreendimentos indo buscar com o paciênte a causa da obsessão doentia.

    Esta técnica esta sendo usada aqui em Jaboticabal/SP, aproximadamente a 4 anos por um pequeno grupo de que faço parte, tendo excelentes resultados, com dirigente o Dr. Luiz Gerbasi.

    Para maiores informações indicaria a leitura do livro "APOMETRIA - Novos Rumos da Medicina Espiritual"  ou entrando em contado com Dr. Vitor autor do livro através do e-mail: vitorrc@solar.com.br.

Sem mais, um abraço fraternal,

Maria Ignez de Andrade Uchôa




Perguntas
Ação dos Espíritos na Natureza, Geraldo, Brasil


Prezado companheiro:

    Acho estranhíssima a questão Ação dos espíritos sobre os fenômenos da natureza. Perguntas 536 a 540. Para ser mais claro: não acredito que haja espíritos encarregados destas tarefas. Acredito, sim, que existe um princípio que rege todos os fenômenos da natureza, mas não precisamente entidades, dotadas do princípio da indivualidade, realizando estes feitos. Sou espírita, mas com todo o direito a questionamentos, sem o que, naturalmente não seria espírita.

Abraço cordial
Geraldo Callefe


Prezado Geraldo Callefe,
 

    Sua pergunta faz-nos sentir o quão não trivial são os assuntos da Doutrina Espírita. De fato, do ponto de vista de nossas pesquisas científicas atuais, não há a mínima necessidade de se admitir a existência de espíritos presidindo o desenvolvimentode certos fenômenos. De fato, a ciência prescinde de tal idéia pois o nível de descrição fenomênico pode ser
admitido como algo limitado para requerer semelhante idéia.

    Entretanto, seu questionamento é interessantíssimo e, da análise da possível significação do ensino dos Espíritos com relação a tais problemas, é possível levantar um véu de profundas implicações e significações filosófica que, pelo que sei, somente o Espiritismo como  religião moderna tocou até agora. Vou abusar aqui um  pouco de sua paciência, mas imagino isso necessário por causa da complexidade do assunto. É preciso para isso remontar ao início do "Livro dos Espíritos" (LE).

    Segundo os Espíritos que auxiliaram Kardec com as respostas, o Universo como um todo é composto de três princípios fundamentais: Deus, espírito (c/ letra minúscula) e matéria.  O princípio espiritual forma o chamado universo espiritual que é
independente da matéria, mas precisa dela para se manifestar. A matéria forma o universo material, e até os limites onde a revelação espírita nos leva, não devemos confundir esse universo material com o nosso. O universo material precisa do espírito pois a matéria "não pensa". De fato, o nosso universo sensível é parte do "universo material" a que se refere os Espíritos nas questões 84, 85 e 86 do LE. Em particular, na questão 86 sobre o "mundo corporal" (que nós chamamos aqui de universo
material) os Espíritos deixam claro que os dois mundos são independentes. Isso decorre da independência entre os princípios básicos matéria e espírito.

    Do conhecimento da interrelação incessante entre os mundos corporal e espiritual forma-se uma idéia muito interessante sobre a estrutura real de nosso Universo: a de uma simbiose íntima entre dois universos que precisam um do outro para, propriamente falando, "existir". Ora, essa idéia de dois universos que pervadem um ao outro não é de nenhuma forma nova. Ela faz parte de muitas escolas filosóficas que propõem a generalização do princípio inteligente (algumas vezes chamado de "mônada") a todo universo material. Isso implica explicitamente que tudo que existe (inclusive objetos considerados bastante materiais como os minerais) estaria associado a princípios espirituais cuja inteligência (no caso dos mineriais) estão em estado de potencialidade. Lenta mas inexoravelmente o princípio inteligente se desenvolve através de sua associação com diversas estruturas materiais existentes. Ao mesmo tempo que isso ocorre, o princípio espiritual dá "inteligência" à matéria.

    É particularmente interessante um trecho da pergunta 540 do LE que diz sobre os Espíritos inferiores a presidir fenômenos materiais: "Enquanto se ensaiam para a vida, antes que tenham plena consciência de seus atos e estejam no gozo pleno do livre-arbítrio, atuam em certos fenômenos, de que inconscientemente se constituem agentes." Não está ai uma aparente descrição da interrelação mente-corpo apenas descrita em outro nível de fenômeno? Porque somente imaginar
que os Espíritos evoluem com um corpo humano ou, no mínimo, de um "mamífero superior"?

    Para reforçar o que digo, gostaria aqui de citar um trecho extraído do livro "What is Life?" de um importante físico austríaco - Erwin Schrödinger (um dos  pais da chamada "física quântica") e que compreendeu muito bem o dilema filosófico no debate sobre a "mente-corpo". A mente aqui é o espírito do LE e o corpo, obviamente, é a matéria. Sua colocação é interessante pois Schrödinger não conhecia o Espiritismo. Nesse livro, Schrödinger na parte final "Mind and Matter"  chama atenção para a idéia bastante óbvia de que o universo ao redor de nós só existe porque existem observadores - ou seja, mentes conscientes  - nesse universo capazes de observá-lo. Explicitamente ele diz:

    "O mundo é uma construção de nossas sensações, percepções e memórias. É conveniente considerá-lo existindo objetivamente por si próprio. Mas ele não se torna manifesto por sua mera existência. Sua manifestação é função de acontecimentos especiais em certas partes muito especiais desse mesmo universo, a saber, em certos eventos que ocorrem no cérebro." (E Schrödiger - "Mind and Matter", capítuloI, p. 93, assim como a tradução).

    O 'tornar-se manifesto' aqui é quase o que os Espíritos dizem com relação a necessária ligação entre os mundos material e espiritual. Por causa de sua afirmação sobre a necessidade da mente para tornar o universo manifesto, Schrödinger reconhece o aparecimento de um problema: se o universo é o que é por uma construção da mente (ou seja, do espírito) então como explicar que ele se pareça tão semelhante para diversos indivíduos? O que é que faz com que o universo material tenha uma aparência "coerente" para as diversas mentes? Na pagina seguinte, 94, ele continua:

    "De acordo com Spinoza cada coisa ou ser particular é uma modificação da substância infinita, i. e., Deus que se expressa através de seus atributos, em particular, o da extensão e o do pensamento. O primeiro é a existência corporal no espaço e no tempo, o segundo é - no caso do homem e dos animais - sua mente. Mas para Spinoza qualquer corpo, seja ele inanimado ou  animal, é ao mesmo tempo um 'pensamento de Deus', ele também possui o segundo atributo. Encontramos aqui a idéia audaciosa da animação universal, embora não pela primeira vez, mesmo para a filosofia ocidental. Dois mil anos antes os filósofos Iônicos por causa dela se denominaram hylozoistas." (grifo meu). Ou seja, desde um ponto de partida filosófico, a idéia da existência do universo espiritual faz bastante sentido, embora, como assevera Schrödinger, seja "audaciosa". No capítulo 4 de seu livro "Mind and Matter", o autor continua expondo a mesma idéia desde o ponto de vista de outras escolas religiosas como a doutrina contida nos Upanishads do Hinduísmo. Para os Upanishads não haveriam múltiplas mentes mas uma mente só, que seria a própria mente de Deus. Não é difícil aqui ver que essa idéia pode ter dado origem ao Panteísmo que também foi tema de uma análise por Kardec e os Espíritos.

    A idéia da existência do universo espiritual parece assim repousar sob  bases bem conhecidas. Ela de fato consegue explicar uma série de coisas interessantes, entre as quais a incrível exatidão da matemática como linguagem do universo material. Muitos cientistas já se perguntaram porque, sendo a matemática uma criação mental, ela consegue explicar tão bem muitos fenômenos naturais através das diversas teorias físicas. A matemática tem sua origem no espírito (lógica e razão) e é muito difícil explicar a "coincidência" de muitas vezes inúmeros teoremas matemáticos serem descobertos antes de eventos naturais  que se tornam explicados por tais teoremas. Se nós imaginarmos que, desde o início, espírito e matéria estão interconectados a ponto de o espírito ter aprendido a "ler no livro da natureza" então a lógica tem sua fundamentação nesse aprendizado imenso que o espírito empreendeu desde sua concepção. A matemática e a lógica seriam assim linguagens universais aprendidas pelo espírito! Elas estão grafadas  em nosso ser desde muito tempo e teriam sido consequência da evolução milenar.

    Isso posto, podemos tentar entender como os Espíritos muitas vezes interferem no mundo material, podendo tornar-se imprescíndíveis nos processos naturais embora seguindo nitidamente as leis do universo material. É preciso antes separar duas coisas: uma são as leis e o desenrolar dos fenômenos, a outra é o impulso inicial que o determina. Eu vou dar o exemplo do lançamento de um dado. Para mim saber qual face vai cair é um acontecimento puramente aleatório. Entretanto, nós sabemos que segue leis aproximadamente mecânicas. Se eu souber de antemão a velocidade do dado, a maneira como ele é lançado,
a altura de onde vai cair, o estado da atmosfera que faz o atrito etc, eu teria como  conseguir determinar com grande chance a
face que cai. Entretanto eu não sei isso. Inconscientemente eu altero o lançamento do dado, sem saber o que acontecerá
durante o desenrolar do fenômeno. No meu entender este é o mecanismo de atuação dos Espíritos: a determinação das condições inicias dos fenômenos que seguem por sua vez  leis rígidas. Para que possam influenciar a Natureza, acredito que os Espíritos utilizem as brechas formadas pelos fenômenos de natureza aleatória (como o exemplo do dado).

    Na verdade, todos os fenômenos da natureza são intrinsecamente aleatórios (diferindo em grau de aleatoriedade) e, assim sendo, os Espíritos podem alterar todos eles. Obviamente estamos ainda longe de compreender a intimidade do mecanismo
dessa atuação, mas podemos concluir que as chamadas "obras do acaso" podem ser pontuadas pela atuação dos Espíritos.
Essa é uma proposta de compreensão da revelação dos Espíritos no que diz respeito ao questionamento colocado. Eu poderia
dar alguns outros exemplos, mas receio tornar-me inconveniente.

    De qualquer forma, relendo as questões do LE que serviram a sua dúvida bastante fundada, fica a impressão de que os
Espíritos não teriam proposto  uma alteração nas leis naturais por parte dos Espíritos. A imagem dada na questão 540 que
compara os Espíritos aos seres microscópicos é bastante boa: tudo se passa como se imaginássemos que a formação do
bolor sobre um pedaço de pão fosse efeito puramente químico. Podemos pensar assim mas, de fato, existem seres invisíveis (microorganismos) a controlar o fenômeno em outro nível. Algo semelhante ocorre com os fenômenos na fronteira espírito-matéria, basta para isso focalizarmos nossa atenção igualmente em outro nível.

Muita paz,
Ademir


Caro Ademir:

    Muito grato pela presteza em ajudar-me nestas questões que me deixam muitas vezes "desconfiado" quanto à fidelidade , não dos espíritos interpelados por Kardec através dos médiuns, mas justamente pela condição destes mesmos médiuns que poderão ter sofrido interferências na comunicação. Não gostaria de abusar do seu tempo, mas , para ser sincero, vou visitá-lo muitas vezes. Tenho que me debruçar sobre estas questões com outro tipo de ótica. Qual, não sei. Sua explicação sobre o assunto vai servir para estudo de um grupo de companheiros daqui de Caraguatatuba. Que o Pai Criador o avbençoe hoje
e sempre.

Geraldo Callefe


Prezado Geraldo,

    Nós é que agradecemos pela colocação da questão e participação. Na verdade, a discussão dos temas espíritas é necessária pois vai incentivando no mov. espírita a característica científica do Espiritismo e seu forte apelo à razão. O que escrevi
comentando sobre a questão por você colocada é apenas um esboço bastante imperfeito do que talvez seja uma tentativa de solução ao problema. Mas imagino que a imagem que os próprios Espíritos deram na questão 540 ajuda bastante para se ter uma imagem da questão.

    Infelizmente não tenho muito contato com livros filosóficos, apenas descobri que muitas das questões tratadas no "Livro dos Espíritos" são bastante antigas em filosofia (desde os antigos gregos), apenas nós é que ignoramos o assunto. Os Espíritos vêm assim fornecer algumas dicas sobre muitos problemas. O mais difícil deles sem dúvida é a questão do espírito pois nem eles  tem conhecimento completo. Não devemos ler o LE como se fosse a Bíblia para os evangélicos. A bíblia é interpretada literalmente como a "verdade", mas os Espíritos da codificação nunca ousaram dizer isso de suas questões. Eles devem ser vistos como nossos irmãos (ainda imperfeitos como nós, mas sem dúvida mais privilegiados pois tem um conhecimento diferente e mais avançado) que vieram nos revelar certas coisas. Essas coisas farão parte do conhecimento científico da Humanidade (no sentido de estarem disponíveis a uma audiência mais ampla que a do mov. espírita).

    Uma literatura boa sobre o assunto é "Evolução em dois mundos" de André Luiz, "A caminho da Luz" de Emmanuel e "Emmanuel" de Emmanuel, todos psicografacos por FC Xavier. O livro de Schrödinger que citei possui uma tradução em
português que não tenho o nome da editora. O título é "O que é Vida? " com "Mente e Matéria" num texto final. O livro é razoavelmente conhecido nos meios científicos e imagino que uma livraria técnica deva vendê-lo.

Muita paz,
Ademir - Editor GEAE



Fogo Eterno, José Basilio, Brasil


Olá amigos,

    No Catolicismo, origem de muitos dos atuais Espíritas, há o dogma do fogo eterno, ou inferno que nós Espíritas entendemos como sendo um estado possível e temporário pelo qual o Espírito deve (ou não?) passar.

    Pois bem, se os Espíritos são todos criados simples e ignorantes, significa que todos passarão (sendo bem sucedidos ou não)    por uma situação de provas e expiações, ou seja, a situação ou estado de sofrimento - o inferno católico - existe sim e é, ao meu entender, eterno. A região, faixa vibratória, ou outro nome qualquer, sempre existirá, pois Deus não cessa de criar os simples e ignorantes Espíritos que têm que adquirir sabedoria. O que vocês acham?

Um grande abraço do amigo,

José Basilio



Pergunta sobre Congestão Energética, Baida, Brasil

Olá,

    Tenho recebido constantemente o Geae e muito me agrado de ter informaçoões constantes sobre reformas íintimas e necessidades espirituais que por mais que saibamos sempre nos esquecemos. Quero com isso agradecer a voces por continuarem na semeadura constante e infinitamente oportuna para os dias de hoje.

    Bom,  não é só para agradecer que hoje resolvi escrever, mas também para ver se consigo maiores informações sobre um problema pelo qual tenho passado, assim imaginando que alguém possa me ajudar ou talvez me orientar sobre algumas dúvidas.

    Poderiam por favor falar sobre Congestão Energética? Ela se parece com a conhecida Síndrome do Pânico? Se alguém puder me responder agradeço.

Um forte abraço a todos,

Baida



Pergunta sobre Apometria, Marco Aurélio, Brasil


Prezados Confrades,

    O que pensar a luz da Doutrina Espirita a respeito da apometria?

    O que pensar da obra : Espírito /Matéria : Novos horizontes para a Medicina; de José Lacerda de azevedo?




Painel
Convite para Participação em Lista de Estudos sobre Apometria, José Godinho, Brasil


Olá amigos!

    Estamos convidando vocês para participarem de uma nova lista de estudos. Para se increver, basta enviar um e-mail para lista-apometria@br.egroups.com. Você receberá um e-mail de resposta dando-lhes todas as dicas de funcionamento da lista.

    Como já é do conhecimento dos senhores, algumas técnicas terapêuticas novas estão se destacando pela sua alta resolutividade, eficiência e facilidade de aplicação. Dentre elas, a Apometria e o Desdobramento e Sintonia Múltipla dos Corpos Sutis como técnica terapêuticas anímico-espirituais, vem ganhando espaço cada vez maior. Aqueles que desejam doar um tempo de seu tempo aliviando a dor do semelhante tem nessas técnicas um extraordinário instrumento de aplicação fraterna e gratuita, no tratamento das obsessões, auto-obsessões e distúrbios de ordem espiritual e psíquica como psicoses e depressões e principalmente nas síndromes raras. Esse conhecimento é também extremamente útil a todos aqueles que, mesmo não atuem no campo da mediunidade socorrista, trabalham com a saúde física, mental e a formação do ser humano. Diante do enorme interesse e procura que as pessoas de todas as classes e níveis vêm demonstrando por essas técnicas, resolvemos montar uma lista informativa sobre o assunto.

    A lista será encabeçada por um grupo de moderadores que responderão perguntas e opinarão sobre questões relacionadas com a temática proposta. Dentre eles teremos 5 socorristas apométricos com grande experiência na área. O psicólogo Clécio Carlos Gomes do Grupo Espírita Ramatis de Lages, SC, que, além do trabalho espiritual que faz, passou a associar esse
conhecimento à psicologia no cotidiano de seu consultório. O médico José Carlos Birnfield (Zeca) que trabalha na Casa do Jardim em Porto Alegre e acompanhou o trabalho de pesquisa do Dr. Lacerda o descobridor e criador do método Apométrico. O terapeuta holístico J. S. Godinho do Grupo Espírita Ramatis de Lages, SC, pesquisador do psiquismo e autor de 5 livros sobre Apometria, Desdobramento Múltiplo e Terapia de Vida Passada. O terapeuta Márcio Godinho do Grupo Espírita Ramatis de Lagoa Vermelha, RS, pesquisador do psiquismo e psicógrafo das obras de Ramatis. E para cuidar das questões relacionadas com o aspecto Doutrina Espírita, que em nosso entender é o segmento religioso/científico/filosófico que mais se afiniza com a técnica apométrica, convidamos o pesquisador das obras Kardequianas Flávio Mendonça do Centro Espírita Leopoldo Cirne em João Pessoa / PB.

    Este grupo estará respondendo através da lista as perguntas que lhes forem formuladas, esclarecendo dúvidas e criando condições para divulgação dessas novas técnicas, bem como a formação de novos grupos de trabalho. Os associados poderão dirigir suas perguntas e dúvidas para um dos membros da equipe ou deixando-as livres para um, alguns ou todos (os moderadores) respondam ou opinem livremente sobre a questão proposta.

    Devido ao acúmulo de questões já existentes e o tempo limitado da equipe que cuidará das respostas que são pessoas ocupadíssimas, os moderadores se reservam o direito de excluir aquelas que forem julgadas fora dos propósitos da lista ou da temática proposta, e responderão as perguntas na medida de suas possibilidades. O benefício de todos os interessados em Apometria e Desdobramento será considerado como prioridade e a lista estará voltada mais para a qualidade do material a ser divulgado do que sua quantidade.

Abraços fraternos,
Os moderadores.



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